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DO PRAZO PARA ABERTURA DO INVENTÁRIO E PARA O SEU ENCERRAMENTO O ADMINISTRADOR PROVISÓRIO DO INVENTÁRIO

No documento Flávio Tartuce - Vol. 06.pdf (páginas 43-46)

O Código Civil brasileiro em vigor consagra um prazo de 30 dias, a contar da abertura da sucessão – o que se dá pela morte, reafirmese –, para a instauração do inventário do patrimônio hereditário (art. 1.796 do CC). A norma civil enuncia que, “no prazo de trinta dias, a contar da abertura da sucessão, instaurar-se-á inventário do patrimônio hereditário, perante o juízo competente no lugar da sucessão, para fins de liquidação e, quando for o caso, de partilha da herança”.

Todavia, a matéria também está tratada na legislação processual. O art. 983 do Código de Processo Civil de 1973, conforme redação que foi dada pela Lei 11.441/2007, estabelecia um prazo de abertura do inventário de 60 dias, igualmente a contar do falecimento. Determinava, ainda, o Estatuto Processual que o processo de inventário deveria ser encerrado nos doze meses subsequentes à abertura, podendo o juiz prorrogar tais prazos, de ofício ou a requerimento de parte. Pois bem, a correta interpretação que se fazia era no sentido de que o dispositivo processual anterior revogou o preceito material, por ser norma

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posterior que tratava da matéria de forma integral. Em suma, houve uma revogação tácita, nos termos do art. 2.º, § 2.º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, com bem concluía a mais conceituada doutrina (DINIZ, Maria Helena. Código..., 2010, p. 1.274).

O Novo Código de Processo Civil confirmou o sentido da norma instrumental anterior, com algumas pequenas alterações. Nos termos do seu art. 611, o processo de inventário e de partilha deve ser instaurado dentro de 2 meses, a contar da abertura da sucessão, ultimando-se nos 12 meses subsequentes, podendo o juiz prorrogar esses prazos, de ofício ou a requerimento de parte. Como se percebe, o prazo para a abertura foi modificado de 60 dias para 2 meses, o que não corresponde necessariamente ao mesmo número de dias. Em relação ao prazo de encerramento do inventário, este foi mantido em 12 meses.

Mas quais são as decorrências caso tais lapsos temporais não sejam respeitados, eis que não há qualquer sanção expressa na norma, o que é motivo de críticas? No tocante às consequências do descumprimento dessas regras, precisas são as palavras de Euclides de Oliveira e Sebastião Amorim, mantidas na vigência do Novo CPC, com as devidas adaptações:

“É comum haver atraso na abertura do inventário. Diversas as razões, como o trauma decorrente da perda de um ente familiar, dificuldades financeiras, problemas na contratação de advogado ou necessidade de diligências para localização dos bens e sua documentação.

A inércia do responsável poderá ensejar a atuação de outro interessado na herança, que tenha legitimidade concorrente (art. 988 do CPC [art. 616 do CPC/2015]), ou providência ex officio (art. 989 do CPC [sem correspondente no CPC/2015]). Requerimento fora do prazo não implica indeferimento de abertura do inventário pelo juiz, mesmo porque se trata de procedimento obrigatório, não sujeito a prazo fatal.

Mas o atraso na abertura do processo de inventário, quando superior a 60 (sessenta) dias, acarretará acréscimo dos encargos fiscais, pela incidência de multa de 10% sobre o importe a recolher, além dos juros de mora. Se o atraso for superior a 180 (cento e oitenta) dias a multa será de 20% (previsão da lei paulista 9.591/1966, art. 27, repisada pela Lei 10.705/2000, artigo 21, inciso I)” (OLIVEIRA, Euclides de; AMORIM, Sebastião. Inventário..., 2009, p. 328-329).

No que concerne à última penalidade, ressalte-se que os juristas citam a legislação paulista, o que não vale para outras unidades da federação, que têm normas estaduais próprias. De todo modo, em suma, o atraso na abertura do inventário gera consequências fiscais para os herdeiros; premissa a ser mantida sob a vigência do Novo Estatuto Processual.

A propósito dessa imposição, geralmente percebida nas unidades da Federação, cabe ressaltar que não há qualquer inconstitucionalidade. Nos termos da antiga Súmula 542 do Supremo Tribunal Federal, do remoto ano de 1969, não é inconstitucional a multa instituída pelo Estado-Membro, como sanção pelo retardamento do início ou da ultimação do inventário.

