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Os direitos sucessórios do concubino e o problema das uniões estáveis plúrimas

No documento Flávio Tartuce - Vol. 06.pdf (páginas 168-178)

Como é notório, o concubinato não é reconhecido como entidade familiar pelo Direito Civil Brasileiro, matéria que foi tratada no Volume 5 desta coleção e que aqui deve ser retomada, pois de especial relevância para a sucessão legítima. Nos termos do art. 1.727 do Código Civil brasileiro, as relações não eventuais, estabelecidas entre pessoas impedidas de casar, constituem concubinato.

Como se retira da última norma, o parâmetro inicial para a configuração do concubinato é o art. 1.521 da própria codificação material, que elenca os impedimentos do casamento, nas seguintes hipóteses: a) havendo parentesco consanguíneo na linha reta, até o infinito; b) presente o parentesco consanguíneo colateral até o terceiro grau, inclusive, exceção feita para os tios e sobrinhos, se uma junta médica apontar que não há risco biológico à prole, nos termos do Decreto-lei 3.200/1941; c) existindo parentesco por afinidade na linha reta, até o infinito, caso da sogra e do genro, do padrasto e da enteada; d) se presente

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vínculo de adoção, nos mesmos moldes do parentesco consanguíneo; e) se a pessoa for casada; f) se houver a condenação pelo cometimento de crime de homicídio ou tentativa de homicídio, não podendo o outro cônjuge se casar contra o condenado pelo atentado contra o consorte.

No caso do inciso VI do art. 1.521, ressalve-se a situação da pessoa casada que seja separada, de fato, judicial ou extrajudicialmente, nos termos do que consta do art. 1.723, § 1.º, do CC/2002, lido de forma atualizada com a Lei 11.441/2007, pois é possível, em casos tais, a constituição de uma união estável.

O exemplo típico de concubinato é do sujeito casado que tem uma amante, havendo um concubinato impuro, ou concubinato em sentido estrito (stricto sensu), segundo é retirado das páginas da doutrina. O Professor Villaça utiliza para tal hipótese a expressão concubinato adulterino. Nas situações de concubinato entre pessoas que estão impedidas de casar, diante de impedimentos decorrentes do parentesco, o concubinato é denominado incestuoso. Ainda, se a pessoa tiver outra união de fato, o concubinato é chamado de desleal (AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto..., 2002, p. 460). De toda sorte, o autor deste livro prefere adotar somente o termo concubinato para os casos elencados, pois a união estável não pode ser mais chamada de concubinato puro, o que causa confusão. Ademais, o art. 1.727 do Código Civil não emprega qualquer adjetivação para a categoria ali tratada.

Em resumo, estará caracterizado o concubinato nas seguintes hipóteses, conforme desenvolvido no Volume 5 desta coleção:

Se um ou ambos os concubinos forem casados não separados (de fato, extrajudicial ou judicialmente) – art. 1.521, VI, com exceção da previsão do art. 1.723, § 1.º, do CC. Cumpre lembrar, mais uma vez, que a norma deve ser lida com ressalvas, a partir da Emenda Constitucional 66/2010, no sentido de ter sido retirada do sistema jurídico nacional a separação de direito ou jurídica, que abrange a separação judicial e a extrajudicial.

Se os concubinos tiverem entre si impedimentos decorrentes de parentesco consanguíneo (ascendentes e descendentes ou irmãos). Não se aplica o impedimento entre colaterais de terceiro grau (tios e sobrinhos), se não houver risco à prole (interpretação sistemática, à luz do Decreto-lei 3.200/1941 e do Enunciado n. 98 do CJF/STJ) – art. 1.521, I e IV, do CC.

Se os concubinos tiverem entre si impedimentos decorrentes de adoção – art. 1.521, III e V, do CC.

Se os concubinos tiverem entre si impedimentos decorrentes de parentesco por afinidade (sogra e genro, sogro e nora, padrasto e enteada, madrasta e enteado) – art. 1.521, II, do CC.

Se os concubinos tiverem entre si impedimento decorrente de crime – art. 1.521, VII, do CC.

Deve ficar claro que não se trata de aplicação de tais impedimentos por analogia, o que seria vedado, pois a norma do art. 1.521 do CC/2002 é restritiva da autonomia privada e de exceção. Na verdade, são os próprios arts. 1.723 e 1.727 do Código Civil que determinam a incidência dos impedimentos decorrentes do casamento com exceção, logicamente, da previsão do caso do separado de fato ou juridicamente (art. 1.723, § 1.º, do CC), apesar da falta de previsão expressa no próprio art. 1.727.

