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DA SUCESSÃO DOS ASCENDENTES E A CONCORRÊNCIA DO CÔNJUGE

No documento Flávio Tartuce - Vol. 06.pdf (páginas 130-132)

Analisadas as regras relativas à sucessão dos descendentes, nos termos dos arts. 1.829, inciso II, e 1.836 do Código Civil, na falta de descendentes, são chamados à sucessão os ascendentes, que são herdeiros de segunda classe, do mesmo modo em concorrência com o cônjuge sobrevivente. Aqui não há qualquer influência do regime de bens na concorrência sucessória, que diz respeito a todos os bens, sem qualquer limitação, conforme reconhecido na VII Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho da Justiça Federal em setembro de 2015 (Enunciado n. 609).

Dessa forma, ilustrando, se o falecido não deixou filhos, mas apenas pais e uma esposa, o direito sucessório é reconhecido a favor dos três: pai + mãe + esposa; de forma igualitária. Mais uma vez, deve ser considerado o casamento homoafetivo como equiparado ao casamento heteroafetivo para a inclusão de direitos hereditários.

Assim, por exemplo, um homem falecido pode deixar um pai, uma mãe e um marido, devendo-se reconhecer a concorrência sucessória entre os três (pai + mãe + marido). Ou, ainda, uma mulher pode deixar uma mãe e uma esposa, havendo concorrência sucessória entre as últimas (mãe + esposa). Com o amplo reconhecimento da multiparentalidade, se o falecido deixar um pai biológico, um pai socioafetivo, uma mãe e uma esposa, os seus bens serão divididos entre os quatro, também em concorrência.

Reafirme-se, para que não pairem dúvidas, que, na concorrência do cônjuge com os ascendentes, não há qualquer influência quanto ao regime de bens, o que torna a sucessão mais simples, como realmente deve ser. Diante da simplicidade, não existem grandes divergências doutrinárias e jurisprudenciais nesta seara da concorrência do cônjuge.

Da mesma forma como ocorre com a sucessão dos descendentes, na classe dos ascendentes, o grau mais próximo exclui o mais remoto, sem distinção de linhas, conforme enuncia o art. 1.836, § 1.º, do CC/2002. Não se pode esquecer que não existe direito de representação em relação aos ascendentes. Exemplificando, se o falecido deixou pais e avós, os dois primeiros – seus pais – herdam na mesma proporção, sendo excluídos os avós. Se o de cujus deixa a mãe – sendo seu pai premorto – e avós, somente a sua mãe herdará.

Em complemento, havendo igualdade em grau e diversidade em linha, os ascendentes da linha paterna herdam a metade, cabendo a outra aos da linha materna (art. 1.836, § 2.º, do CC/2002). Para ilustrar, se o falecido com patrimônio de R$ 1.200.000,00 não deixou pais, mas apenas avós paternos e maternos, a herança é dividida inicialmente em duas partes, uma para cada linha. Depois a herança é fracionada entre os avós em cada grupo, que recebem quotas iguais, ou seja, R$ 300.000,00 cada um.

Todavia, se o falecido com patrimônio de R$ 1.200.00,00 deixou três avós, dois na linha paterna e um na linha materna, estão presentes a igualdade de graus e a diversidade de linhas. Por isso, metade da herança é atribuída aos avós paternos – R$ 600.000,00, recebendo R$ 300.000,00 cada um – e outra metade para a avó materna – que receberá R$ 600.000,00, na linha do exemplo explicativo de Zeno Veloso (Código..., 2008, p. 2.022).

Aqui surge a questão a ser resolvida quanto à multiparentalidade, e que antes foi destacada. O problema já foi levantado, na doutrina, por Anderson Schreiber. Segundo o jurista, “se uma pessoa pode receber herança de dois pais, é preciso recordar que também pode ocorrer o contrário, pois a tese aprovada produz efeitos em ambas as direções: direito do filho em relação aos múltiplos pais ou mães, mas também direitos dos múltiplos pais ou mães em relação ao filho. Assim, o que ocorre caso o filho venha a falecer antes dos pais, sem deixar descendentes? A resposta da lei brasileira sempre foi a de que ‘os ascendentes da linha paterna herdam a metade, cabendo a outra metade aos da linha materna’ (Código Civil, art. 1.836). Em primeiro grau, isso significava que o pai recebia a metade dos bens, e a mãe, a outra metade. Agora, indaga-se como será feita a distribuição nessa hipótese: a mãe recebe metade e cada pai recebe um quarto da herança? Ou se divide a herança igualmente entre os três, para que a posição de pai não seja ‘diminuída’ em relação à posição de mãe (ou vice-versa)?” (SCHREIBER, Anderson. STF, Repercussão Geral 622... Disponível em <http://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos>. Acesso em: 3 out. 2016).

