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DA VOCAÇÃO HEREDITÁRIA E OS LEGITIMADOS A SUCEDER

No documento Flávio Tartuce - Vol. 06.pdf (páginas 50-58)

Assunto dos mais relevantes tem relação com as pessoas legitimadas a suceder ou herdar. No presente ponto, o conceito central é a legitimação, que vem a ser uma capacidade especial para determinada categoria jurídica. No caso, a categoria em questão é a sucessão hereditária. Há tratamento legislativo diferenciado em relação a quem pode suceder por sucessão legítima ou testamentária. Vejamos, de forma pontual, separada e sucessiva.

Para começar o estudo do tema, no que interessa à sucessão legítima, dispõe o art. 1.798 do CC/2002 que são legitimados a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão. O dispositivo, sem correspondente no CC/1916, inova de forma substancial, ao reconhecer legitimação sucessória para o nascituro aquele que foi concebido e ainda

não nasceu.

Conforme consta do Volume 1 da presente coleção, este autor segue a teoria concepcionista, que reconhece direitos ao nascituro, devendo este ser tratado como pessoa humana. Cabe relembrar, na esteira do que consta daquela obra, que esse é o entendimento defendido por Silmara Juny Chinellato, Rubens Limongi França, Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, Pablo Stolze Gagliano, Rodolfo Pamplona Filho, Roberto Senise Lisboa, Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenvald, Francisco Amaral, Guilherme Calmon Nogueira da Gama, Antonio Junqueira de Azevedo, Gustavo Rene Nicolau, Renan Lotufo, Maria Helena Diniz e Álvaro Villaça Azevedo. Em suma, a grande maioria dos doutrinadores, sobretudo contemporâneos, é filiada à ideia de que deve ser reconhecida a personalidade jurídica do nascituro, com a tutela dos seus direitos.

Sem prejuízo do seu art. 2.º, que afirma ter, o nascituro, direitos desde a concepção, o Código Civil de 2002 parece ter adotado o entendimento concepcionista, ao reconhecer legitimidade sucessória ao nascituro, pois somente pessoas naturais podem herdar por meio da sucessão legítima.

De qualquer maneira, ao tratar dessa sucessão, muitos doutrinadores apontam a existência de uma condição para que o nascituro herde, qual seja o seu nascimento com vida. Para começar o enfrentamento de mais uma questão polêmica, vejamos as palavras sempre necessárias de Zeno Veloso, um dos maiores sucessionistas brasileiros da atualidade:

“A lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro (art. 2.º, segunda parte). Assim sendo, o conceptus (nascituro) é chamado à sucessão, mas o direito sucessório só estará definido e consolidado se nascer com vida, quando adquire personalidade civil ou capacidade de direito (art. 2.º, primeira parte). O nascituro é um ente em formação (spes hominis), um ser humano que ainda não nasceu. Se o concebido nascer morto, a sucessão é ineficaz” (VELOSO, Zeno. Código..., 6. ed., 2008, p. 1.971-1.972).

No mesmo trilhar, segundo Carlos Alberto Dabus Maluf e Adriana Caldas Dabus Maluf, no que tange ao nascituro, “se vier a nascer com vida, ainda que já falecido o autor da herança, herdará este, de acordo com o seu título sucessório; se, por outro lado, a gestação não chegar a termo, será como se nunca houvesse existido; nesse caso, defere-se a herança aos outros de sua classe, ou aos da classe imediata, caso ele fosse o único herdeiro. Retroagem seus direitos sucessórios ao momento da abertura da sucessão” (MALUF, Carlos Alberto Dabus; MALUF, Adriana Caldas Dabus. Curso de Direito..., 2013, p. 109- 110).

Cabe citar, como suplemento, as palavras de Maria Berenice Dias, que parece seguir a teoria natalista: “a aquisição da capacidade sucessória está sujeita à ocorrência de condição suspensiva: o nascimento com vida. Assim, o nascituro se coloca como dotado de capacidade sucessória passiva condicional, já que ainda não tem personalidade civil” (Manual..., 2008, p. 115).

Não é diferente a conclusão de Maria Helena Diniz, para quem a capacidade sucessória do nascituro é excepcional, somente sucedendo se nascer com vida, “havendo um estado de pendência da transmissão hereditária, recolhendo seu representante legal a herança sob condição resolutiva. O já concebido no momento da abertura da sucessão e chamado a suceder adquire desde logo o domínio e a posse da herança como se já fosse nascido, porém, em estado potencial, como lhe falta personalidade jurídica material, nomeia-se um curador de ventre. Se nascer morto, será tido como se nunca tivesse existido, logo, a sucessão é ineficaz. Se nascer com vida, terá capacidade ou legitimação para suceder” (Código..., 2010, p. 1.276). Vale lembrar que, para a jurista, o nascituro tem personalidade jurídica formal – relativa aos direitos da personalidade –, mas não a personalidade jurídica material – relacionada a direitos patrimoniais.

