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DO CONCEITO DE HERANÇA O ESPÓLIO E A SUA LEGITIMIDADE PROCESSUAL A herança pode ser conceituada como o conjunto de bens, positivos e negativos, formado com o falecimento do de cujus.

No documento Flávio Tartuce - Vol. 06.pdf (páginas 35-37)

Engloba também as dívidas do morto, conforme a conceituação clássica de Itabaiana de Oliveira: “herança é o patrimônio do de cujus, o conjunto de direitos e obrigações que se transmitem aos herdeiros” (Tratado..., 1952, v. I, p. 59). Ou, ainda, nas lições contemporâneas de Sílvio de Salvo Venosa, a herança é “um patrimônio, ou seja, um conjunto de direitos reais e obrigacionais, ativos e passivos. O titular desse patrimônio do autor da herança, enquanto não ultimada definitivamente a partilhar, é o espólio” (Código..., 2010, p. 1.624). Como se pode perceber, a herança é um conjunto de bens, e não de pessoas.

Nos termos do entendimento majoritário da civilística nacional, a herança constitui o espólio, que é o titular desse patrimônio, um ente despersonalizado ou despersonificado, e não uma pessoa jurídica, havendo uma universalidade jurídica, criada por ficção legal, entendimento que igualmente serve para a herança (ver, no mesmo sentido: DINIZ, Maria Helena. Código..., 2010, p. 1.270; GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito..., 2010, v. 7, p. 51).

Apesar da inexistência de uma pessoa jurídica, a norma processual reconhece legitimidade ativa e passiva ao espólio, devidamente representado pelo inventariante ou pelo administrador provisório, se for o caso (art. 75, VII, do CPC/2015, correspondente ao art. 12, V, do CPC/1973). Como primeiro e talvez mais importante exemplo dessa Norma Instrumental, o espólio deve responder passivamente pelas dívidas assumidas pelo falecido, até a partilha e até os limites da herança.

Nesse contexto, julgado do Superior Tribunal de Justiça, do ano de 2013, com o seguinte trecho a ser destacado: “enquanto não realizada a partilha, o acervo hereditário – espólio – responde pelas dívidas do falecido (art. 597 do CPC) e, para tanto, a lei lhe confere capacidade para ser parte (art. 12, V, do CPC). Acerca da capacidade para estar em juízo, de acordo com o art. 12, V, do CPC, o espólio é representado, ativa e passivamente, pelo inventariante. No entanto, até que o inventariante preste o devido compromisso, tal representação far-se-á pelo administrador provisório, consoante determinam os arts. 985 e 986 do CPC. O espólio tem legitimidade para figurar no polo passivo de ação de execução, que poderia ser ajuizada em face do autor da herança, acaso estivesse vivo, e será representado pelo administrador provisório da herança, na hipótese de não haver inventariante compromissado” (STJ, REsp 1.386.220/PB, 3.ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 03.09.2013, DJe 12.09.2013).

Pontue-se que essas conclusões foram confirmadas em outro aresto, mais recente, do mesmo Tribunal da Cidadania, com a seguinte dicção: “o espólio responde pelas dívidas do falecido, sendo induvidoso, portanto, que o patrimônio deixado pelo de cujus suportará esse encargo até o momento em que for realizada a partilha, quando então cada herdeiro será chamado a responder dentro das forças do seu quinhão. Nessa linha de entendimento, em se tratando de dívida que foi contraída pessoalmente pelo autor da herança, pode a penhora ocorrer diretamente sobre os bens do espólio. Precedentes citados: REsp 1.446.893/SP, 2.ª Turma, DJe 19.05.2014; e REsp 293.609/RS, 4.ª Turma, DJe 26.11.2007” (STJ, REsp 1.318.506/RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 18.11.2014).

