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DA HERANÇA JACENTE E DA HERANÇA VACANTE

No documento Flávio Tartuce - Vol. 06.pdf (páginas 46-50)

Como ficou claro pela leitura desta obra até o presente momento, o objetivo do Direito das Sucessões é destinar os bens do falecido aos seus herdeiros, cumprindo a matéria a sua vocação social. Como se retira da obra de Itabaiana de Oliveira, a matéria em estudo procurou, no passar dos tempos, dar primazia à família. De acordo com suas palavras, “finalmente, aceita, de modo incontroverso, a coesão de dois fatores primordiais da existência social – a propriedade e a família – bem como a combinação harmônica dos três elementos subjetivos do direito de propriedade – o individual, o familial e o social – é claro que só uma solução era facultada ao direito: consignar, entre os modos de aquisição e de transmissão do domínio, a sucessão e fazer do herdeiro o representante do de cujus” (Tratado..., 1952, v. I, p. 51).

Entretanto, pode ocorrer de o de cujus não ter deixado herdeiros, enunciando o art. 1.844 do CC/2002 que, não sobrevivendo cônjuge, ou companheiro, nem parente algum sucessível, ou tendo eles renunciado à herança, esta é devolvida ao Município ou ao Distrito Federal, se localizada nas respectivas circunscrições, ou à União, quando situada em território federal. De toda sorte, como não há, na atualidade, território federal no Brasil, a última previsão tornou-se sem subsunção na realidade nacional.

Com relevância histórica para tal destinação, anote-se que foi a Lei 8.049, de 20.06.1990, que instituiu o Município e Distrito Federal como destinatários dos bens vagos, em detrimento dos Estados, que constavam como sucessores na ordem de vocação hereditária original do art. 1.603 do Código Civil de 1916. Diante dessa alteração legislativa, forçoso concluir que foi revogada tacitamente a disposição do art. 1.143 do Código de Processo Civil de 1973, que determinava que a herança vacante seria incorporada ao domínio da União, dos Estados ou do Distrito Federal.

Também é pertinente expor que, no Estado de São Paulo, antes da vigência da Lei 8.049/1990, os bens aqui situados eram entregues apenas à Universidade de São Paulo, por força do Decreto 27.219-A, de 1957. A partir de 1985, pelo teor do Decreto estadual 23.296, de 1.º.03.1985, os bens passaram a ser destinados à Universidade de São Paulo (USP), à Universidade Estadual Paulista (UNESP) ou à Universidade de Campinas (UNICAMP), de acordo com as suas áreas de influências. Com a modificação legislativa de 1990, ocorreu a revogação desses decretos estaduais e os bens passaram a pertencer ao Município, como regra.

Feitas tais explanações, cabe reafirmar, como se retira das lições de Itabaiana de Oliveira, que a família tem a primazia no destino da herança, sendo os bens atribuídos ao Estado – em sentido genérico –, somente se o falecido não deixar ninguém que mereça a natural transmissão da herança. Ao comentar a ordem de vocação hereditária na codificação anterior, pontuava o doutrinador que “esta ordem se distingue pela sua simplicidade e corresponde, com a possível exatidão, ao conceito de família, e, substituindo a este sentimento, há o da pátria, que se reflete no direito hereditário com a sucessão do Fisco” (ITABAIANA DE OLIVEIRA, Artur Vasco. Tratado..., 1952, v. 1, p. 51). Resumindo, conforme o clássico jurista por último citado: primeiro a família, depois a Pátria!

Antes do destino final de tais bens vagos, que são devolvidos ao Estado – em sentido genérico –, a lei consagra uma série de procedimentos, surgindo os conceitos de herança jacente e vacante que, do mesmo modo, constituem conjuntos de bens a formar um ente despersonalizado, e não uma pessoa jurídica.