Da jurisprudência, cabe transcrever acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, que condicionou a entrega do valor reparatório do seguro DPVAT à pessoa concebida quando dos fatos ao seu nascimento com vida:

“Nascituro. Sucessão legítima. Nascimento com vida. Seguro obrigatório. 1. A sentença determinou que os avós entreguem ao neto valor indenizatório que receberam de seguro (DPVAT) em razão da morte do filho deles, pai do neto. 2. A criança, na época do falecimento do pai, estava sendo gestada e, como nascituro nascido com vida, é sucessor do pai, excluindo os avós, ascendentes (Código Civil, arts. 2.º, 1.798 e 1.829). 3. Apelação não provida” (TJSP, Apelação 0001804-08.2009.8.26.0060, 6.ª Câmara de Direito Privado, Auriflama, Rel. Des. Alexandre Lazzarini, j. 06.09.2012, v.u.).

No passado, este autor filiava-se aos ensinamentos da Professora Titular da PUCSP, sua antiga orientadora de mestrado. Ressalvava, assim e em edições anteriores desta obra, que o nascituro é pessoa humana, tendo a personalidade jurídica formal, relativa aos direitos da personalidade; o que já representava adoção à teoria concepcionista, pois era reconhecida a personalidade do nascituro para tais efeitos. Faltar-lhe-ia, porém, a personalidade jurídica material, referente aos direitos

patrimoniais, caso do direito à herança. Esse posicionamento era, anteriormente, compartilhado pelo coautor José Fernando Simão.

Todavia, o autor desta obra, agora escrevendo de forma solitária, mudou sua posição, porque, a partir da leitura dos trabalhos de Diogo Leite de Campos e Silmara Chinellato, estamos inclinados a entender que ao nascituro devem ser reconhecidos direitos sucessórios desde a concepção, o que representa a atribuição de uma personalidade civil plena a tal sujeito de direitos, sem qualquer restrição (CAMPOS, Diogo Leite de; CHINELLATO, Silmara Juny de Abreu. Pessoa..., 2009). Na mesma esteira, pondera Luiz Paulo Vieira de Carvalho que “temos para nós que, se o nascituro nascer com vida, apenas confirma o direito sucessório preexistente, não sendo o nascimento com vida condição legal para que a personalidade exista, mas sim para que esta se consolide” (Direito..., 2014, p. 165).

Cabe esclarecer, a propósito, que, apesar da transcrição anterior das palavras de Zeno Veloso, o jurista também parece que tende a mudar de posicionamento, conforme palestra proferida no I Congresso Jurídico do Instituto Brasileiro de Direito Civil (IBDCivil), em agosto de 2013, na cidade do Rio de Janeiro, sem prejuízo de outros eventos que foram compartilhados nos últimos tempos com este autor.

Seguindo a nova proposta, o direito sucessório do nascituro deve levar em conta a sua concepção, e não o nascimento com vida. Se nascer morto, os bens já recebidos serão atribuídos aos herdeiros do nascituro, e não aos herdeiros daquele que faleceu originalmente. Se nascer com vida, haverá apenas uma confirmação da transmissão anterior, do que era reconhecido naquele momento anterior.

De fato, pensar o contrário parece representar um resquício da teoria natalista, que nega personalidade ao nascituro. Ou, ainda, afirmar que o nascituro somente adquire o direito sucessório se nascer com vida parece reconhecer que o nascituro seria uma meia-pessoa, pois não teria a personalidade plena, relativa aos direitos patrimoniais sucessórios. Complementarmente, vale lembrar que, como direito fundamental que é – nos termos do art. 5.º, inciso XXX, do Texto Maior –, a herança não pode ser preterida daquele que foi concebido e ainda não nasceu. Em resumo, é preciso repensar aquela ideia consolidada, o que é a filiação a uma teoria concepcionista aprofundada.

Contudo, pontue-se que o entendimento majoritário permanece sendo no sentido de que o nascituro somente terá direitos sucessórios se nascer com vida, pendendo uma condição para tal reconhecimento. De qualquer modo, parece haver uma tendência de revisão dessa posição prevalecente, o que almeja o futuro do Direito Sucessório brasileiro.

