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CONCORRÊNCIA O POLÊMICO ART 1.830 DO CÓDIGO CIVIL A HERANÇA DO CÔNJUGE E O CASAMENTO PUTATIVO

No documento Flávio Tartuce - Vol. 06.pdf (páginas 133-137)

Estatui o polêmico art. 1.830 do Código Civil, mais um comando que gera muitos debates na doutrina nacional, quais as condições fáticas em que deve estar o cônjuge para que seja reconhecido como herdeiro, isoladamente na terceira classe ou em concorrência com os descendentes – na primeira classe – e com os ascendentes – na segunda classe. Eis a sua redação, que merece atenção destacada:

“Art. 1.830. Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente”.

Resumidamente, consagra-se a premissa de que o cônjuge sobrevivente somente terá direitos sucessórios se mantiver efetivamente e no plano real a comunhão plena de vida que justifica o tratamento sucessório. Frise-se, novamente, que o preceito subsume-se aos casamentos homoafetivos, como sempre deve ser.

De acordo com a primeira parte do dispositivo, se o cônjuge sobrevivente estiver separado judicialmente ao tempo da morte do outro, não terá seu direito sucessório reconhecido. No entanto, há aqui um problema, pelo fato de o preceito não mencionar a separação extrajudicial, efetivada por escritura pública no Tabelionato de Notas, incluída no sistema por força da Lei 11.441/2007, tratada pelo art. 1.124-A do CPC/1973 e confirmada pelo art. 733 do CPC/2015. Em suma, para os devidos fins de atualização do dispositivo material, deve ser incluída, em tese, essa forma de separação desjudicializada ou administrativa.

Não há menção ao divórcio por razões óbvias, uma vez que dissolvidos o casamento e o vínculo matrimonial não há que falar em direito sucessório do ex-cônjuge que, com o falecido, não mantém mais qualquer vínculo familiar.

Em complemento, deve-se atentar ao fato de que este autor segue a corrente que sustenta que a Emenda Constitucional 66/2010, conhecida como Emenda do Divórcio, retirou do sistema a separação de direito – a incluir a separação judicial e a extrajudicial –, restando apenas o divórcio como forma de extinção do casamento. Isso porque não há mais a menção à separação judicial como requisito anterior para a conversão ao divórcio na atual redação do art. 226, § 6.º, da Constituição Federal. Essa posição é confirmada mesmo tendo o Novo CPC, infelizmente, tratado da separação de direito em vários de seus dispositivos, o que é um profundo e lamentável retrocesso.

O tema está aprofundado no Volume 5 desta coleção, no seu Capítulo 4, com as devidas justificativas teóricas e práticas para tal forma de pensar. Por esse caminho, a primeira parte do comando somente se aplica às pessoas separadas judicialmente (ou extrajudicialmente) quando da entrada em vigor da Emenda Constitucional, perdendo em parte considerável a sua subsunção social.

Seguindo no estudo do polêmico dispositivo, a segunda parte do art. 1.830 do CC/2002 preconiza que o cônjuge separado de fato há mais de dois anos também não tem reconhecido o seu direito sucessório, salvo se provar que o fim do casamento não se deu por culpa sua, mas sim por culpa do falecido. A menção à culpa é amplamente criticada pelos doutrinadores brasileiros.

mortuária ou culpa funerária, a conduzir a uma prova diabólica, pois o falecido não estará mais no mundo dos vivos para

atestar a presença de sua culpa ou não. Vejamos as suas lições:

“Contudo, se ainda é possível entender, sem mais concordar, que possam os cônjuges desafetos eternizar suas disputas no ventre de uma morosa e inútil separação judicial causal, qualquer sentido pode ser encontrado na possibilidade aberta pelo atual codificador ao permitir, pelo atual art. 1.830 do Código Civil, que o cônjuge sobrevivente acione o Judiciário para discutir a culpa do esposo que já morreu. Abre a nova lei o exame da culpa funerária, ao prescrever que só conhece o direito sucessório do cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente. É a pesquisa oficial da culpa mortuária passados até dois anos de fática separação, quando toda a construção doutrinária e jurisprudencial já vinha apontando para a extinção do regime de comunicação patrimonial com a física separação dos cônjuges, numa consequência de lógica coerência da separação objetiva, pela mera aferição do tempo, que por si mesmo sepulta qualquer antiga comunhão de vida” (MADALENO, Rolf. Concorrência..., 2010).