Ao final de todo o processo, o Município, o Distrito Federal ou a União não é herdeiro, mas um sucessor irregular, não estando sujeito ao direito de saisine, como esclarece a doutrina nacional (por todos: DINIZ, Maria Helena. Código..., 2010, p. 1.305; e VENOSA, Sílvio de Salvo. Código..., 2010, p. 1.669). Não é diferente a conclusão da jurisprudência, cabendo a colação da seguinte decisão, do Superior Tribunal de Justiça:

ente público. Inaplicabilidade. Momento da vacância que não se confunde com o da abertura da sucessão ou da morte do de cujus. Declaração de vacância após a vigência da Lei 8.049/1990. Legitimidade para suceder do Município. Recurso improvido. 1. O agravante não trouxe qualquer subsídio capaz de afastar os fundamentos da decisão agravada. 2. Não se aplica o princípio da saisine ao ente público para a sucessão do bem jacente, pois o momento da vacância não se confunde com o da abertura da sucessão ou da morte do de cujus. 3. O Município é o sucessor dos bens jacentes, pois a declaração judicial da vacância ocorreu após a vigência da Lei 8.049/1990. 4. Agravo regimental improvido” (STJ, AgRg no REsp 1.099.256/RJ, 3.ª Turma, Rel. Min. Massami Uyeda, j. 17.03.2009, DJe 27.03.2009).

Partindo para o estudo dos procedimentos materiais e processuais, em especial tendo em vista os principais impactos do Novo CPC, antes do destino dos bens ao Município, ao Distrito Federal ou a União, preceitua o art. 1.819 do Código Civil que, falecendo alguém sem deixar testamento nem herdeiro legítimo notoriamente conhecido, os bens da herança, depois de arrecadados, ficarão sob a guarda e administração de um curador, até a sua entrega ao sucessor devidamente habilitado ou à declaração de sua vacância. Trata-se da perpetuação da herança jacente, que tem clara feição provisória, pois objetiva ao final a vacância da herança.

A jacência não representa, necessariamente, que o bem será destinado ao Município, ao Distrito Federal ou a União, sendo possível o aparecimento de um herdeiro nessa fase, afastando a devolução ao Estado em sentido genérico. Nessa esteira, vejamos trecho de acórdão muito elucidativo do Superior Tribunal de Justiça: “a jacência, ao reverso do que pretende demonstrar o recorrente, pressupõe a incerteza de herdeiros, não percorrendo, necessariamente, o caminho rumo à vacância, tendo em vista que, após publicados os editais de convocação, podem eventuais herdeiros se apresentar, dando-se início ao inventário, nos termos dos arts. 1.819 a 1.823 do Código Civil” (STJ, REsp 445.653/RS, 4.ª Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 15.10.2009, DJE 26.10.2009).

Enunciava o art. 1.142 do CPC/1973 que, nos casos em que a lei civil considerasse jacente a herança, o juiz, em cuja Comarca tivesse domicílio o falecido, procederia sem perda de tempo à arrecadação de todos os seus bens. O art. 738 do CPC/2015 praticamente reproduziu a regra, fazendo apenas uma pequena substituição de termo no seu trecho final. Assim, de acordo com o novel comando, “Nos casos em que a lei considere jacente a herança, o juiz em cuja comarca tiver domicílio o falecido procederá imediatamente à arrecadação dos respectivos bens”.

A herança jacente ficará sob a guarda, a conservação e a administração de um curador até a respectiva entrega ao sucessor legalmente habilitado, ou até a declaração de vacância (art. 739 do CPC/2015, correspondente ao art. 1.143 do CPC/1973). Pontue-se que foi retirada apenas a menção à incorporação ao domínio da União, Estado ou Distrito Federal, o que nem sempre pode ocorrer. Na esteira da jurisprudência, não se aplicaria a norma relativa ao administrador provisório, pela existência de preceitos próprios relacionados ao curador (nesse sentido: STJ, AgRg no Ag 475.911/SP, 3.ª Turma, Rel. Min. Ari Pargendler, j. 16.10.2003, DJ 19.12.2003, p. 454). Essa posição deve ser mantida com a emergência do Novo CPC.