O tema deve ser debatido profundamente nos próximos anos. Todavia, aplicando-se os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, este autor tende a responder que a herança deve ser dividida de forma igualitária entre todos os ascendentes.

Além desse reconhecimento sucessório, é preciso verificar qual o montante da herança a que tem direito o cônjuge quando concorre com os ascendentes. A respeito de tal aspecto duas são as regras tratadas pelo art. 1.837 da codificação privada, sendo fundamental, para compreendê-las, dominar os conceitos relativos aos graus de parentesco que constam do tópico inaugural do capítulo.

Como primeira regra, concorrendo o cônjuge com os dois ascendentes de primeiro grau, pai ou mãe, terá direito a um terço da herança. Então, naquela visualização em que o falecido deixou os pais e a esposa, os três terão direitos sucessórios na mesma proporção, ou seja, em 1/3 da herança. Se o falecido deixou o patrimônio final de R$ 1.200.000,00 cada um de seus herdeiros elencados receberá R$ 400.000,00. Esclareça-se que nesse e nos exemplos a seguir não se está considerando a meação do cônjuge, mas apenas sua herança.

A segunda regra dita que, concorrendo o cônjuge somente com um ascendente de primeiro grau ou com outros ascendentes de graus diversos, terá direito à metade da herança. Vejamos algumas concretizações a fim de facilitar a compreensão da máxima legal.

Como primeiro exemplo, se o falecido com patrimônio de R$ 1.200.000,00 deixou a mãe e a esposa, cada uma recebe metade da herança (R$ 600.000,00). Julgando caso próximo, cabe colacionar, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal:

“Civil e processo civil. Arrolamento. Cônjuge sobrevivente e ascendente concorrendo à herança. Imóvel adquirido em período anterior ao matrimônio. Cinquenta por cento para cada parte. Bem adquirido na constância do matrimônio. O cônjuge sobrevivente concorre na condição de meeiro e herdeiro. Recurso desprovido. Os pontos retratados pela apelante

2.9

em sede de recurso foram cuidadosamente analisados pelo MM. Juiz a quo, que dirimiu, com acerto, a controvérsia, uma vez que bem observou os ditames dos artigos 1.829 e 1.837, ambos do Código Civil” (TJDF, Recurso 2007.06.1.015237-5, Acórdão 582.000, 1.ª Turma Cível, Rel. Des. Lecir Manoel da Luz, DJDFTE 04.05.2012, p. 90).

Na segunda ilustração, o falecido deixou R$ 1.200.000,00 em bens e dois avós maternos, além da esposa. A esposa recebe metade da herança, ou seja, R$ 600.000,00. A outra metade é dividida entre os avós do falecido, de forma igualitária, recebendo R$ 300.000,00 cada um.

Como terceiro e último exemplo, o falecido deixou R$ 2.000.000,00 em bens, uma esposa e os quatro avós. A esposa receberá metade da herança, ou seja, R$ 1.000.000,00. A outra metade deve ser dividida de forma igualitária entre os avós, recebendo R$ 250.000,00 cada um deles.

Outros problemas práticos podem surgir quanto à multiparentalidade, eis que é preciso saber qual será a quota do cônjuge concorrendo com mais de quatro avós do falecido, agora incluindo os socioafetivos e os biológicos. Assim, por exemplo, o cônjuge pode concorrer com cinco, seis, sete, oito ou mais avós do de cujus. A priori, este autor entende que deve ser preservada a quota do cônjuge, dividindo-se o restante, de forma igualitária, entre todos os avós. Diz-se, a priori, porque a questão ainda terá que ser mais bem refletida por este autor. Reafirme-se, portanto, que a recente decisão do STF alterou as balizas não só do Direito de Família, como do Direito das Sucessões Brasileiro.

De todo modo, também nessa concorrência com os ascendentes, nota-se que o cônjuge está em posição privilegiada, passando a ser um importante personagem do Direito Sucessório brasileiro. Entretanto, não é só, pois, além de ser herdeiro de primeira e segunda classes, há um tratamento do cônjuge como herdeiro de terceira classe, quando sucede isoladamente, sem concorrência. Vejamos tal hipótese, a partir do presente momento.

DA SUCESSÃO DO CÔNJUGE, ISOLADAMENTE. DO CÔNJUGE COMO HERDEIRO

No documento Flávio Tartuce - Vol. 06.pdf (páginas 130-132)

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