Entretanto, não é só, pois outros grandes juristas igualmente condenam a previsão, agregando outros argumentos de relevo. Para Paulo Lôbo, a menção à culpa para os devidos fins sucessórios representa afronta aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, estampados no art. 5.º, inciso LV, da Constituição da República, uma vez que “o falecido não pode exercê-los nem contraditar a acusação de culpa” (Direito..., 2013, p. 124). Segundo Zeno Veloso a norma gera discussões indesejadas intermináveis, sendo um retrocesso, pois a jurisprudência anterior ao Código Civil de 2002 considerava apenas a separação de fato do casal, sem qualquer imputação de culpa (Código..., 2012, p. 2.063). Em complemento, de acordo com as palavras de Maria Berenice Dias, o preceito traz absurdos, “não tendo o legislador atentado que a jurisprudência considera rompido o casamento quando cessa a convivência. Não mais persistindo os deveres do casamento e nem o regime de bens, subtrai a possibilidade de o sobrevivente ser reconhecido como herdeiro” (Manual..., 2011, p. 133).

De fato, nota-se que o problema não está somente na menção à culpa, mas também no prazo de separação de fato de dois anos, filiando-se este autor a todas as opiniões expostas. Para reforçá-las, as palavras de Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona: “discordamos, outrossim, da menção ao prazo mínimo de dois anos. Na medida em que, como se sabe, a união estável, pode configurar-se a qualquer tempo, não é razoável estabelecer-se um lapso mínimo de separação de fato – como conditio sine qua non que para a legitimidade sucessória – se antes mesmo da consumação do biênio, a parte já pode ter formado outro núcleo familiar” (Novo Curso..., 2014, v. 7, p. 232).

Na mesma linha, Francisco José Cahali critica tais previsões, ensinando que a menção ao prazo de dois anos está em desarmonia com o art. 1.723 do próprio Código Civil, que não exige qualquer prazo para a união estável (Direito..., 2012, p. 205). Isso porque presumiu o legislador no art. 1.830 que, após tal período de separação de fato, é possível que o falecido constitua outra entidade familiar desse quilate.

Ora, como se sabe, há tempos entende-se que não há prazo mínimo para a existência de uma união estável, tendo o requisito temporal sido afastado definitivamente desde a entrada em vigor da Lei 9.278, de 1996. Em relação à menção da culpa, pondera Cahali que “a segunda parte da regra, porém, merece severa crítica. No caminhar da busca pela separação judicial com base no princípio da ruptura, como existente na legislação estrangeira, vislumbrando-se a sociedade libertar-se da culpa no rompimento afetivo, já facilitado o fundamento para a separação (CC, art. 1.573, parágrafo único), e há tempos permitido o divórcio direto sem qualquer questionamento do motivo da ruptura, mostra-se retrógrada a previsão agora ainda mais frágil diante da EC 66/2010, que trouxe a possibilidade da dissolução do casamento diretamente por divórcio, sem observação de tempo mínimo de vivência ou discussão de culpa” (CAHALI, Francisco José. Direito..., 2012, p. 205-206).

Na esteira de todas essas lições e conforme já manifestado nesta obra em suas edições anteriores, quando escrita em coautoria com José Fernando Simão, é necessário fazer uma leitura idealizada art. 1.830 do Código Civil com a seguinte dicção: “somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente ou extrajudicialmente, nem separados de fato”.

Vários julgados, inclusive do Superior Tribunal de Justiça, já fazem essa leitura idealizada e consideram que a separação de fato por longo período põe fim à sociedade conjugal e ao regime de bens, sendo necessário analisar as circunstâncias do caso concreto, sem apego ao rigor do prazo de dois anos. Nessa linha, inclusive analisando as decorrências sucessórias da separação de fato, cabe trazer à colação os seguintes arestos:

“Direito civil. Família. Sucessão. Comunhão universal de bens. Sucessão aberta quando havia separação de fato. Impossibilidade de comunicação dos bens adquiridos após a ruptura da vida conjugal. 1. O cônjuge que se encontra separado de fato não faz jus ao recebimento de quaisquer bens havidos pelo outro por herança transmitida após decisão

liminar de separação de corpos. 2. Na data em que se concede a separação de corpos, desfazem-se os deveres conjugais, bem como o regime matrimonial de bens; e a essa data retroagem os efeitos da sentença de separação judicial ou divórcio. 3. Recurso especial não conhecido” (STJ, REsp 1065209/SP, 4.ª Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 08.06.2010, DJe 16.06.2010).