Ainda conforme o art. 739, § 1.º, do CPC/2015, incumbe a esse curador: a) representar a herança em juízo ou fora dele, com a intervenção do órgão do Ministério Público; b) ter em boa guarda e conservação os bens arrecadados e promover a arrecadação de outros porventura existentes; c) executar as medidas conservatórias dos direitos da herança; d) apresentar mensalmente ao juiz um balancete da receita e da despesa; e) prestar contas ao final de sua gestão. O comando é repetição do antigo art. 1.144 do CPC/1973. A respeito do último dever, vinha-se reconhecendo amplamente a legitimidade passiva do próprio curador em ação de prestação de contas proposta pelo interessado na herança, caso do Município, o que também deve ser mantido sob a égide do Novo CPC (TJSP, Apelação com Revisão 391.149.4/2, Acórdão 3515555, 8.ª Câmara de Direito Privado, São Paulo, Rel. Des. Ribeiro da Silva, j. 11.03.2009, DJESP 07.05.2009).

Previa o art. 1.145, caput, do CPC/1973 que, comparecendo à residência do morto, acompanhado do escrivão do curador, o juiz mandaria arrolar os bens e descrevê-los em auto circunstanciado. Não estando ainda nomeado o curador, o juiz designaria um depositário e lhe entregaria os bens, mediante simples termo nos autos, depois de compromissado (§ 1.º). O órgão do Ministério Público e o representante da Fazenda Pública seriam intimados a assistir à arrecadação, que se realizaria, porém, estivessem estes presentes ou não (§ 2.º).

Em tal diligência, o juiz examinaria reservadamente os papéis, as cartas missivas e os livros domésticos. Verificando que não apresentassem interesse, mandaria empacotá-los e lacrá-los para serem assim entregues aos sucessores do falecido, ou queimados quando os bens fossem declarados vacantes (art. 1.147 do CPC/1973). Não podendo comparecer imediatamente, por motivo justo ou por estarem os bens em lugar muito distante, o juiz requisitaria à autoridade policial que procedesse à arrecadação e ao arrolamento dos bens (art. 1.148 do CPC/1973).

Se constatasse o juiz a existência de bens em outra Comarca, mandaria ele expedir carta precatória a fim de serem arrecadados (art. 1.149 do CPC/1973). Durante a arrecadação dos bens, o juiz inquiriria os moradores da casa e da vizinhança sobre a qualificação do falecido, o paradeiro de seus sucessores e a existência de outros bens, lavrando-se de tudo um auto de

inquirição e informação (art. 1.150 do CPC/1973).

Todos esses procedimentos foram alterados pelo Novo Código de Processo Civil, com o intuito de facilitação, estando unificados em um único dispositivo, o seu art. 740. Desse modo, conforme o seu caput, o juiz ordenará que o oficial de justiça, acompanhado do escrivão ou do chefe de secretaria e do curador, arrole os bens e descreva-os em auto circunstanciado. Em suma, não ocorrerá mais o seu comparecimento pessoal que, apesar de estar previsto expressamente na legislação instrumental anterior, não se concretizava muitas vezes na prática.

Eventualmente, não podendo comparecer ao local por meio de seus prepostos indicados, o juiz requisitará à autoridade policial que proceda à arrecadação e ao arrolamento dos bens, com duas testemunhas, que assistirão às diligências (art. 740, § 1.º, do CPC/2015). Diante do antigo art. 1.148 do CPC/1973, seu correspondente, não há mais menção ao motivo justo e ao fato de estarem os bens em lugar muito distante. O não comparecimento merece agora uma análise casuística, pelo tom mais genérico do comando, o que até pode englobar essas hipóteses anteriores.