Pois bem, o concubinato, antigamente denominado impuro, e, atualmente apenas de concubinato, não é entidade familiar, mas mera sociedade de fato, segundo o entendimento que prevalece no Direito Privado brasileiro. Aplica-se a antiga Súmula 380 do Supremo Tribunal Federal, tendo direito o concubino à participação nos bens adquiridos pelo esforço comum. A competência para apreciar questões envolvendo esse concubinato é da Vara Cível, não da Vara da Família, eis que não se trata de uma família, frise-se. A ação correspondente é denominada ação de reconhecimento e dissolução de sociedade de fato (pelo procedimento comum, antigo rito ordinário), nome este que não pode ser utilizado para a ação relacionada com a união estável.

Por óbvio que o concubino não tem direito a alimentos, direito à meação e, especialmente, a direitos sucessórios, porque não se trata de uma entidade familiar ou de uma união estável, por interpretação literal das normas sobre o tema. Assim, no tratamento da matéria não houve qualquer impacto da recente decisão do STF, sobre a inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC.

Nesse sentido, de afastamento da existência de uma união estável, tem decidido o Superior Tribunal de Justiça por reiteradas vezes, cabendo trazer à colação os seguintes arestos:

“Sociedade de fato entre concubinos. Homem casado. Dissolução judicial. Admissibilidade. É admissível a pretensão de dissolver a sociedade de fato, embora um dos concubinos seja casado. Tal situação não impede a aplicação do princípio inscrito na Súmula 380/STF. Recurso especial conhecido e provido” (STJ, REsp 5.537/PR, 3.ª Turma, Rel. Min. Waldemar Zveiter, Rel. p/ acórdão Min. Nilson Naves, j. 28.06.1991, DJ 09.09.1991, p. 12.196).

“Concubinato. Sociedade de fato. Direito das obrigações. 1. Segundo entendimento pretoriano, na sociedade de fato entre concubinos, é, para as consequências jurídicas que lhe decorram das relações obrigacionais, irrelevante o casamento de qualquer deles, sobretudo, porque a censurabilidade do adultério não pode justificar que se locuplete com o esforço alheio, exatamente aquele que o pratica. 2. Recurso não conhecido” (STJ, REsp 229.069/SP, 4.ª Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 26.04.2005, DJ 16.05.2005, p. 351).

“Direito civil. Recurso especial. Reconhecimento e dissolução de sociedade de fato c/c partilha de bens e indenizatória. Arts. 513, 524, 1.177 e 1.572 do CC/1916. Ausência de prequestionamento. Súmula 356/STF. Prescrição vintenária. Art. 177, 1.ª parte, do CC/1916. Ação de natureza pessoal. Sociedade de fato. Companheiro casado. Possibilidade. Súmula 83/STJ. Dissídio pretoriano não comprovado. 2. Encontrando-se o v. acórdão impugnado em consonância com a jurisprudência desta Corte, no sentido da possibilidade do reconhecimento e dissolução de sociedade de fato quando se tratar de pessoa casada, aplica-se a Súmula 83/STJ (cf. REsp 362.743/PB, 257.115/RJ, 195.157/ES). (...) 4. Possuindo a Ação de Reconhecimento e Dissolução de Sociedade de Fato c/c Partilha de Bens e Indenizatória natureza pessoal, o prazo prescricional é de 20 (vinte) anos, a contar da ruptura da vida em comum, de acordo com o art. 177, 1.ª parte, do Código Civil de 1916. 5. Precedente (REsp 79.818/SP). 6. Recurso não conhecido” (STJ, REsp 418.910/DF, 4.ª Turma, Rel. Min. Jorge Scartezzini, j. 09.11.2004, DJ 06.12.2004, p. 317).

Justamente para afastar dúvidas, ressalte-se que o atual PL 699/2011, antigo PL 6.960/2002, pretende alterar o art. 1.727 do CC/2002 e introduzir outras previsões, que ficariam com a seguinte redação: “Art. 1.727. As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar e que não estejam separados de fato, constituem concubinato, aplicando-se a este, mediante comprovação da existência de sociedade de fato, as regras do contrato de sociedade. Parágrafo único. As relações meramente afetivas e sexuais, entre o homem e a mulher, não geram efeitos patrimoniais, nem existenciais”; “Art. 1.727-A. As disposições contidas nos artigos anteriores (1.723 a 1.727) aplicam-se, no que couber, às uniões fáticas, de pessoas capazes, que vivam em economia comum, de forma pública e notória, desde que não contrariem as normas de ordem pública e os bons costumes”. Pontue-se que a última proposição abriria a possibilidade de reconhecer a união de pessoas do mesmo sexo, o que acabou sendo superado pela jurisprudência superior.