“Direito civil. Família. Sucessão. Comunhão universal de bens. Inclusão da esposa de herdeiro, nos autos de inventário, na defesa de sua meação. Sucessão aberta quando havia separação de fato. Impossibilidade de comunicação dos bens adquiridos após a ruptura da vida conjugal. Recurso especial provido. 1. Em regra, o recurso especial originário de decisão interlocutória proferida em inventário não pode ficar retido nos autos, uma vez que o procedimento se encerra sem que haja, propriamente, decisão final de mérito, o que impossibilitaria a reiteração futura das razões recursais. 2. Não faz jus à meação dos bens havidos pelo marido na qualidade de herdeiro do irmão, o cônjuge que encontrava-se separado de fato quando transmitida a herança. 3. Tal fato ocasionaria enriquecimento sem causa, porquanto o patrimônio foi adquirido individualmente, sem qualquer colaboração do cônjuge. 4. A preservação do condomínio patrimonial entre cônjuges após a separação de fato é incompatível com orientação do novo Código Civil, que reconhece a união estável estabelecida nesse período, regulada pelo regime da comunhão parcial de bens (CC 1.725) 5. Assim, em regime de comunhão universal, a comunicação de bens e dívidas deve cessar com a ruptura da vida comum, respeitado o direito de meação do patrimônio adquirido na constância da vida conjugal. 6. Recurso especial provido” (STJ, REsp 555.771/SP, 4.ª Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 05.05.2009, DJe 18.05.2009).

“Civil e processual. Sociedade conjugal. Separação de fato. Ação de divórcio em curso. Falecimento do genitor do cônjuge-varão. Habilitação da esposa. Impossibilidade. I. Não faz jus à sucessão pelo falecimento do pai do cônjuge-varão a esposa que, à época do óbito, já se achava há vários anos separada de fato, inclusive com ação de divórcio em andamento. II. Recurso especial conhecido e provido, para excluir a recorrida do inventário” (STJ, REsp 226.288/PA, 4.ª Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 13.09.2000, DJ 30.10.2000, p. 161).

A propósito, na doutrina contemporânea, a leitura idealizada do art. 1.830 do CC é muito bem sustentada por Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald, para quem, “singrando os mares desbravados pela orientação da jurisprudência superior, mantendo a mesma linha de intelecção sobre a separação de fato, é de se reconhecer, por conta da cessação do afeto e, por conseguinte, dos efeitos do casamento, a solução no sentido de que a simples separação de fato, independentemente de qualquer prazo, implica, também, em extinção do direito do cônjuge à herança” (Curso..., 2015, v. 7, p. 247).

A respeito da culpa, reafirme-se a questão relativa à emergência da Emenda do Divórcio. Conforme está exposto no Volume 5 desta série, há quem entenda que, com o surgimento da EC 66/2010, a culpa não gera qualquer influência no sistema de dissolução do casamento, caso de Rodrigo da Cunha Pereira, Maria Berenice Dias, Rolf Madaleno, Giselda Hironaka, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho. Pensamos de outro modo, concluindo que a culpa influencia nas questões relativas aos alimentos entre os cônjuges e na responsabilidade civil entre eles, como consideram Álvaro Villaça Azevedo, José Fernando Simão, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald.

Entretanto, a culpa não pode repercutir na questão sucessória, em especial diante das dificuldades que gera a sua prova ou não. Como buscar a verdade se um dos envolvidos já não está mais presente entre nós? Por meio de prova psicografada? A jocosa indagação tem o fim de demonstrar a falta de sentido na menção a esse elemento subjetivo para perquirir a existência ou não do direito sucessório do cônjuge sobrevivente. Sem falar no claro aumento do conflito, pois os demais descendentes lutarão ao máximo para afastar o direito do cônjuge. Eis mais um comando legal que incentiva a cultura da guerra, e não a cultura da paz, na contramão de uma tendência que tem ganhado cada vez mais adeptos no País.

