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DA AÇÃO DE PETIÇÃO DE HERANÇA

No documento Flávio Tartuce - Vol. 06.pdf (páginas 76-83)

Como inovação festejada, o Código Civil de 2002 trata da ação de petição de herança (petitio hereditatis), que é a demanda que visa a incluir um herdeiro na herança mesmo após a sua divisão. Como define Zeno Veloso, “a ação de petição de herança (petitio hereditatis) é a que utiliza o herdeiro para que se reconheça e torne efetiva esta sua qualidade, e, consequentemente, lhe sejam restituídos, total ou parcialmente, os bens da herança, com os frutos, rendimentos e acessórios. Nesta ação, o réu é a pessoa que não tem título legítimo de herdeiro e, não obstante, possui bens da herança, total ou parcialmente” (Código..., 2012, p. 2.053). Para José de Oliveira Ascensão, “o meio-padrão de tutela do herdeiro continua a ser a petição de herança”, justamente pelo fato de incluir posteriormente o herdeiro que, por alguma razão, não foi incluído na sucessão (Direito..., 2000, p. 473).

A figura era admitida pela jurisprudência brasileira há tempos, tendo o Supremo Tribunal Federal editado, no ano de 1963, a Súmula 149, que ainda será comentada neste tópico. Fez bem a codificação privada de 2002 ao trazer suas regras fundamentais, o que afasta algumas dúvidas que sempre existiram sobre a matéria.

Conforme explicam Jones Figueirêdo Alves e Mário Luiz Delgado, juristas que como Zeno Veloso participaram da última fase do processo de elaboração do atual Código Civil, trata-se de uma ação real, eis que, por força do sempre citado art. 80, II, do CC/2002, o direito à sucessão aberta constitui um imóvel por determinação legal (Código..., 2005, p. 936). Esse é o pensamento da doutrina nacional, sendo certo que Maria Berenice Dias pontua ser a ação real e universal, com base em Clóvis Beviláqua: “eis que o autor não pretende a devolução de coisas destacadas, mas sim do patrimônio hereditário: por inteiro, por se tratar de herdeiro de uma classe mais privilegiada; de quota-parte, por ser herdeiro de mesma classe de quem recebeu a herança” (DIAS, Maria Berenice. Manual..., 2011, p. 592).

Na mesma esteira é o posicionamento jurisprudencial, merecendo colação o seguinte trecho de acórdão do Tribunal Gaúcho, com didática ímpar: “a ação de petição de herança é uma ação de natureza real, para a qual só tem legitimidade ativa aquele que já é herdeiro desde antes do ajuizamento, e através da qual ele pode buscar ver reconhecido seu direito hereditário sobre bem específico que entende deveria integrar o espólio, mas que está em poder de outrem” (TJRS, Apelação Cível 36960- 28.2012.8.21.7000, 8.ª Câmara Cível, Santa Rosa, Rel. Des. Rui Portanova, j. 18.10.2012, DJERS 25.10.2012). Essa natureza real gera a consequência de retomada dos bens que compõem o acervo hereditário, como se verá a seguir.

Por ser uma ação universal, a ação de petição de herança não se confunde com a ação reivindicatória, que visa a um bem específico. Aplicando tal forma de pensar, aresto do Superior Tribunal de Justiça, com a seguinte conclusão: “ocorre turbação à posse de bem imóvel quando coerdeiros reconhecidos em ação de petição de herança molestam a posse anterior de outros herdeiros que exerciam tal direito com base em formal de partilha. Isso porque a ação de petição de herança tem natureza universal, pela qual o autor pretende o reconhecimento de seu direito sucessório, o recebimento da fração correspondente da herança, e não a restituição de bens específicos. Isso é o que a diferencia de uma ação reivindicatória, de natureza singular, que

tem por objeto bens particularmente considerados. Desse modo, é equivocado concluir que, por força da ação de petição de herança, foram transmitidos o domínio e a posse dos bens herdados, quando, em verdade, transferiu-se o direito à propriedade e a posse comum da universalidade e não dos bens singularmente considerados. Por força da procedência da ação de petição de herança, os herdeiros que exerciam a posse anterior ficam obrigados a devolver, no plano jurídico e não fático, os bens do acervo hereditário, que voltam a ser de todos em comunhão até que nova partilha se realize”. Ao final, o julgamento foi assim ementado, merecendo destaque:

“Direito civil. Ação de manutenção de posse de imóvel herdado. Reconhecimento de paternidade post mortem e do direito sucessório da herdeira preterida. Prática de atos de autodefesa da posse. Turbação caracterizada. Artigos analisados: 488, 1.572 e 1.580 do CC/1916. 1. Ação de manutenção de posse, distribuída em 21.01.2005, da qual foi extraído o presente recurso especial, concluso ao Gabinete em 24.09.2012. 2. Discute-se a possibilidade de propositura de interditos possessórios entre compossuidores, no particular, entre coerdeiros, e a ocorrência de turbação à posse do bem herdado. 3. Aberta a sucessão, a transmissão do patrimônio faz-se como um todo unitário (condomínio hereditário), e assim permanece, até a partilha, em situação de indivisibilidade (art. 1.580 do CC/16), a que a lei atribui natureza imóvel (art. 44, III, do CC/16), independentemente dos bens que o compõem. 4. Adquirem os sucessores, em consequência, a composse pro indiviso do acervo hereditário, que confere a cada um deles a legitimidade para, em relação a terceiros, se valer dos interditos possessórios em defesa da herança como um todo, em favor de todos, ainda que titular de apenas uma fração ideal. De igual modo, entre eles, quando um ou alguns compossuidores excluem o outro ou os demais do exercício de sua posse sobre determinada área, admite-se o manejo dos interditos possessórios. 5. Essa imissão ipso jure se dá na posse da universalidade e não de um ou outro bem individuado e, por isso, não confere aos coerdeiros o direito à imediata apreensão material dos bens em si que compõem o acervo, o que só ocorrerá com a partilha. 6. No particular, o reconhecimento do direito sucessório da recorrente não lhe autoriza, automaticamente, agir como em desforço imediato contra os recorridos que, até então, exerciam a posse direta e legítima do imóvel. 7. Recurso especial conhecido em parte, e, nessa parte, desprovido” (STJ, REsp 1244118/SC, 3.ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 22.10.2013, DJe 28.10.2013).

Feitas essas considerações gerais, estabelece o art. 1.824 da codificação privada que pode o herdeiro, em ação de petição de herança, demandar a tutela de seu direito sucessório, para obter a restituição da herança, ou de parte dela, contra quem, na qualidade de herdeiro, ou mesmo sem título, a possua. A situação típica, geralmente vista na prática sucessória, é a de um filho não reconhecido que pretende o seu reconhecimento posterior e inclusão na herança. Nessas hipóteses, a ação de petição de herança é cumulada com uma ação de investigação de paternidade.

Contudo, não é só. Pode também ser citado o caso de um companheiro que foi preterido na partilha, até por não ter conhecimento dela. As seguintes ementas jurisprudenciais trazem casos em que o direito do companheiro foi debatido, merecendo destaque:

“Declaratória. Nulidade de partilha c/c petição de herança. União estável. Companheiro falecido em 1992. Capacidade sucessória definida pela Lei vigente ao tempo da abertura da sucessão. Incidência das regras do Código Civil de 1916. Existência de descendentes a afastar o pedido inicial da autora. Óbito anterior à Lei n.º 8.971/1994. Irretroatividade da citada Lei. Carência da ação, por falta de interesse de agir. Sentença mantida. Recurso não provido” (TJSP, Apelação 994.06.146875-0, Acórdão 4276768, 7.ª Câmara de Direito Privado, São Bernardo do Campo, Rel. Des. Élcio Trujillo, j. 16.12.2009, DJESP 12.02.2010).

“Apelação cível. Ação declaratória. União estável e petição de herança. Direito sucessório. Conflito aparente de normas. Princípio da especialidade. Recurso provido. 1. Uma das consequências do reconhecimento da união estável é a aquisição de direitos pelo companheiro sobrevivente sobre a herança deixada pelo outro. 2. Reconhecida a união estável, existe o direito sucessório. 3. O art. 2.º, § 2.º, da Lei de Introdução ao Código Civil, dispõe que a Lei nova que estabeleça normas gerais ou especiais a par das já existentes não revoga nem modifica a Lei anterior. 4. Em decorrência do princípio da especialidade mencionado, a Lei n.º 8.971, de 1994, que contém normas especiais sobre o direito dos companheiros à sucessão, prevalece sobre o Código Civil, que é Lei geral, ainda que posterior. 5. A companheira sobrevivente, na falta de descendentes e ascendentes, ainda que não tenha contribuído para a aquisição onerosa de bens durante a união estável, tem direito à totalidade da herança. 6. Apelação cível conhecida e provida para reformar em parte a sentença e reconhecer o direito da apelante à totalidade da herança do ex-companheiro” (TJMG, Apelação Cível 1.0209.04.040904-4/0011, 2.ª Câmara Cível, Curvelo, Rel. Des. Caetano Levi Lopes, j. 22.09.2009, DJEMG 07.10.2009).