Outro aspecto tormentoso tem relação à extensão da regra sucessória prevista para o nascituro aos embriões havidos das técnicas de reprodução assistida. Respondendo positivamente, o Enunciado n. 267 do CJF/STJ, da III Jornada de Direito Civil, de autoria de Guilherme Calmon Nogueira da Gama com o seguinte teor: “A regra do art. 1.798 do Código Civil deve ser estendida aos embriões formados mediante o uso de técnicas de reprodução assistida, abrangendo, assim, a vocação hereditária da pessoa humana a nascer cujos efeitos patrimoniais se submetem às regras previstas para a petição da herança”.

O enunciado doutrinário não conta com o apoio de vários juristas, que entendem que o embrião está em situação jurídica diferente em relação ao nascituro, não merecendo tratamento equânime. Essa é a opinião, por exemplo, de Francisco José Cahali (Direito..., 2007. p. 104), Jones Figueirêdo Alves e Mário Luiz Delgado (Código..., 2005, p. 918).

O presente autor compartilhava da última corrente, tida até como majoritária, conforme constava da obra escrita em coautoria com José Fernando Simão (Direito..., 2010, v. 6, p. 45). Isso porque acreditava, reafirme-se, que o embrião, a exemplo do nascituro, apesar de ter personalidade jurídica formal (direitos da personalidade), não teria a personalidade jurídica material (direitos patrimoniais), e só seria herdeiro por força de disposição testamentária, conforme se verá logo a seguir. Acrescente-se, para tanto, o argumento de que o embrião estaria em uma posição diferente da do nascituro.

Todavia, mais uma vez, há uma tendência de mudança da nossa opinião anterior, pois ao embrião igualmente deve ser reconhecida uma personalidade civil plena, inclusive no tocante à tutela sucessória, assim como acontece com o nascituro. O que ainda está em dúvidas, na mente deste autor, é o momento da concepção do embrião, ou seja, quando há vida para a tutela sucessória. Cabe anotar que a dúvida diz respeito a dois momentos: a fecundação na clínica de reprodução assistida ou a implantação do embrião na mulher. A tendência, entretanto, é de seguir a posição que prega que a concepção ocorre no último momento.

Adotada uma ou outra posição quanto ao momento de inclusão de direitos, o embrião estaria sujeito à ação de petição de herança – que ainda será abordada neste capítulo –, para a efetiva tutela posterior dos seus direitos sucessórios. Novamente, esclareça-se que Zeno Veloso tende a mudar sua posição anterior, aqui antes citada, conforme palestras ministradas em eventos no ano de 2013, especialmente no antes mencionado, promovido pelo IBDCivil, na cidade do Rio de Janeiro.

Esgotado o estudo da regra fundamental a respeito da legitimação sucessória para a sucessão legítima, o art. 1.799 do Código Civil elenca sujeitos que podem suceder no caso da sucessão testamentária. Vejamos, mais uma vez, de forma pontual, as suas previsões.

Conforme o seu primeiro inciso, reconhece-se a legitimação para os filhos, ainda não concebidos de pessoas indicadas pelo testador, desde que vistas estas últimas ao abrir-se a sucessão. A norma trata da prole eventual ou concepturo, não se confundindo com o nascituro.

Em casos tais, os bens da herança serão confiados, após a liquidação ou partilha, a curador nomeado pelo juiz (art. 1.800, caput, do CC). Há, assim, uma curatela especial para proteção dos interesses da pessoa futura. É preciso abrir uma grande nota de análise desse comando legal, antes de voltar ao estudo das demais pessoas elencadas no art. 1.799 do Código de 2002.

No presente contexto de estudo, salvo disposição testamentária em contrário, a curatela caberá à pessoa cujo filho o testador esperava ter por herdeiro, ou seja, ao pai ou mãe da pessoa a ser concebida. Portanto, em regra é preciso verificar se o próprio testamento não nomeia quem exercerá o munus. Não havendo disposição originada da autonomia privada do testador, segue-se a determinação da lei. Nos termos do mesmo art. 1.800, § 1.º, do Código Civil, sucessivamente, a curatela pode ser atribuída às pessoas indicadas no art. 1.775 da mesma lei, tratando o último preceito da curatela dos incapazes. Vale lembrar, a propósito, que a teoria das incapacidades sofreu consideráveis alterações pela Lei 13.146, de 2015, conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência, que alterou os arts. 3.º e 4.º do Código Civil, o que ainda será aprofundado neste livro.