De qualquer modo, existem alguns acórdãos estaduais que subsumem o art. 1.830 do Código Civil sem qualquer ressalva, podendo ser trazidos à colação os seguintes:

“Agravo de instrumento. Direito sucessório. Artigos 1.829, inciso II, e 1.837, ambos do Código Civil. Artigo 1.830 do Código Civil. Inaplicabilidade. Encontrando-se o casal separado de fato em período inferior a 01 (um) ano quando do falecimento do varão, não há falar em aplicação do disposto no artigo 1.830 do Código Civil. O disposto no inciso II, do artigo 1.829, c/c artigo 1.837, ambos do Código Civil, é claro, ou seja, o cônjuge sobrevivente herdará, quando concorrer com ascendentes do autor da herança, a terça parte (1/3) desta. Decisão agravada reformada. Deram provimento ao recurso” (TJRS, Agravo de Instrumento 648675-86.2010.8.21.7000, 8.ª Câmara Cível, Viamão, Rel. Des. Alzir Felippe Schmitz, j. 24.02.2011, DJERS 09.03.2011).

“Direito das sucessões. Apelação. Ação declaratória. Sucessão do cônjuge. Código Civil, art. 1.830. Separação de fato. Abandono do lar. Ocorrência. Recurso desprovido. Segundo o artigo 1.830 do Código Civil, somente é reconhecido direito

sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente” (TJMG, Apelação 1.0479.05.094351-9/0011, 4.ª Câmara Cível, Passos, Rel. Des. Moreira Diniz, j. 05.02.2009, DJEMG 27.02.2009).

“Arrolamento. Direito sucessório. Separação de fato não reconhecida por acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Culpa do cônjuge sobrevivente não demonstrada. Aplicação do art. 1830 do Código Civil. Recurso provido para reconhecer, à agravante, o direito de sucessão quanto aos bens deixados pelo falecido” (TJSP, Agravo de Instrumento 582.605.4/1, Acórdão 3509289, 10.ª Câmara de Direito Privado, Batatais, Rel. Des. Octavio Helena, j. 03.03.2009, DJESP 09.06.2009).

Mais recentemente, julgado do Superior Tribunal de Justiça de 2015 adotou o mesmo caminho, desconsiderando todas as manifestações doutrinárias no sentido de condenar a necessidade de prova da culpa mortuária, inclusive citadas no acórdão. Conforme o aresto, que analisa o ônus da prova a respeito dessa culpa, “a sucessão do cônjuge separado de fato há mais de dois anos é exceção à regra geral, de modo que somente terá direito à sucessão se comprovar, nos termos do art. 1.830 do Código Civil, que a convivência se tornara impossível sem sua culpa. Na espécie, consignou o Tribunal de origem que a prova dos autos é inconclusiva no sentido de demonstrar que a convivência da ré com o ex-marido tornou-se impossível sem que culpa sua houvesse. Não tendo o cônjuge sobrevivente se desincumbido de seu ônus probatório, não ostenta a qualidade de herdeiro” (STJ, REsp 1.513.252/SP, 4.ª Turma, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, j. 03.11.2015, DJe 12.11.2015).

Exposta a divergência, acrescente-se que os limites de subsunção do polêmico artigo é outro assunto ainda em aberto na doutrina e na jurisprudência nacionais, residindo, na norma, mais um dos grandes desafios da civilística sucessória brasileira. Como se verá a seguir, o preceito ainda voltará a debate, pois é possível a concorrência sucessória de um cônjuge com o companheiro, outra situação fática que igualmente oferece grandes desafios para o civilista contemporâneo.

Para encerrar o presente tópico, é preciso verificar o direito sucessório do cônjuge em caso de casamento inválido, nulo ou anulável, inclusive se houver boa-fé do cônjuge sobrevivente, ou seja, sua putatividade. Como é notório, duas são as hipóteses tratadas na legislação a respeito da invalidade do casamento, quais sejam a nulidade absoluta e a nulidade relativa ou anulabilidade.