Como outra concretização, entende a jurisprudência superior que “o espólio, cujo representante é a viúva do de cujus, com o qual residia (e permanece residindo após a sua morte) no imóvel constrito, tem legitimidade para pleitear a impenhorabilidade do bem, com base na cláusula do ‘bem de família’, nos moldes da Lei 8.009/90” (STJ, AgRg no REsp 1.341.070/MG, 2.ª Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 03.09.2013, DJe 11.09.2013). Ainda, entende a Corte Superior que, “sendo a requerente viúva e representante legal do espólio, está habilitada a representá-lo em juízo e a requerer a homologação da sentença de divórcio do de cujus proferida pela autoridade judicial estrangeira (CPC, art. 12, V). O interesse jurídico da autora está evidenciado pela necessidade de averbar o casamento e o divórcio de seu falecido marido com a primeira esposa para que, após, possa registrar no país o seu matrimônio ulterior” (STJ, SEC 6.570/EX, Corte Especial, Rel. Min. Ari Pargendler, j. 01.08.2013, DJe 12.08.2013).

Além dos julgamentos expostos, podem ser citados os seguintes, em que se reconhece a legitimidade do espólio, na jurisprudência mais recente do Tribunal Superior em matéria de Direito Privado no País:

O espólio tem legitimidade ativa para a ação de despejo de imóvel que era do falecido (REsp 1.252.875/SP, 3.ª Turma, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 18.12.2012, DJe 04.02.2013).

Deve-se reconhecer sua legitimidade ativa para pleitear a dissolução de sociedade anônima (STJ, AgRg no REsp 1.302.480/SP, 3.ª Turma, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. 15.05.2012, DJe 30.05.2012).

Há legitimidade para figurar no polo ativo de ações reivindicatórias ajuizadas contra ocupantes irregulares de loteamentos que pertenciam ao falecido (STJ, REsp 990.507/DF, 2.ª Seção, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 10.11.2010, DJe

01.02.2011).

“Na ação anulatória em que se visa a desconstituir processo de usucapião, é de admitir-se a legitimidade ativa do espólio, representado pela companheira do de cujus, no exercício da inventariança, mormente quando a única suposta herdeira conhecida era filha menor do falecido e da inventariante” (STJ, REsp 725.456/PR, 4.ª Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 05.10.2010, DJe 14.10.2010).

Existe legitimidade do espólio em substituição ao sócio falecido para ajuizar a ação de nulidade de título de compra e venda lavrado à sua revelia, por meio de provimento judicial nulo (STJ, REsp 695.879/AL, 4.ª Turma, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, j. 21.09.2010, DJe 07.10.2010).

“O espólio possui legitimidade para ajuizar ação de cobrança de indenização securitária decorrente de invalidez permanente ocorrida antes da morte do segurado. Isso porque o direito à indenização de seguro por invalidez é meramente patrimonial, ou seja, submete-se à sucessão aberta com a morte do segurado, mesmo sem ação ajuizada pelo de cujus. Assim, o espólio é parte legítima para a causa, pois possui legitimidade para as ações relativas a direitos e interesses do de cujus. Ademais, não só os bens, mas também os direitos de natureza patrimonial titularizados pelo de cujus integram a herança e, assim, serão pelo espólio representados em juízo. Vista por uma perspectiva subjetiva, a sucessão (forma de aquisição do patrimônio) é composta por aqueles que, em face da morte do titular dos direitos e obrigações, sub-rogam-se nessa universalidade de bens e direitos que passaram a integrar o patrimônio jurídico do falecido, em que pese não os tenha postulado junto a quem de direito quando em vida. O fato de a indenização securitária, devida por força da ocorrência do sinistro previsto contratualmente, não poder vir a ser aproveitada pelo segurado não a torna apenas por ele exigível” (STJ, REsp 1.335.407/RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 08.05.2014, publicado no seu Informativo n. 542).

“Conflito de competência. Espólio. Legitimidade ativa para litigar no Juizado Especial. 1. O espólio pode figurar no polo ativo em feitos dos Juizados Especiais Federais, aplicando-se, subsidiariamente, por ausência de expressa previsão na Lei 10.259/2001, as normas previstas na Lei 9.099/1995. Precedentes. 2. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Federal do Juizado Especial Cível de Santos – SJ/SP, o suscitante” (STJ, CC 104.151/SP,1.ª Seção, Rel. Min. Castro Meira, j. 22.04.2009, DJe 04.05.2009).