Seguindo, conforme o § 2.º do art. 740 do CPC/2015, não estando ainda nomeado o curador, o juiz designará depositário e lhe entregará os bens, mediante simples termo nos autos, depois de compromissado. Aqui não houve qualquer alteração substancial perante o § 1.º do art. 1.145 do CPC/1973, não se menciona mais, porém, a intimação do órgão do Ministério Público e do representante da Fazenda Pública para assistir à arrecadação, o que foi considerado desnecessário pelo legislador. Em suma, o antigo § 2.º do art. 1.145 do CPC/1973 não foi reproduzido pelo Novo CPC, tendo sido retirada a regra do sistema jurídico.

Durante a arrecadação, o juiz ou a autoridade policial inquirirá os moradores da casa e da vizinhança sobre a qualificação do falecido, o paradeiro de seus sucessores e a existência de outros bens, lavrando-se de tudo auto de inquirição e informação (art. 740, § 3.º, do CPC/2015). Aqui a novidade, perante o antigo art. 1.150 do CPC/1973, é apenas a menção à autoridade policial, com os fins de tornar mais efetivo e fácil o procedimento.

O juiz examinará reservadamente os papéis, as cartas missivas e os livros domésticos. Verificando que não apresentam interesse, mandará empacotá-los e lacrá-los para serem assim entregues aos sucessores do falecido, ou queimados quando os bens forem declarados vacantes (art. 740, § 4.º, do CPC/2015). Mais uma vez, trata-se de reprodução integral do art. 1.147 do Estatuto Processual anterior.

O mesmo deve ser dito quanto ao art. 740, § 5.º, do CPC/2015, correspondente ao art. 1.149 do CPC/1973, in verbis: “se constar ao juiz a existência de bens em outra comarca, mandará expedir carta precatória a fim de serem arrecadados”.

Por derradeiro, o § 6.º do art. 740 estatui que não se fará a arrecadação, ou esta será suspensa, quando, iniciada, apresentarem-se para reclamar os bens o cônjuge ou companheiro, o herdeiro ou o testamenteiro notoriamente reconhecido e não houver oposição motivada do curador, de qualquer interessado, do Ministério Público ou do representante da Fazenda Pública. Em face do art. 1.151 do CPC/1973, a novidade é a inclusão expressa do companheiro, sendo certo que o Novo CPC trouxe a equalização da união estável ao casamento em vários de seus artigos, o que veio em boa hora.

Ato contínuo, praticadas as diligências de arrecadação e ultimado o inventário, serão expedidos editais na forma da lei processual. Nos termos do art. 1.152, caput, do CPC/1976 os editais seriam estampados três vezes, com intervalo de 30 dias para cada um, no órgão oficial e na imprensa da comarca, para que viessem a habilitar-se os sucessores do finado no prazo de seis meses contados da primeira publicação. Verificada a existência de sucessor ou testamenteiro em lugar certo, far-se-ia a sua citação, sem prejuízo do edital (art. 1.152, § 1.º, do CPC). Quando o finado fosse estrangeiro, seria também comunicado o fato à autoridade consular (art. 1.152, § 2.º, do CPC).

O art. 741 do CPC/2015, correspondente ao último preceito, traz algumas inovações. De início, conforme o seu caput, “Ultimada a arrecadação, o juiz mandará expedir edital, que será publicado na rede mundial de computadores, no sítio do tribunal a que estiver vinculado o juízo e na plataforma de editais do Conselho Nacional de Justiça, onde permanecerá por 3 (três) meses, ou, não havendo sítio, no órgão oficial e na imprensa da comarca, por 3 (três) vezes com intervalos de 1 (um) mês, para que os sucessores do falecido venham a habilitar-se no prazo de 6 (seis) meses contado da primeira publicação”. A publicação na internet constitui a principal novidade da regra, na linha de outros dispositivos do próprio Novo Código de Processo Civil, que visam à facilitação dos procedimentos.

Se verificada a existência de sucessor ou de testamenteiro em lugar certo, far-se-á a sua citação, sem prejuízo do edital, o que não representa qualquer alteração (art. 741, § 1.º, do CPC/2015). Igualmente na linha do seu antecessor, estabelece o Estatuto Processual emergente que, quando o falecido for estrangeiro, será também comunicado o fato à autoridade consular (art. 741, § 2.º, do CPC/2015).