De todo modo, de acordo com esse último preceito, o cônjuge ou companheiro, não separado judicialmente ou de fato, é, de direito, curador do outro, quando interdito. Obviamente, nessa parte, a regra não tem incidência, pois a prole eventual não pode ser casada ou viver em união estável. Na ausência do cônjuge ou companheiro, é curador legítimo o pai ou a mãe, o que representa uma volta ao § 1.º do art. 1.800. Na falta destes, a curatela caberá ao descendente que se demonstrar mais apto, o que mais uma vez não admite subsunção, pois o concepturo não terá filhos ou netos. O mesmo deve ser dito quanto ao § 2.º do art. 1.775, segundo o qual, dentre os descendentes, os mais próximos precedem aos mais remotos. Por fim, na falta das pessoas mencionadas neste artigo, compete ao juiz a escolha do curador, presente uma nomeação ad hoc (art. 1.775, § 3.º, do CC).

O que parece a este autor é que houve sério cochilo legislativo ao se mencionar a subsunção do art. 1.775 do Código Privado. Melhor seria se fosse atribuída a curatela a outros parentes da prole eventual, como avós e tios e, na falta destes, a alguém nomeado pelo juiz da causa. Com o fim de tentar corrigir o equívoco, há proposta de alteração do art. 1.800, § 1.º, do CC/2002 pelo antigo Projeto Ricardo Fiúza – PL 6.960/2002 originalmente, atual PL 699/2011. Pela projeção, a norma passaria a ter a seguinte redação: “Salvo disposição testamentária em contrário, a curatela caberá à pessoa cujo filho o testador esperava ter por herdeiro, e, sucessivamente, às pessoas indicadas no art. 1.797”. De acordo com as suas justificativas, “a remissão que o § 1.º deste artigo faz ao art. 1.775 não está correta. São as pessoas indicadas no art. 1.797 que devem, no caso, exercer a curatela dos bens hereditários (cf. art. 1.988 do Anteprojeto de Código Civil – Revisto (1973), in Código Civil – Anteprojetos, Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, Brasília, 1989, v. 5, t. 2, p. 422)”.

Nota-se, portanto, que, pelo projeto legislativo, a curatela seria atribuída às mesmas pessoas que podem assumir a condição de administrador provisório. Se o art. 1.797 do CC/2002 for interpretado no sentido de atribuição da curatela às pessoas que mantêm parentesco com o falecido, apenas em parte soluciona-se os problemas do dispositivo em vigor.

Diz-se em parte pelo fato de terem tais pessoas interesses diretos em relação aos bens da prole eventual, o que pode macular eticamente o exercício do munus curatelar. Se a interpretação for no sentido de terem as pessoas indicadas no art. 1.797 relação com a pessoa a ser concebida, o problema está mantido, uma vez que há menção a cônjuge, companheiro e descendentes do interessado. Salvam-se apenas as expressões relativas ao testamenteiro e ao administrador nomeado pelo juiz. Em síntese, melhor seria, cabe reafirmar, que o § 1.º do art. 1.800 do CC mencionasse os avós e tios do concepturo e, na falta deles, o administrador de confiança do magistrado da ação de curatela.

Seguindo na abordagem do art. 1.800 do Código Civil, estatui o seu § 2.º que os poderes, deveres e responsabilidades do curador, assim nomeado, regem-se pelas disposições concernentes à curatela dos incapazes, naquilo que couber. Ora, como o art. 1.774 da própria Norma Civil enuncia a incidência das regras relativas à tutela, os preceitos fundamentais relacionados à curatela do concepturo dizem respeito ao último instituto assistencial. A título de exemplo de incidência legislativa, incumbe a tal curador, sob a inspeção do juiz, administrar os bens do tutelado, em proveito deste, cumprindo seus deveres com zelo e boa- fé (art. 1.741 do CC).

Ainda, se os bens e interesses do concepturo exigirem conhecimentos técnicos, forem complexos, ou realizados em lugares distantes do domicílio do curador, poderá este, mediante aprovação judicial, delegar a outras pessoas físicas ou jurídicas o exercício parcial da tutela (art. 1.743 do CC). Por fim, não se olvide que os bens da prole eventual serão entregues ao curador mediante termo especificado deles e seus valores, ainda que os pais o tenham dispensado. Se o patrimônio do concepturo for de valor considerável, poderá o juiz condicionar o exercício da curatela à prestação de caução bastante, podendo dispensá-la se o tutor for de reconhecida idoneidade (art. 1.745 do CC).