embrião nascido após o falecimento, inventário e partilha de bens que eram de seu pai. Para não pensar que isso é impossível na prática, basta imaginar que o inventário e a partilha foram feitos extrajudicialmente, por escritura pública, na forma do que passou a possibilitar a Lei 11.441/2007, com agilidade e rapidez; possibilidade confirmada pelo Novo Código de Processo Civil (art. 610).

A ação de petição de herança, ainda que exercida por um só dos herdeiros, poderá compreender todos os bens hereditários (art. 1.825 do CC), porque a herança, antes da partilha, constitui um bem indivisível, por força do outrora estudado art. 1.791 da própria codificação material. A título de ilustração, imagine-se que um filho ingressa com ação de investigação de paternidade cumulada com petição de herança em face de ascendentes do falecido, que receberam todos os bens de seu pai. Como o filho tem prioridade sucessória em relação a tais ascendentes, conforme a ordem que está descrita no art. 1.829 do CC/2002, todos os bens lhe serão atribuídos.

Como ensina Maria Helena Diniz, a citada demanda gera a devolução sucessória dos bens e todos os seus acessórios, podendo privilegiar outros herdeiros da mesma classe que não participaram da ação, caso de uma irmã daquele que promoveu a medida (Código..., 2010, p. 1.293). Como bem se posicionou a jurisprudência bandeirante, não há obrigatoriedade de inclusão desses outros supostos herdeiros na ação, cabendo o aproveitamento dos atos em posterior momento. Vejamos a ementa:

“Sucessão. Petição de herança determinação para que outros herdeiros, irmãos do autor, fossem incluídos no polo ativo da demanda. Inexigibilidade. Ausência de disposição legal, facultando a Lei Civil ao herdeiro interessado demandar para ver reconhecido o seu direito sucessório Inteligência do art. 1825 do CC/2002. Recurso provido” (TJSP, Agravo de Instrumento n. 614.193.4/6, Acórdão 3381157, 7.ª Câmara de Direito Privado, Mirante do Paranapanema, Rel. Des. Álvaro Augusto dos Passos, j. 03.12.2008, DJESP 14.01.2009).

Mais do que isso, conforme aresto do Superior Tribunal de Justiça, publicado no seu Informativo n. 578, de 2016, a viúva meeira que não ostente a condição de herdeira é parte ilegítima para figurar no polo passivo de ação de petição de herança, na qual não tenha sido questionada a meação. Tal afirmação vale ainda que os bens integrantes de sua fração se encontrem em condomínio pro indiviso com os bens pertencentes ao quinhão hereditário.

Conforme explica a Ministra Relatora, “isso porque eventual procedência da ação de petição de herança em nada refletirá na esfera de direitos da viúva meeira, tendo em vista que não será possível subtrair nenhuma fração de sua meação, que permanecerá invariável, motivo pela qual não deve ser qualificada como litisconsorte passiva necessária (REsp 331.781/MG, Terceira Turma, DJ 19/4/2004). Deve-se ressaltar, ainda, a natureza universal da ação de petição de herança, na qual, segundo esclarece entendimento doutrinário, não ocorre a devolução de coisas destacadas, mas do patrimônio hereditário: por inteiro, caso o autor seja herdeiro de uma classe mais privilegiada; ou de quota-parte, caso seja herdeiro de mesma classe de quem recebeu a herança (REsp 1.244.118/SC, Terceira Turma, DJe 28/10/2013). Desse modo, o autor terá o reconhecimento de seu direito sucessório e o recebimento de sua quota-parte, e não de bens singularmente considerados, motivo pelo qual não haverá alteração na situação fática dos bens, que permanecerão em condomínio pro indiviso. Assim, caso não se questione a fração atribuída à meeira, eventual procedência do pedido em nada a alterará. Ressalte-se que diversa seria a situação se os bens houvessem sido repartidos entre meeira e herdeiros de forma desigual, e o autor da ação se insurgisse contra a avaliação e especificação dos bens atribuídos à meeira, alegando prejuízo à metade destinada aos herdeiros” (STJ, REsp 1.500.756/GO, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, j. 23.02.2016, DJe 02.03.2016).