Partindo para o outro tema do tópico, a administração do inventário cabe ao inventariante, como regra geral, assunto que ainda será aprofundado nesta obra, no seu Capítulo 4. Tem ele um mandato legal para atuar em nome dos demais herdeiros. Todavia, nos termos do art. 1.797 do CC/2002, do art. 613 do CPC/2015 e do art. 985 do CPC/1973, até o compromisso do inventariante, a administração da herança caberá a um administrador provisório ou ad hoc, de acordo com a seguinte ordem sucessiva estabelecida no preceito civil citado:

Ao cônjuge ou companheiro, se com o outro convivia ao tempo da abertura da sucessão.

Ao herdeiro que estiver na posse e administração dos bens, e, se houver mais de um nessas condições, ao mais velho. Ao testamenteiro, pessoa responsável pela administração do testamento.

À pessoa de confiança do juiz, na falta ou escusa das indicadas nos incisos antecedentes, ou quando tiverem de ser afastadas por motivo grave levado ao conhecimento do juiz.

Pelos exatos termos do dispositivo legal, parece que a ordem deve ser rigorosamente obedecida, pois se utiliza o termo

sucessivamente. Todavia, conforme está exposto nos outros Volumes desta coleção, o Código Civil brasileiro de 2002 adota um

sistema aberto, baseado em cláusulas gerais e conceitos legais indeterminados, com esteio na teoria tridimensional do Direito – segundo a qual Direito é fato, valor e norma –, e na ontognoseologia de seu principal idealizador, o jurista Miguel Reale. Dessa forma, filosoficamente, é inconcebível ter as relações que constam da codificação material privada, em regra, como relações fechadas e rígidas.

Nesse contexto, melhor concluir, como fazem Euclides de Oliveira e Sebastião Amorim, que a ordem de nomeação do administrador provisório é apenas uma ordem de preferência, devendo o juiz analisar, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, quem tem melhor condições de exercer o encargo (Inventários..., 2009, p. 344-345). Adotando tal premissa, vejamos

aresto do Superior Tribunal de Justiça, assim publicado no Informativo n. 432 daquele Tribunal Superior:

“Representação judicial. Administrador provisório. A Turma reiterou o entendimento de que, enquanto não nomeado inventariante e prestado o compromisso (arts. 985 e 986 do CPC), a representação ativa e passiva do espólio caberá ao administrador provisório, o qual, usualmente, é o cônjuge supérstite, uma vez que detém a posse direta e a administração dos bens hereditários (art. 1.579 do CC/1916, derrogado pelo art. 990, I a IV, do CPC e art. 1.797 do CC/2002). Assim, apesar de a herança ser transmitida ao tempo da morte do de cujus (princípio saisine), os herdeiros ficarão apenas com a posse indireta dos bens, pois a administração da massa hereditária será, inicialmente, do administrador provisório, que representará o espólio judicial e extrajudicialmente, até ser aberto o inventário com a nomeação do inventariante, a quem incumbirá representar definitivamente o espólio (art. 12, V, do CPC). Precedentes citados: REsp 81.173/GO, DJ 02.09.1996, e REsp 4.386/MA, DJ 29.10.1990” (STJ, REsp 777.566/RS, Rel. Min. Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJRS), j. 27.04.2010).

O julgado, implicitamente, admite a tese de que cabe ao juiz estabelecer quem deve assumir o encargo, pois afirma que, usualmente e não obrigatoriamente, o administrador provisório será o cônjuge do falecido. Sintetizando, traz a conclusão de que a ordem de nomeação não é obrigatória, nem rígida.

Todavia, a questão não é pacífica, pois há quem entenda pela necessidade de observação da ordem descrita no art. 1.797 da Norma Geral Privada. Nesse sentido, afirma Zeno Veloso que “o art. 1.797 indica quem deve ser o administrador provisório da herança. A ordem é sucessiva” (Código..., 2012, p. 2.023). Na mesma linha, essa parece ser a conclusão de Paulo Lôbo, para quem “a ordem é obrigatória e o investido legalmente na administração da herança apenas pode dela se eximir, justificadamente, por decisão judicial” (Direito..., 2012, p. 63). Também na jurisprudência nacional são encontradas ementas estaduais que seguem tal forma de pensar (a título de exemplo: TJSP, Agravo de Instrumento 0048281-36.2013.8.26.0000, Acórdão 6693448, 6.ª Câmara de Direito Privado, São Paulo, Rel. Des. Paulo Alcides, j. 25.04.2013, DJESP 10.05.2013; e TJPR, Agravo de Instrumento 351099-2, Acórdão 3340, 16.ª Câmara Cível, Curitiba, Rel. Juiz Conv. Joatan Marcos de Carvalho, j. 19.07.2006, DJPR 04.08.2006).