As temáticas do concubinato e da união estável têm sido tratadas amplamente, tanto pelo Supremo Tribunal Federal quanto pelo Superior Tribunal de Justiça. Entra em cena o debate acerca da possibilidade de reconhecimento das famílias simultâneas, seja a existência de duas ou mais uniões estáveis concomitantes, seja a união estável concorrendo com o casamento. Caso haja tal reconhecimento, abre-se a possibilidade de reconhecer direitos sucessórios em hipóteses fáticas tais, o que, atualmente, não seria possível, pela letra fria da lei. O Supremo Tribunal Federal, em caso rumoroso, analisou tal problema jurídico no caso de um sujeito que tinha duas uniões concomitantes – um casamento e uma união estável –, em que ambas as mulheres requeriam pensão previdenciária do falecido. O interessante da situação em julgamento é que o falecido nunca se separou de fato da esposa. Assim, era casado de fato e de direito, e com a esposa tinha 11 filhos, mas mantinha relação duradoura de 37 anos com outra mulher da qual nasceram 9 filhos (STF, RE 397.762-8/BA, j. 03.06.2008). Na hipótese fática descrita, o Relator Ministro Marco Aurélio Mello assim decidiu:

“É certo que o atual Código Civil versa, ao contrário do anterior, de 1916, sobre a união estável, realidade a consubstanciar o núcleo familiar. Entretanto, na previsão, está excepcionada a proteção do Estado quando existente impedimento para o casamento relativamente aos integrantes da união, sendo que, se um deles é casado, o estado civil deixa de ser óbice quando verificada a separação de fato. A regra é fruto do texto constitucional e, portanto, não se pode olvidar que, ao falecer, o varão encontrava-se na chefia da família oficial, vivendo com a esposa. O que se percebe é que houve envolvimento forte (...) projetado no tempo – 37 anos – dele surgindo prole numerosa – 9 filhos – mas que não surte efeitos jurídicos ante a ilegitimidade, ante o fato de o companheiro ter mantido casamento, com quem contraíra núpcias e tivera 11 filhos. Abandone-se a tentação de implementar o que poderia ser tido como uma justiça salomônica, porquanto a segurança jurídica pressupõe respeito às balizas legais, à obediência irrestrita às balizas constitucionais. No caso, vislumbrou-se união estável, quando na verdade, verificado simples concubinato, conforme pedagogicamente previsto no art. 1.727 do CC”.

No entanto, em sentido divergente, o então Ministro Carlos Ayres Brito concluiu do seguinte modo:

“Minha resposta é afirmativa para todas as perguntas. Francamente afirmativa, acrescento, porque a união estável se define por exclusão do casamento civil e da formação da família monoparental. É o que sobra dessas duas formatações, de modo a constituir uma terceira via: o tertium genus do companheirismo, abarcante assim dos casais desimpedidos para o

casamento civil, ou, reversamente, ainda sem condições jurídicas para tanto. Daí ela própria, Constituição, falar explicitamente de ‘cônjuge ou companheiro’ no inciso V do seu art. 201, a propósito do direito a pensão por parte de segurado da previdência social geral. ‘Companheiro’ como situação jurídico-ativa de quem mantinha com o segurado falecido uma relação doméstica de franca estabilidade (‘união estável’). Sem essa palavra azeda, feia, discriminadora, preconceituosa, do concubinato. Estou a dizer: não há concubinos para a Lei Mais Alta do nosso país, porém casais em situação de companheirismo. Até porque o concubinato implicaria discriminar os eventuais filhos do casal, que passariam a ser rotulados de ‘filhos concubinários’. Designação pejorativa, essa, incontornavelmente agressora do enunciado constitucional de que ‘Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação’ (§ 6.º do art. 227). 13. Com efeito, à luz do Direito Constitucional brasileiro, o que importa é a formação, em si, de um novo e duradouro núcleo doméstico. A concreta disposição do casal para construir um lar com um subjetivo ânimo de permanência que o tempo objetivamente confirma. Isto é família, pouco importando se um dos parceiros mantém uma concomitante relação sentimental a dois. No que andou bem a nossa Lei Maior, ajuízo, pois ao Direito não é dado sentir ciúmes pela parte supostamente traída, sabido que esse órgão chamado coração ‘é terra que ninguém nunca pisou’. Ele, coração humano, a se integrar num contexto empírico da mais entranhada privacidade, perante a qual o Ordenamento Jurídico somente pode atuar como instância protetiva. Não censora ou por qualquer modo embaraçante (...) 17. No caso dos presentes autos, o acórdão de que se recorre tem lastro factual comprobatório da estabilidade da relação de companheirismo que mantinha a parte recorrida com o de cujus, então segurado da previdência social. Relação amorosa de que resultou filiação e que fez da companheira uma dependente econômica do seu então parceiro, de modo a atrair para a resolução deste litígio o § 3.º do art. 226 da Constituição Federal. Pelo que, também desconsiderando a relação de casamento civil que o então segurado mantinha com outra mulher, perfilho o entendimento da Corte Estadual para desprover, como efetivamente desprovejo, o excepcional apelo. O que faço com as vênias de estilo ao relator do feito, ministro Marco Aurélio”.

