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DA SUCESSÃO DOS DESCENDENTES E DO DIREITO DE REPRESENTAÇÃO

No documento Flávio Tartuce - Vol. 06.pdf (páginas 121-123)

Superado o estudo da concorrência do cônjuge supérstite com os descendentes, é preciso abordar as regras relativas à sucessão dos últimos, especialmente entre si.

De início, reafirme-se que, nos termos do art. 1.833 da codificação privada, os descendentes de grau mais próximo excluem aqueles de grau mais remoto, salvo o chamado direito de representação. Voltando aos exemplos concretos, se o falecido deixou dois filhos e quatro netos, filhos dos primeiros, a herança será atribuída aos filhos (descendentes de primeiro grau), que excluem os netos (descendentes de segundo grau). Se o falecido deixar apenas quatro netos (descendentes de segundo grau), e dois bisnetos (descendentes de terceiro grau), os últimos filhos dos primeiros, são os netos quem herdam. Se o de cujus não deixou filhos ou netos, mas apenas um bisneto (descendentes de terceiro grau) e três trinetos (descendentes de quarto grau), é o bisneto quem herda.

Em todos os casos apontados, os descendentes da mesma classe ou grau têm os mesmos direitos à sucessão de seus ascendentes, conforme consta expressamente do art. 1.834 do Código Civil. O dispositivo traz um pleonasmo técnico, pois, como leciona Zeno Veloso, os descendentes já são da mesma classe sucessória, qual seja a primeira classe (Código..., 2012, p. 2.069). Por isso, novamente seguindo a doutrina do jurista, o antigo Projeto Fiúza pretende excluir a menção à palavra classe. De acordo com as suas justificativas, “os descendentes já são de uma mesma classe. O que o dispositivo quis dizer, atualizando a regra do art. 1.605 do Código Civil de 1916, é que estão proibidas quaisquer discriminações ou restrições baseadas na origem do parentesco. Proclama a Constituição, enfaticamente, no art. 227, § 6.º, que os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, o que este Código repete e reitera no art. 1.596. Obviamente, o princípio da não discriminação, até por ser uma regra fundamental, se estende e projeta a todos os descendentes. Para efeitos sucessórios, aos descendentes que estejam no mesmo grau”.

De fato, conforme se retira das justificativas do projeto legislativo, a grande finalidade do comando em análise é equalizar os direitos de todos os filhos. Como antes exposto neste livro em vários de seus trechos, um filho não pode receber por sucessão legítima mais do que outro, o que representaria atentado ao princípio da igualdade entre os filhos, retirado do art. 227, § 6.º, da CF/1988 e do art. 1.596 da própria lei privada, que enunciam: “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”. Não se deve mais admitir, nesse contexto, distinções sucessórias em relação a filhos havidos fora do casamento, outrora denominados filhos ilegítimos, espúrios ou adulterinos. Reafirme-se que tais filhos podem ter os seus direitos incluídos por meio da ação de investigação de paternidade cumulada com petição de herança, tema desenvolvido no capítulo anterior desta obra. Com a inclusão, reabre-se a sucessão, com a divisão do acervo de forma igualitária entre os filhos.

Em tom suplementar, como decorrência natural do art. 1.834 da codificação privada, não se deve admitir homologações de partilhas que colocam os filhos havidos fora do casamento em posição de desprestígio. Como há um objetivo de fraude à lei imperativa, e assim devem ser encarados os preceitos relativos à igualdade sucessória dos descendentes, verdadeiras normas de

ordem pública, tais partilhas serão nulas de pleno direito, por infração à regra constante do art. 166, inciso VI, do Código Civil de 2002.

Do mesmo modo, não devem ser admitidos atos de simulação praticados por pais a filhos, como no caso de uma dação em pagamento que visa apenas a preterir um filho havido fora do casamento. Havendo simulação absoluta, presente um negócio jurídico que na verdade não representa qualquer transmissão onerosa, há que reconhecer a nulidade do ato correspondente, com esteio no art. 167 do CC.

Seguindo no estudo da sucessão dos descendentes, os filhos sempre herdam por cabeça, e os outros descendentes, por cabeça ou por estirpe, conforme se achem ou não no mesmo grau (art. 1.835 do CC). Na esteira dos ensinamentos de Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, “diz-se por cabeça a sucessão em que a herança se reparte um a um, no sentido de cada parte vir a ser entregue a um sucessor direto” (Comentários..., 2007, v. 20, p. 243). Por outra via, “a sucessão, diz-se por estirpe quando a herança não se reparte um a um relativamente aos chamados a herdar, mas sim na proporção dos parentes de mesmo grau vivo ou que, sendo mortos, tenham deixado prole ainda viva” (HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Comentários..., 2007, v. 20, p. 244).

Nesse contexto, sendo herdeiros dois filhos do falecido, que são irmãos, eles sucedem por cabeça. Sendo herdeiros um filho e um neto do falecido, o último por direito de representação, o primeiro herda por cabeça e o último, por estirpe. Historicamente, conforme se retira dos ensinamentos de Itabaiana de Oliveira, “o direito de representação, inventado para reparar, em parte, o mal sofrido pelos filhos com a morte prematura dos pais, foi conhecido dos povos antigos, e o direito romano regulou-o nas institutas justinianas, passando, depois, para o direito moderno” (Tratado..., 1952, v. I, p. 156). O jurista cita, à época, as codificações de Portugal, da Itália, da Alemanha, da França, da Espanha e da Argentina como consolidadoras da categoria, não tendo sido diferente a opção brasileira.