Quanto ao casamento nulo, duas eram as situações descritas, originalmente, no art. 1.548 do Código Civil, envolvendo: a) o enfermo mental sem discernimento para a prática dos atos da vida civil; e b) os impedidos de casar, nas situações listadas no art. 1.521 da mesma codificação material. Todavia, a menção ao enfermo mental foi retirada do comando privado pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015), que pretende a plena inclusão civil da pessoa com deficiência. Assim, não se considera mais como inválido o casamento do sujeito com problemas mentais, o que vem em boa hora, pois o sistema anterior presumia que o casamento seria ruim para essas pessoas.

Por outra via, o casamento anulável diz respeito aos tipos relacionados no art. 1.550 da Norma Geral Privada, a saber: a) do menor que não completou a idade núbil, tendo menos de 16 anos; b) do menor em idade núbil – entre 16 e 18 anos –, não havendo autorização do seu representante legal; c) havendo o vício da vontade da coação moral; d) presente o vício do erro essencial quanto à pessoa do outro cônjuge; e) o casamento do incapaz de consentir e de manifestar de forma inequívoca a sua vontade; f) no caso de casamento celebrado por procuração, havendo a revogação do mandato, sem que ela chegue ao conhecimento do mandatário e do outro cônjuge; e g) havendo incompetência relativa da autoridade celebrante. Mais uma vez, o Estatuto da Pessoa com Deficiência trouxe alterações substanciais a respeito do casamento anulável, tendo sido incluído um § 2.º nesse art. 1.550, segundo o qual “a pessoa com deficiência mental ou intelectual em idade núbia poderá contrair matrimônio, expressando sua vontade diretamente ou por meio de seu responsável ou curado”.

Cabe lembrar que na invalidade do casamento o vínculo entre os cônjuges é dissolvido por causa anterior ao casamento. Nesse ponto, diferencia-se do divórcio, pois o vínculo é extinto por motivo posterior ao casamento. Todavia, o casamento inválido – nulo ou anulável – pode gerar efeitos, o que depende da boa-fé de um ou de ambos os cônjuges.

Nesse contexto, o art. 1.561 do Código Civil trata do casamento putativo, aquele que, embora nulo ou anulável, gera efeitos em relação a quem esteja movido pela boa-fé subjetiva, aquela que existe no plano intencional. Assim, havendo boa-fé de ambos os cônjuges, o casamento gera efeitos para ambos e para os filhos. Presentes a boa-fé de um dos cônjuges e a má-fé do outro, o casamento gera efeitos apenas para o primeiro e para os filhos. O cônjuge de má-fé é considerado culpado e perde todas as vantagens havidas do casamento para o cônjuge inocente; além de ter que cumprir as eventuais obrigações constantes em promessa antenupcial (art. 1.564 do CC). Por fim, existindo má-fé de ambos os cônjuges, o casamento gera efeitos apenas para os filhos havidos da união, sendo os direitos dos cônjuges resolvidos no campo do direito obrigacional.

2.11

muito bem abordada por Zeno Veloso (Código..., 2012, p. 2061), Francisco José Cahali (Direito..., 2012, p. 205), Carlos Alberto Dabus Maluf e Adriana Caldas Dabus Maluf (Curso..., 2013, p. 203).

A conclusão a que chegam – e que também é a opinião deste autor – é que, sendo inválido o casamento e reconhecida a putatividade, o cônjuge sobrevivente de boa-fé tem direito sucessório, se a sentença de anulação for posterior à morte do outro cônjuge. Trata-se de uma decorrência natural do caput do art. 1.561 do CC/2002, segundo o qual o casamento produz efeitos até a data do trânsito em julgado da sentença anulatória. No entanto, se o falecimento ocorrer antes do trânsito em julgado da decisão definitiva ou presente a má-fé do cônjuge sobrevivente, não há que reconhecer o seu direito hereditário.

Cabe anotar que tal solução consta, parcialmente, do art. 584 do Código Civil italiano, segundo o qual quando o matrimônio é declarado nulo depois da morte de um dos cônjuges, ao cônjuge supérstite de boa-fé será atribuída a quota que normalmente é dada ao cônjuge. No entanto, se o falecido já estiver casado com outra pessoa quando do seu falecimento, o cônjuge de boa-fé nada herdará.

Com as devidas adaptações ao sistema nacional, similar é a solução no caso brasileiro. Todavia, devem ser restringidos os

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