Por outra via, a mesma jurisprudência superior deduz, com razão, que o espólio não tem legitimidade ativa ad causam para pleitear indenização por danos morais sofridos pelos herdeiros em decorrência do óbito de seu genitor (STJ, EREsp 1.292.983/AL, Corte Especial, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 01.08.2013, DJe 12.8.2013; e STJ, AgRg no REsp 1.396.627/ES, 2.ª Turma, Rel. Min. Humberto Martins, j. 19.11.2013, DJe 02.11.2013). Realmente, a ação de reparação de danos extrapatrimoniais é pessoal daquele que sofreu a lesão aos seus direitos da personalidade, não cabendo a intervenção processual do ente despersonalizado em questão que, como visto, não tem personalidade jurídica a justificar tal caminho processual.

Na mesma linha, transcreve-se outro julgado do Superior Tribunal de Justiça, relativo a danos extrapatrimoniais causados ao morto após o seu falecimento, assim publicado no seu Informativo n. 532, de dezembro de 2013:

“Direito civil e processual civil. Legitimidade para buscar reparação de prejuízos decorrentes de violação da imagem e da memória de falecido. Diferentemente do que ocorre em relação ao cônjuge sobrevivente, o espólio não tem legitimidade para buscar reparação por danos morais decorrentes de ofensa post mortem à imagem e à memória de pessoa. De acordo com o art. 6.º do CC – segundo o qual ‘a existência da pessoa natural termina com a morte [...]’ –, os direitos da personalidade de pessoa natural se encerram com a sua morte. Todavia, o parágrafo único dos arts. 12 e 20 do CC estabeleceram duas formas de tutela póstuma dos direitos da personalidade. O art. 12 dispõe que, em se tratando de morto, terá legitimidade para requerer a cessação de ameaça ou lesão a direito da personalidade, e para reclamar perdas e danos, o cônjuge sobrevivente ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau. O art. 20, por sua vez, determina que, em se tratando de morto, o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes são partes legítimas para requerer a proibição de divulgação de escritos, de transmissão de palavras, ou de publicação, exposição ou utilização da imagem da pessoa falecida. O espólio, entretanto, não pode sofrer dano moral por constituir uma universalidade de bens e direitos, sendo representado pelo inventariante (art. 12, V, do CPC) para questões relativas ao patrimônio do de cujus. Dessa forma, nota- se que o espólio, diferentemente do cônjuge sobrevivente, não possui legitimidade para postular reparação por prejuízos decorrentes de ofensa, após a morte do de cujus, à memória e à imagem do falecido” (STJ, REsp 1.209.474/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 10.09.2013).

Seguindo nos exemplos, o mesmo Tribunal da Cidadania conclui, conforme acórdão publicado no seu Informativo n. 565, que o espólio, mesmo que representado pelo inventariante, não possui legitimidade ativa para ajuizar ação de cobrança do seguro obrigatório (DPVAT) em caso de morte da vítima no acidente de trânsito. Nos termos da publicação, “antes da vigência

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da Lei 11.482/2007, a indenização do seguro obrigatório DPVAT, na ocorrência do falecimento da vítima, deveria ser paga em sua totalidade ao cônjuge ou equiparado e, na sua ausência, aos herdeiros legais. Depois da modificação legislativa, o valor indenizatório passou a ser pago metade ao cônjuge não separado judicialmente e o restante aos herdeiros da vítima, segundo a ordem de vocação hereditária (art. 4.º da Lei 6.194/1974, com a redação dada pela Lei 11.482/2007). Desse modo, depreende-se que o valor oriundo do seguro obrigatório (DPVAT) não integra o patrimônio da vítima de acidente de trânsito (créditos e direitos da vítima falecida) quando se configurar o evento morte, mas passa diretamente para os beneficiários. Como se vê, a indenização do seguro obrigatório (DPVAT) em caso de morte da vítima surge somente em razão e após a sua configuração, ou seja, esse direito patrimonial não é preexistente ao óbito da pessoa acidentada, sendo, portanto, direito próprio dos beneficiários, a afastar a inclusão no espólio” (STJ, REsp 1.419.814/SC, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 23.06.2015, DJe 03.08.2015).