Sendo julgada a habilitação do herdeiro, reconhecida a qualidade do testamenteiro ou provada a identidade do cônjuge ou companheiro, a arrecadação converter-se-á em inventário. É o que enuncia o art. 741, § 3.º, do CPC/2015, trazendo a novidade de inclusão do companheiro, que não constava no equivalente art. 1.153 do CPC/1973.

Além disso, continua a estar previsto – conforme o art. 1.154 do CPC/1973 – que os credores da herança poderão habilitar- se como nos inventários ou propor a ação de cobrança (art. 741, § 4.º, do CPC/2015).

Decorrido um ano de sua primeira publicação, sem que haja herdeiro habilitado ou pendente a habilitação, será a herança declarada vacante, o que tem caráter definitivo para a destinação dos bens (arts. 743 do CPC/2015, 1.157 do CPC/1973 e 1.820 do CC/2002).

Vale citar a definição de Sebastião Amorim, para quem “considera-se vacante a herança, quando, realizadas todas as diligências, inclusive com a publicação de editais, e passado um ano, não surgirem pessoas sucessíveis, deferindo-se os bens arrecadados ao ente público designado na lei” (Heranças..., In: ALVES, Jones Figueirêdo; DELGADO, Mário Luiz. Questões..., 2005, v. 2, p. 361).

Transitada em julgado a sentença que declarou a vacância, o cônjuge, o companheiro os herdeiros e os credores só poderão reclamar o seu direito por ação direta (art. 743, § 2.º, do CPC/2015, que corresponde ao art. 1.158 do CPC/1973; com a inovação de inclusão do companheiro).

Não se olvide que “é entendimento consolidado neste Superior Tribunal de Justiça que os bens jacentes são transferidos ao ente público no momento da declaração da vacância, não se aplicando, desta forma, o princípio da saisine” (STJ, AgRg no Ag 851.228/RJ, 3.ª Turma, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. 23.09.2008, DJe 13.10.2008).

Com a declaração de vacância, cessa a curatela exercida em relação à herança jacente, sendo desnecessária eventual substituição de curador anteriormente nomeado. A título de ilustração, com tal dedução, vejamos julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo:

“Sucessão hereditária. Declaração de vacância da herança, nos termos do art. 1.157, CPC c/c art. 1.820 do CC/02. Substituição de antiga curadora da herança jacente por novo curador, que se mostra desnecessária, tendo em vista que com a declaração de vacância cessa o exercício da curatela dos bens deixados pelo de cujus. Herança vacante que passa ao domínio do Poder Público, submetendo-se à sua guarda e administração. Discussão sobre qual o destinatário dos bens que compõem a herança vacante, se beneficiado seria o Município ou o Estado. Conflito de Leis no tempo. Disposição original, no Código Civil de 1916, no sentido de que os bens vacantes passariam ao domínio dos Estados, Distrito Federal ou União. Superveniência da Lei n. 8.040/90, que estabeleceu como beneficiados da herança vacante o Município ou o Distrito Federal. Discussão sobre a legislação aplicável, se a vigente à época da abertura da sucessão ou a vigente ao tempo da declaração de vacância dos bens. Jurisprudência consolidada do STJ. Princípio da saisine que não é aplicável aos entes públicos, que adquirem o domínio dos bens jacentes apenas com a declaração de vacância, cinco anos após a abertura da sucessão. Irrelevante que o falecimento tenha ocorrido na vigência da legislação anterior, se a transferência dos bens à Fazenda Pública ocorre apenas com a declaração de vacância, sendo, portanto, alcançada pela nova Lei então vigente. Herança vacante transferida à Municipalidade de São Paulo, nos termos do art. 1.822, CC/2002. Recurso provido em parte, apenas para tornar sem efeito a nomeação de novo curador da herança” (TJSP, Apelação Cível 578.155.4/2, Acórdão 3710899, 4.ª Câmara de Direito Privado, São Paulo, Rel. Des. Francisco Loureiro, j. 18.06.2009, DJESP 17.07.2009).