Os Ministros Carlos Alberto Menezes Direito, Cármen Lúcia Antunes Rocha e Ricardo Lewandowski acompanharam o relator, sendo que essa orientação prevaleceu, ao final. Com o devido respeito aos Ilustres Julgadores, o Ministro Ayres Brito, na situação descrita, parece ter razão. Certamente a esposa sabia do relacionamento paralelo, aceitando-o por anos a fio. Sendo assim, deve, do mesmo modo, aceitar a partilha dos direitos com a concubina, que deve ser tratada, no caso em análise, como companheira.

Pode até ser invocada a aplicação do princípio da boa-fé objetiva ao Direito de Família e das Sucessões, notadamente da máxima que veda o comportamento contraditório (venire contra factum proprium non potest). O comportamento contraditório está claro, uma vez que a esposa aceitou socialmente o relacionamento paralelo do marido. Sendo assim, igualmente deve concordar com a divisão de seus direitos em relação à outra mulher. O mesmo poderia ser dito quanto a outros bens sucessórios, caso de imóveis do falecido ou de dinheiro que ele tivesse deixado.

No que concerne ao Superior Tribunal de Justiça, igualmente tem-se entendido, na maioria dos julgados, pela impossibilidade do reconhecimento do paralelismo da união estável com o casamento, devendo a relação não oficial ser tratada como mero concubinato, a excluir totalmente os direitos sucessórios da concubina. A título de exemplo, a ilustrar e confirmar os julgados antes trazidos à colação:

“Civil e processual civil. Recurso especial. Preliminares de ilegitimidade passiva, inépcia da inicial e impossibilidade jurídica do pedido afastadas. Ação de reconhecimento de união estável, sociedade de fato ou concubinato. Partilha de pensão previdenciária. Servidor público casado. Impossibilidade. Recurso especial provido. 1. Inexistindo vedação normativa explícita a que a concubina peça, em juízo, o reconhecimento jurídico de uma determinada situação para fins de recebimento de pensão previdenciária, a impossibilidade jurídica do pedido aventada pelo recorrente há de ser afastada. 2. Em princípio, a viúva titular da pensão previdenciária deixada pelo marido é parte legítima para figurar no polo passivo de ação movida pela concubina, visando ao rateio da verba. 3. Não se declara a nulidade do processo por ausência de intimação do órgão previdenciário, quando o mérito é decidido favoravelmente à recorrente. 4. Não é juridicamente possível conferir ao concubinato adulterino o mesmo tratamento da união estável. 5. ‘A titularidade da pensão decorrente do falecimento de servidor público pressupõe vínculo agasalhado pelo ordenamento jurídico, mostrando-se impróprio o implemento de divisão a beneficiar, em detrimento da família, a concubina’ (RE 590.779-1/ES; Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 26.03.2009). 6. Recurso especial provido” (STJ, REsp 1.185.653/PE, 4.ª Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 07.12.2010, DJe 01.03.2011).

“Direito civil. Família. Recurso especial. Ação de reconhecimento de união estável. Casamento e concubinato simultâneos. Improcedência do pedido. A união estável pressupõe a ausência de impedimentos para o casamento, ou, pelo

menos, que esteja o companheiro(a) separado de fato, enquanto que a figura do concubinato repousa sobre pessoas impedidas de casar. Se os elementos probatórios atestam a simultaneidade das relações conjugal e de concubinato, impõe- se a prevalência dos interesses da mulher casada, cujo matrimônio não foi dissolvido, aos alegados direitos subjetivos pretendidos pela concubina, pois não há, sob o prisma do Direito de Família, prerrogativa desta à partilha dos bens deixados pelo concubino. Não há, portanto, como ser conferido status de união estável à relação concubinária concomitante a casamento válido. Recurso especial provido” (STJ, REsp 931.155/RS, 3.ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 07.08.2007, DJ 20.08.2007, p. 281).