Conforme define a própria lei brasileira, dá-se o direito de representação quando a lei chama certos parentes do falecido a suceder em todos os direitos, em que ele sucederia, se vivo fosse (art. 1.851 do CC/2002). Ou, ainda, nos termos da construção que consta do Código Civil português, no seu art. 2.039.º, “Dá-se a representação sucessória, quando a lei chama os descendentes de um herdeiro ou legatário a ocupar a posição daquele que não pôde ou não quis aceitar a herança ou o legado”. Como se percebe, no sistema português, o direito de representação também atinge a sucessão testamentária, o que não é realidade no Brasil, pois, aqui, a representação somente existe no âmbito da sucessão legítima.

Em suma, pelo direito de representação um herdeiro substitui outro por força de convocação realizada pela lei. É essa categoria que gera a sucessão por estirpe, efetivada em nome de outro parente que está em posição sucessória privilegiada. Em duas situações específicas a norma jurídica consagra o direito de representação.

A primeira delas é a representação na linha reta descendente, estabelecida pelo art. 1.852 do Código Privado Brasileiro. Deve ficar claro que, pelo mesmo preceito civil, nunca há direito de representação na linha reta ascendente, sendo esse um dos seus regramentos principais. Por razões óbvias, também não há direito de representação entre cônjuges e companheiros, que sequer são parentes entre si, presente outro vínculo jurídico, de conjugalidade e convivência, respectivamente.

A segunda modalidade é a representação na linha colateral ou transversal, existente somente em favor dos filhos de irmãos do falecido, quando com irmãos deste concorrerem (art. 1.853 do CC). Em outras palavras, o sobrinho concorre com seus tios, pois seu pai é premorto. O tema será aprofundado quando do estudo da sucessão dos colaterais.

Conforme correto enunciado aprovado na VII Jornada de Direito Civil, evento promovido pelo Conselho da Justiça Federal em setembro de 2015, também nos casos de comoriência entre ascendentes e descendentes, ou entre irmãos, reconhece- se o direito de representação aos descendentes e aos filhos dos irmãos (Enunciado n. 610). Como visto, a comoriência, retirada do art. 8.º do Código Civil, significa a presunção relativa de morte simultânea, presente quando não for possível verificar qual pessoa faleceu primeiro.

Nos termos das esclarecedoras justificativas do enunciado citado, “parece claro que o direito de representação é concedido aos filhos de herdeiros premorto. Nasce, no entanto, a dúvida se o direito de representação deve ser concedido aos filhos do herdeiro que falece simultaneamente ao autor da herança, em casos de comoriência. Maioria da doutrina não tem admitido o direito de representação, mas a jurisprudência tem se mostrado no sentido de concedê-lo aos filhos de herdeiros mortos em comoriência. Da leitura do artigo 1.851, do Código Civil, vê-se a possibilidade de se reconhecer o direito de representação em casos de comoriência, uma vez que o artigo não faz menção à necessidade de pré-morte, estabelecendo apenas que os parentes do falecido podem suceder em todos os direitos em que ele sucederia se vivo fosse. Significa, então, que ele pode ter morrido conjuntamente com o autor da herança, não havendo necessidade de ter morrido antes. Não reconhecer o direito de representação aos filhos de herdeiro falecido em concomitância com o autor da herança gera uma situação de verdadeira injustiça”.

2.7

representado, se vivo fosse (art. 1.854 do CC). Desse modo, fica clara a existência de uma substituição sucessória plena do representante em relação ao representado, uma sub-rogação subjetiva legal, nos mesmos direitos e deveres do falecido. Eis o atendimento ao escopo histórico da clássica categoria, antes mencionado.

Como outra regra fundamental a respeito do instituto, o quinhão do representado deve ser partilhado de forma igualitária entre os representantes (art. 1.855 do CC). Exemplificando, se o falecido A deixar três filhos B, C e D e dois netos F e G, filhos de E (premorto), o quinhão do último deve ser dividido igualmente entre seus sucessores, que têm direito de representação. Vejamos o esquema gráfico:

Todavia, se A for falecido deixando apenas netos (E, F e G), filhos de seus filhos premortos (B, C e D), não se cogita o direito de representação, recebendo os netos quotas iguais, um terço da herança, e por cabeça. O esclarecimento é necessário, pois muito comum na prática e em provas sobre a matéria. Vejamos o diagrama sucessório.

Por fim, trazendo outra interação entre a representação e a renúncia à herança, prescreve o art. 1.856 do Código Civil que o renunciante à herança de uma pessoa poderá representá-la na sucessão de outra. Vale o exemplo de Maria Helena Diniz: “Se um dos filhos do auctor sucessionis renunciar à herança, seus descendentes, netos do finado, não herdarão por representação, pois o renunciante é tido como estranho à herança. Entretanto, o renunciante poderá representar o de cujus (seu pai) na sucessão de terceira pessoa (seu avô, p. ex., CC, art. 1.851), pois o repúdio não se estende a outra herança. O filho, assim, herdará por direito de representação. Representará seu pai, na sucessão do avô, embora tenha repudiado a herança de seu genitor” (Código..., 2010, p. 1.311).

Como é notório, a renúncia é pessoal e prevista para determinada situação concreta, não admitindo interpretação extensiva, como consta do art. 111 do Código Civil. Em suma, não se pode ampliar a renúncia para outra hipótese.

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