Ademais, a jurisprudência deduz que antes da declaração de vacância é possível a discussão referente à usucapião dos bens supostamente vagos. Para ilustrar, do Superior Tribunal de Justiça:

“Civil. Usucapião. Herança jacente. O Estado não adquire a propriedade dos bens que integram a herança jacente, até que seja declarada a vacância, de modo que, nesse interregno, estão sujeitos à usucapião. Recurso especial não conhecido” (STJ, REsp 36.959/SP, 3.ª Turma, Rel. Min. Ari Pargendler, j. 24.04.2001, DJ 11.06.2001, p. 196).

“Usucapião. Herança jacente. O bem integrante de herança jacente só é devolvido ao Estado com a sentença de declaração da vacância, podendo, até ali, ser possuído ad usucapionem. Precedentes. Recursos não conhecidos” (STJ, REsp 253.719/RJ, 4.ª Turma, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 26.09.2000, DJ 27.11.2000, p. 169).

As decisões são elogiáveis, pois o Estado brasileiro, infelizmente, não tem dado a devida destinação social aos bens que recebe por vacância. Nessa realidade, se surgiu um particular que tenha efetivo interesse pela propriedade, melhor que para ele seja destinado pois, em geral, o bem terá a destinação social que se espera. Também por isso, conforme defendido no Volume 4 desta coleção, é o momento de retomarmos o debate de usucapião de bens públicos dominicais, mitigando a proibição constante dos arts. 183, § 3.º, e 191, parágrafo único, da Constituição Federal de 1988.

Voltando aos procedimentos, sendo declarada a vacância definitiva, é assegurado aos credores o direito de pedir o pagamento das dívidas reconhecidas, nos limites das forças da herança ou intra vires hereditatis (art. 1.821 do CC). Ademais, a

1.12

declaração de vacância da herança não prejudica os herdeiros que legalmente se habilitarem.

Decorridos cinco anos da abertura da sucessão, os bens arrecadados passarão ao domínio definitivo do Município ou do Distrito Federal, se localizados nas respectivas circunscrições, incorporando-se ao domínio da União quando situados em território federal (art. 1.822, caput, do CC). Não se habilitando até a declaração de vacância, os colaterais ficarão excluídos da sucessão (art. 1.822, parágrafo único, do CC). Nota-se que com a declaração da vacância o Estado tem apenas a propriedade resolúvel dos bens, aquela que depende de condição ou termo. A propriedade passa a ser definitiva apenas cinco anos após a abertura da sucessão, não havendo a habilitação de qualquer herdeiro.

Quando todos os chamados a suceder renunciarem à herança, será esta desde logo declarada vacante (art. 1.823 do CC). A renúncia da herança ainda será estudada, oportunidade em que o sentido da norma será mais bem compreendido.

Por fim, para encerrar o estudo da herança jacente e da herança vacante, é interessante reproduzir o quadro montado por Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, com a demonstração de todos os prazos (termos iniciais e finais) relativos aos seus procedimentos (Comentários..., 2007, v. 20, p. 190). De qualquer modo, deve ser esclarecido que, para a Professora Titular da USP, quatro seriam as publicações de editais, e não três, como constam expressamente da lei. Apesar de tal posição ser minoritária, o quadro é bem elucidativo, servindo como um resumo da matéria.

Fenômeno Dies a quo (termo inicial) Dies ad quem (termo final)

Jacência Abertura da sucessão sem herdeiros

conhecidos

Aparecimento de herdeiro, habilitação procedente de herdeiro ou declaração de vacância

Prazo para publicação do

primeiro edital Término da arrecadação e do inventário Não há

Prazo para publicação do

segundo edital Publicação do primeiro edital 30 dias

Prazo para publicação do

terceiro edital Publicação do segundo edital 30 dias

No documento Flávio Tartuce - Vol. 06.pdf (páginas 46-50)

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