Em havendo a citada devolução sucessória, com a procedência final da ação de petição de herança, o possuidor da herança está obrigado à restituição dos bens do acervo, sendo fixada a sua responsabilidade segundo a sua posse, se de boa ou má-fé (art. 1.826, caput, do CC).

Em complemento, a partir da citação na ação de petição de herança, a responsabilidade do herdeiro possuidor será aferida de acordo com as regras concernentes à posse de má-fé e à mora (art. 1.826, parágrafo único, do CC). Resumindo, após o ato processual, a boa-fé do possuidor fica afastada pelo fato de ter ciência da demanda proposta.

No presente momento cabe lembrar as regras relativas ao possuidor de boa e má-fé, tratada pelo Direito das Coisas. A boa- fé mencionada, em regra, é a subjetiva, retirada do art. 1.201 da própria codificação, segundo o qual é possuidor de boa-fé aquele que ignora obstáculo para a aquisição do domínio, ou tem um justo título. Projetando esse conceito para a sucessão, se o herdeiro que recebeu os bens tinha ou pudesse ter conhecimento do potencial direito daquele que foi incluído, e mesmo assim toma medidas para excluí-lo da sucessão ou processa o inventário, deve ser reputado possuidor de má-fé. Aplicando exatamente tais premissas, vejamos julgado do Tribunal Fluminense:

“Petição de herança. Reconhecimento de herdeira necessária. Retificação da partilha. Restituição dos frutos. Responsabilidade pelos prejuízos a partir da citação. O herdeiro excluído da sucessão pode demandar o reconhecimento do

seu direito sucessório e obter em juízo a sua parte na herança, consoante art. 1.824 do Código Civil. Os herdeiros que exercem com exclusividade a posse dos bens do monte, excluindo herdeiro necessário, cuja existência é do seu conhecimento, agem de má-fé e respondem pelos prejuízos a partir da citação nesta ação, consoante o art. 1.826, parágrafo único, do Código Civil. Provimento do recurso” (TJRJ, Apelação 2009.001.07769, 7.ª Câmara Cível, Rel. Des. Ricardo Couto, j. 24.03.2009, DORJ 05.06.2009, p. 148).

Caso contrário, não sabendo sequer da existência do herdeiro preterido, corre contra o possuidor da herança a presunção de boa-fé. Cite-se o caso comum, dos irmãos que não sabiam da existência do autor da ação de petição de herança. No presente momento, para que a matéria fique bem clara, cabe relembrar tais efeitos jurídicos relativos à posse e que estão tratados no Volume 4 desta coleção.

De início, existem decorrências quanto aos frutos, que são bens acessórios que saem do principal sem diminuir a sua quantidade. Em termos gerais, prevê o art. 95 do CC/2002 que, apesar de ainda não separados do bem principal, os frutos e produtos podem ser objeto de negócio jurídico. Reafirme-se que os frutos não se confundem com os produtos, pois, enquanto os frutos não geram a diminuição do principal, isso não ocorre com os produtos.

Estatui o art. 1.214 do Código Civil que “o possuidor de boa-fé tem direito, enquanto ela durar, aos frutos percebidos”. Complementando, dispõe o parágrafo único desse comando legal que os frutos pendentes ao tempo em que cessar a boa-fé devem ser restituídos, depois de deduzidas as despesas da produção e custeio. Devem ser também restituídos os frutos colhidos com antecipação. Ilustrando, se um herdeiro de boa-fé está com a posse de um imóvel e, no fundo deste, há uma mangueira, os frutos pendentes ao final da ação devem ser devolvidos. Os anteriores, que foram colhidos e consumidos, não.

Não se pode esquecer a norma do art. 1.215 do CC/2002, segundo a qual os frutos naturais e industriais reputam-se colhidos e percebidos logo que são separados. Já os frutos civis consideram-se percebidos dia por dia. Nesse contexto, a manga da mangueira é tida como colhida quando separada da mangueira; os juros de capital são percebidos nos exatos vencimentos dos rendimentos, como é comum em cadernetas de poupança.