Com o devido respeito aos professores por último citados, verdadeiros ícones doutrinários para o presente autor, melhor deduzir pela existência de mera ordem de preferência, o que está mais bem adaptado aos valores do Direito Privado Contemporâneo.

Também no sentido de ampliar o sentido do texto legal, deve-se reconhecer que o rol descrito no art. 1.797 do CC/2002 é meramente exemplificativo (numerus apertus) e não taxativo (numerus clausus), o que igualmente está de acordo com o sistema aberto adotado pela codificação privada de 2002. Desse modo, pode ser tido como administrador provisório um companheiro homoafetivo do falecido ou filho socioafetivo ou de criação não registrado que esteja na posse dos bens do de cujus. Consigne- se que aresto do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, do ano de 2008, já havia reconhecido a possibilidade de ser o companheiro homoafetivo administrador provisório dos bens do falecido (TJRJ, Apelação Cível 2006.001.09399, Rel. Des. Ronaldo Rocha Passos, j. 11.03.2008).

Entretanto, com a histórica decisão do Supremo Tribunal Federal, de maio de 2011, que equiparou, para todos os fins, a união homoafetiva à união estável heterossexual, o melhor enquadramento da hipótese parece ser no inciso I do art. 1.797 do CC. O mesmo deve ser dito no caso de casamento homoafetivo, o que passou a ser possível no Brasil como decorrência desse revolucionário decisum, publicado no Informativo n. 625 do Excelso Pretório.

Superados tais aspectos, estabelece o art. 614 do CPC/2015 – reprodução literal do art. 986 do CPC/1973, seu correspondente – que o administrador provisório representa ativa e passivamente o espólio. Como aplicação dessa legitimidade, julgou o Superior Tribunal de Justiça, mencionando o Estatuto Processual anterior que, “enquanto não realizada a partilha, o acervo hereditário – espólio – responde pelas dívidas do falecido (art. 597 do CPC) e, para tanto, a lei lhe confere capacidade para ser parte (art. 12, V, do CPC). Acerca da capacidade para estar em juízo, de acordo com o art. 12, V, do CPC, o espólio é representado, ativa e passivamente, pelo inventariante. No entanto, até que o inventariante preste o devido compromisso, tal representação far-se-á pelo administrador provisório, consoante determinam os arts. 985 e 986 do CPC. O espólio tem legitimidade para figurar no polo passivo de ação de execução, que poderia ser ajuizada em face do autor da herança, acaso estivesse vivo, e será representado pelo administrador provisório da herança, na hipótese de não haver inventariante compromissado” (STJ, REsp 1.386.220/PB, 3.ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 03.09.2013, DJe 12.09.2013).

Ainda pelo mesmo preceito processual, o administrador provisório é obrigado a trazer ao acervo os frutos que desde a abertura da sucessão percebeu do bem principal. Cabe lembrar, para os devidos fins de estudo, que os frutos são bens acessórios que saem do bem principal sem diminuir a sua quantidade. A título de exemplo, se o administrador provisório está na posse de uma fazenda, deve trazer para a partilha a produção desse bem, para que os frutos sejam partilhados entre os herdeiros.

1.11

O administrador provisório, ainda de acordo com o art. 614 do CPC/2015 (equivalente ao art. 986 do CPC/1973), tem direito ao reembolso das despesas necessárias e úteis que fez para manter o bem. O enquadramento de tais despesas deve ser semelhante ao tratamento das benfeitorias, constante do art. 96 do Código Civil. Sendo assim, são úteis as despesas que aumentam ou facilitam o uso do bem, caso de um acessório que vise a melhorar a segurança do bem principal. Em complemento, são necessárias as despesas que têm por fim conservar o bem ou evitar que se deteriore, como nos casos da troca de um telhado de uma casa ou do conserto de um sistema de encanamento.

Por derradeiro, estabelece tal preceito do Estatuto Processual que o administrador provisório responde pelo dano a que, por dolo ou culpa, der causa. Em suma, nota-se que a sua responsabilidade é subjetiva, fundada na culpa lato sensu, que engloba o dolo – intenção de causar prejuízo –, e a culpa stricto sensu – por imprudência, negligência e imperícia. Cabe, ao eventual prejudicado, o ônus de comprovação desse elemento subjetivo, para que surja o eventual dever de reparar do administrador. Não se cogita a sua responsabilidade objetiva ou sem culpa, pois a lei assim não a consagra.

No documento Flávio Tartuce - Vol. 06.pdf (páginas 43-46)

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