De toda sorte, em 2015, surgiu julgado do Tribunal da Cidadania com solução muito interessante, reconhecendo alimentos em uma relação concubinária pelo fato de existirem justas expectativas geradas pelo seu pagamento durante muitos anos. Nos termos da sua ementa, “de regra, o reconhecimento da existência e dissolução de concubinato impuro, ainda que de longa duração, não gera o dever de prestar alimentos a concubina, pois a família é um bem a ser preservado a qualquer custo. Nada obstante, dada a peculiaridade do caso e em face da incidência dos princípios da dignidade e solidariedade humanas, há de se manter a obrigação de prestação de alimentos a concubina idosa que os recebeu por mais de quatro décadas, sob pena de causar- lhe desamparo, mormente quando o longo decurso do tempo afasta qualquer risco de desestruturação familiar para o prestador de alimentos. O acórdão recorrido, com base na existência de circunstâncias peculiaríssimas – ser a alimentanda septuagenária e ter, na sua juventude, desistido de sua atividade profissional para dedicar-se ao alimentante; haver prova inconteste da dependência econômica; ter o alimentante, ao longo dos quarenta anos em que perdurou o relacionamento amoroso, provido espontaneamente o sustento da alimentanda –, determinou que o recorrente voltasse a prover o sustento da recorrida. Ao assim decidir, amparou-se em interpretação que evitou solução absurda e manifestamente injusta do caso submetido à deliberação jurisprudencial” (STJ, REsp 1.185.337/RS, 3.ª Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 17.03.2015, DJe 31.03.2015).

Além da menção à proteção constante do Estatuto do Idoso, a este autor parece que há certa fundamentação na boa-fé, especialmente na máxima venire contra factum proprium aqui antes referida. Ora, se o concubino contribuiu para o sustento de sua concubina por anos a fio não poderá, a qualquer momento, negar o pagamento pelo simples fato de não existir uma entidade familiar. Na opinião deste autor, essa conclusão também pode repercutir para o plano sucessório.

Em suma, não obstante esse último julgamento, tem prevalecido nos Tribunais Superiores o entendimento de não se admitir uma relação de concomitância entre um casamento vigente e eficaz, em que não há separação de fato, e uma união estável. Nesse contexto, o direito sucessório do concubino deve ser afastado, atribuindo-se todos os bens do falecido à esposa e aos seus demais herdeiros. No entanto, deve-se acrescentar que, por outro lado, o Tribunal gaúcho concluiu o seguinte:

“Apelação. União dúplice. União estável. Possibilidade. A prova dos autos é robusta e firme a demonstrar a existência de união entre a autora e o de cujus em período concomitante ao casamento de ‘papel’. Reconhecimento de união dúplice. Precedentes jurisprudenciais. Os bens adquiridos na constância da união dúplice são partilhados entre a esposa, a companheira e o de cujus. Meação que se transmuda em ‘triação’, pela duplicidade de uniões. Deram provimento, por maioria, vencido o des. relator” (TJRS, Apelação Cível 70019387455, 8.ª Câmara Cível, Rel. Rui Portanova, j. 24.05.2007).

Outros julgados daquela Corte Estadual podem ser colacionados, concluindo de forma diversa. A primeira decisão transcrita é interessante por utilizar o termo triação, expressando a divisão igualitária dos bens entre a esposa e a concubina:

“Apelação. União estável concomitante ao casamento. Possibilidade. Divisão de bem. ‘Triação’. Viável o reconhecimento de união estável paralela ao casamento. Precedentes jurisprudenciais. Caso em que a prova dos autos é robusta em demonstrar que a apelante manteve união estável com o falecido, mesmo antes dele se separar de fato da esposa. Necessidade de dividir o único bem adquirido no período em que o casamento foi concomitante à união estável em três partes. ‘Triação’. Precedentes jurisprudenciais. Deram provimento, por maioria” (TJRS, Acórdão 70024804015, 8.ª Câmara Cível, Guaíba, Rel. Des. Rui Portanova, j. 13.08.2009, DJERS 04.09.2009, p. 49).

“Apelação cível. União estável. Relacionamento paralelo ao casamento. Se mesmo não estando separado de fato da esposa, vivia o falecido em união estável com a autora/companheira, entidade familiar perfeitamente caracterizada nos autos, deve ser reconhecida a sua existência, paralela ao casamento, com a consequente partilha de bens. Precedentes. Apelação parcialmente provida, por maioria” (TJRS, Acórdão 70021968433, 8.ª Câmara Cível, Canoas, Rel. Des. José Ataídes Siqueira Trindade, j. 06.12.2007, DOERS 07.01.2008, p. 35).

No documento Flávio Tartuce - Vol. 06.pdf (páginas 168-178)

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