No que concerne ao possuidor de má-fé, nos termos do art. 1.216 do CC, ele responde por todos os frutos colhidos e percebidos, bem como pelos que, por culpa sua, deixou de perceber, desde o momento em que se constituiu de má-fé. Todavia, esse possuidor tem direito às despesas de produção e de custeio. Como exemplo, se um herdeiro que sabe da situação do autor da ação e toma medidas para afastá-lo da sucessão, colhe as mangas da mangueira de um imóvel que está sob sua posse, deverá indenizálas, mas será ressarcido pelas despesas realizadas com a colheita. Por outra via, se as mangas deixaram de ser colhidas e, em razão disso, vierem a apodrecer, o herdeiro-possuidor também será responsabilizado.

Surge questão controvertida relativa à aplicação desses efeitos para os produtos, debate que igualmente serve para o campo sucessório. Orlando Gomes responde negativamente, pois quanto aos produtos há um dever de restituição mesmo quanto ao possuidor de boa-fé. Ademais, se a restituição tornou-se impossível, o possuidor deverá indenizar a outra parte por perdas e danos e, “por motivo de equidade, a indenização deve corresponder ao proveito real que o possuidor obteve com a alienação dos produtos da coisa” (GOMES, Orlando. Direitos..., 2004, p. 82).

O jurista tem razão, uma vez que os produtos, quando retirados, desfalcam a substância do principal. Diante dessa constatação, a aplicação do regime dos frutos para os produtos poderia gerar uma perda substancial da coisa possuída, o que não pode ser admitido. Em suma, os problemas envolvendo os produtos devem ser resolvidos com as regras que vedam o enriquecimento sem causa, também no plano da sucessão e da ação de petição de herança (arts. 884 a 886 do CC).

Partindo para a relação entre posse e benfeitorias, relembre-se que estas são bens acessórios introduzidos em um bem móvel ou imóvel, visando a sua conservação ou melhora da sua utilidade. Dessa forma, enquanto os frutos e produtos decorrem do bem principal, as benfeitorias são nele introduzidas, como acréscimos e melhoramentos. Nos termos do art. 96 do CC/2002, as benfeitorias podem ser necessárias (as essenciais, pois visam à conservação da coisa principal), úteis (que aumentam ou facilitam o uso da coisa principal) e voluptuárias (de mero luxo ou deleite, pois facilitam a utilidade da coisa principal).

Complemente-se que as benfeitorias não se confundem com as acessões que, nos termos do art. 97 do CC/2002, são as incorporações introduzidas em outro bem, imóvel, sem a intervenção do proprietário, possuidor e detentor. Como intervenção pode-se entender a transmissão do bem, por meio de contrato ou outro negócio jurídico.

No que toca à interação entre a posse e as benfeitorias, enuncia o art. 1.219 do Código Civil que o possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, a levantá- las, quando puder fazê-lo sem detrimento da coisa. Além disso, poderá exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis. Partindo as cabíveis concreções, o sucessor, que é possuidor de boa-fé, terá direito de indenização pela reforma do telhado (benfeitoria necessária) e pela grade da janela (benfeitoria útil), que introduziu no imóvel que está sob o seu domínio.

Se não for reparado pelas despesas, terá ainda o direito de reter o bem – ius retentionis –, até que receba o que lhe é devido. No entanto, esse mesmo sucessor não terá direito de ser indenizado pela churrasqueira ou pela piscina que construiu no imóvel, eis que ambas são benfeitorias voluptuárias, de mero luxo, recreio ou deleite.

Ainda em relação ao possuidor de boa-fé, na I Jornada de Direito Civil, foi aprovado o Enunciado n. 81 do CJF/STJ, determinando que o direito de retenção previsto no art. 1.219 do CC, decorrente da realização de benfeitorias necessárias e úteis, também se aplica às acessões (plantações e construções) nas mesmas circunstâncias. Sendo assim, mesmo com a diferenciação antes apontada, entre os conceitos de benfeitorias e acessões, aqui, os efeitos jurídicos são os mesmos, o que tem incidência no caso do sucessor réu da ação de petição de herança.

O enunciado doutrinário aprovado, na verdade, apenas confirma parte do entendimento jurisprudencial consolidado, inclusive quanto ao direito de indenização das acessões (nesse sentido, ver, por todos: TJSP, Apelação Cível 287.115-5/8, 7.ª Câmara de Direito Público, Presidente Venceslau, Rel. Torres de Carvalho, j. 07.03.2005, v.u.; e TJSP, Apelação Cível 354.847-4/7-00, 3.ª Câmara de Direito Privado, São José dos Campos, Rel. Beretta da Silveira, j. 18.04.2006, v.u.).

No documento Flávio Tartuce - Vol. 06.pdf (páginas 76-83)

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