A propósito, em complemento a tais formas de julgar, outro aresto, procura resumir qual a posição do Superior Tribunal de Justiça a respeito da legitimidade do espólio, da seguinte maneira:

“Processual civil. Ação de indenização por danos morais e materiais. Morte de familiar. Demanda ajuizada pelo espólio. Ilegitimidade ativa. Nulidade que não se proclama. Instrumentalidade das formas. Aplicação. Prosseguimento do feito após a emenda da inicial. 1. A jurisprudência tem, de regra, conferido soluções diversas a ações i) ajuizadas pelo falecido, ainda em vida, tendo o espólio assumido o processo posteriormente; ii) ajuizadas pelo espólio pleiteando danos experimentados em vida pelo de cujus; e iii) ajuizadas pelo espólio, mas pleiteando direito próprio dos herdeiros (como no caso). 2. Nas hipóteses de ações ajuizadas pelo falecido, ainda em vida, tendo o espólio assumido o processo posteriormente (i), e nas ajuizadas pelo espólio pleiteando danos experimentados em vida pelo de cujus (ii), a jurisprudência tem reconhecido a legitimidade do espólio. 3. Diversa é a hipótese em que o espólio pleiteia bem jurídico pertencente aos herdeiros (iii) por direito próprio e não por herança, como é o caso de indenizações por danos morais experimentados pela família em razão da morte de familiar. Nessa circunstância, deveras, não há coincidência entre o postulante e o titular do direito pleiteado, sendo, a rigor, hipótese de ilegitimidade ad causam. 4. Porém, muito embora se reconheça que o espólio não tem legitimidade para pleitear a indenização pelos danos alegados, não se afigura razoável nem condizente com a principiologia moderna, que deve guiar a atividade jurisdicional, a extinção pura e simples do processo pela ilegitimidade ativa. A consequência prática de uma extinção dessa natureza é a de que o vício de ilegitimidade ativa seria sanado pelo advogado simplesmente ajuizando novamente a mesma demanda, com a mesma causa de pedir e o mesmo pedido, alterando apenas o nome do autor e reimprimindo a primeira página de sua petição inicial. 5. Em casos com esses contornos, a jurisprudência da Casa não tem proclamado a ilegitimidade do espólio, preferindo salvar os atos processuais praticados em ordem a observar o princípio da instrumentalidade. 6. No caso em exame, como ainda não houve julgamento de mérito, é suficiente que a emenda à inicial seja oportunizada pelo Juízo de primeiro grau, como seria mesmo de rigor. Nos termos dos arts. 284, caput e parágrafo único, e 295, inciso VI, do CPC, o juiz não poderia extinguir o processo de imediato e sem a oitiva do autor com base em irregularidades sanáveis, somente cabendo tal providência quando não atendida a determinação de emenda da inicial. 7. Recurso especial provido para que o feito prossiga seu curso normal na origem, abrindo-se prazo para que o autor emende a inicial e corrija a impropriedade de figurar o espólio no polo ativo, nos termos do art. 284, caput e parágrafo único, e 295, inciso VI, do CPC” (STJ, REsp 1143968/MG, 4.ª Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 26.02.2013, DJe 01.07.2013).

Esse último acórdão é louvável por oportunizar, à parte, a possibilidade de emendar a petição inicial, corrigindo o polo ativo da demanda, em prol da instrumentalidade das formas, da celeridade e da economia processual, regramentos que esteiam o Novo Código de Processo Civil. Que bom seria se todos os julgadores brasileiros fossem movidos pelo mesmo espírito que guiou o decisum colacionado.

A findar a abordagem a respeito do espólio, não se pode esquecer que, realizada a partilha dos bens, a massa patrimonial de bens desaparece, não havendo mais a citada legitimidade. Assim julgando, mais uma vez do Superior Tribunal de Justiça, dando também a oportunidade para a correção do polo ativo da demanda: “encerrado o inventário, com a homologação da partilha, esgota-se a legitimidade do espólio, momento em que finda a representação conferida ao inventariante pelo artigo 12, V, do Código de Processo Civil. Dessa forma, é necessário que o Juiz possibilite, aos herdeiros, sua habilitação, em prazo razoável, para fins de regularização da substituição processual, por força dos princípios da celeridade e da economia processual” (STJ, REsp 1.162.398/SP, 3.ª Turma, Rel. Min. Massami Uyeda, j. 20.09.2011, DJe 29.09.2011).

DA HERANÇA COMO BEM IMÓVEL E INDIVISÍVEL. A CESSÃO DE DIREITOS

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