Voltando à essência do art. 1.800 do Código Civil, nascendo com vida o herdeiro esperado, ser-lhe-á deferida a sucessão, com os frutos e rendimentos relativos à deixa, a partir da morte do testador (§ 3.º). Não havia necessidade de a lei mencionar os rendimentos, pois estes já são frutos civis, na clássica divisão dos frutos, bens acessórios que saem do bem principal sem

diminuir a sua quantidade. A título de exemplo, imagine-se que o bem testado para a prole eventual seja uma fazenda. Todos os frutos naturais pendentes existentes nessa fazenda devem ser atribuídos ao novo herdeiro.

Percebe-se que a norma condiciona a atribuição patrimonial ao nascimento com vida, parecendo seguir aquele entendimento majoritário, antes exposto, no sentido de que a aquisição patrimonial do nascituro depende do seu nascimento com vida. Existe, assim, certa contradição em relação ao art. 1.798 do próprio Código Civil, que reconhece a legitimação sucessória ao nascituro sem qualquer ressalva ou menção ao nascimento.

Por fim, quanto ao art. 1.800 do CC/2002, se, decorridos dois anos após a abertura da sucessão, não for concebido o herdeiro esperado, os bens reservados, salvo disposição em contrário do testador, caberão aos herdeiros legítimos (§ 4.º). A norma estabelece uma condição para que a prole eventual suceda, limitando no tempo o seu direito sucessório, por meio de prazo decadencial. Para a prole eventual, o presente autor concorda com a plena incidência do preceito, que dá mais estabilidade ao Direito Sucessório.

No entanto, para muitos juristas, todos esses preceitos – inclusive o último – também devem incidir nos casos de embriões havidos de técnicas de reprodução assistida beneficiados por testamento. Conforme o Enunciado n. 268 do Conselho da Justiça Federal e Superior Tribunal de Justiça, aprovado na III Jornada de Direito Civil, “nos termos do inc. I do art. 1.799, pode o testador beneficiar filhos de determinada origem, não devendo ser interpretada extensivamente a cláusula testamentária respectiva”. Como determinada origem, constante do enunciado doutrinário, pode-se entender qualquer técnica de reprodução assistida. A propósito desse entendimento, vejamos as palavras de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona:

“Em nosso sentir, ao menos enquanto não houver uma regulamentação legal específica, que leve em conta os avanços da tecnologia, a segurança jurídica recomenda que, nos limites da Sucessão Testamentária, o embrião somente poderá figurar como beneficiário se a implantação no útero materno ocorrer dentro do prazo de dois anos, na linha do § 4.º do art. 1.800 do Código Civil.

Após esse prazo, não deixará de ser considerado filho do falecido, mas não terá direito sucessório.

Sem dúvida, não se afigura como a melhor solução, mas, em nosso atual sistema, é mais adequado, mormente em se considerando que a indefinição de um prazo para a implantação geraria o grave inconveniente de prejudicar por meses ou anos o desfecho do procedimento de inventário ou arrolamento, em detrimento do direito dos demais herdeiros legítimos ou testamentários” (GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso..., 2014, v. 7, p. 129).

Para o presente autor, é perfeitamente possível beneficiar o embrião por testamento. Todavia, o embrião não está na mesma situação da prole eventual, pois deve ser tido como pessoa humana desde a concepção. Diante dessa realidade, seus direitos devem ser reconhecidos a partir desse momento, havendo a possibilidade de sua inclusão na sucessão por meio da petição de herança, conforme antes desenvolvido.

Por fim, a respeito do art. 1.800, § 4.º, do CC/2002, merecem especial atenção as considerações de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, no sentido de incidir o preceito para a adoção de prole eventual. Segundo os juristas, “questão palpitante envolvendo o tema é a possibilidade de adoção da prole eventual. Poderia a prole eventual ser adotada, no prazo de dois anos, contados a partir da abertura da sucessão? Apesar de a redação do dispositivo legal insinuar uma referência somente aos filhos biológicos (concebidos pelas pessoas indicadas pelo testador), utilizando a técnica de interpretação conforme a Constituição (CF, art. 227, § 6.º), notadamente à luz do princípio da igualdade entre os filhos, que proíbe discriminações em relação à origem da prole, não se pode excluir a possibilidade de adoção da prole eventual. Dessa forma, a prole eventual pode decorrer de adoção, salvo expressa restrição imposta pelo testador. Isso porque o testador pode restringir a origem da prole eventual, estabelecendo, expressamente, que seja oriunda de fertilização pelo mecanismo biológico” (FARIAS, Cristiano

No documento Flávio Tartuce - Vol. 06.pdf (páginas 50-58)

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