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A RESPONSABILIDADE DOS HERDEIROS ATÉ AS FORÇAS DA HERANÇA O ART 1.792 DO CÓDIGO CIVIL E A MÁXIMA INTRA VIRES HEREDITATIS

No documento Flávio Tartuce - Vol. 06.pdf (páginas 41-43)

Seguindo no estudo das regras gerais a respeito da sucessão, o art. 1.792 do Código Civil, a exemplo do seu antecessor, consagra a máxima sucessória intra vires hereditatis, estabelecendo que o herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança. Pelo mesmo dispositivo, ao herdeiro cabe o ônus de provar o excesso, salvo se houver inventário que a escuse ou afaste, demonstrando o valor dos bens herdados. A responsabilidade, em casos tais, deve ser proporcional à quota de cada herdeiro, não se cogitando a solidariedade entre os sucessores, que não é imposta pela norma jurídica.

Historicamente, é preciso anotar que, no Direito Romano, a responsabilidade do herdeiro pelas dívidas do falecido era ilimitada e absoluta, o que foi abrandado com o passar dos temas. Em 531 d.C., é criada, por Justiniano, a regra de que “o herdeiro só aceitará a sucessão que lhe é devolvida se, após o inventário, verificar que o ativo supera o passivo. Esse regime foi adotado na maioria dos países, como era no passado até a vigência do Código Civil de 1916. Realmente, aceitando a herança sem a ressalva de o fazer em benefício do inventário, o herdeiro assumia integral responsabilidade pelo resgate das dívidas do finado, sem qualquer que fosse o seu montante. O codificador de 1916 (art. 1.587) aboliu a regra, para consignar que a responsabilidade do herdeiro não excede as forças da herança, o que vale dizer que a aceitação é sempre a benefício do inventário, orientação seguida no Código Civil de 2002” (RODRIGUES, Sílvio. Direito..., 2007, v. 7, p. 25-26).

Várias são as consequências e concreções dessa premissa jurídica que constitui fundamental princípio sucessório, ao lado da droit de saisine. Vejamos, sucessivamente, seguindo sempre o intuito de ilustrar a prática das regras legais.

Como primeira decorrência, os herdeiros respondem pelas dívidas do de cujus somente até os limites da herança e proporcionalmente às suas quotas. A título de exemplo, o falecido deixou dois herdeiros e um patrimônio de R$ 500.000,00. Deixou, ainda, uma dívida de R$ 1.000.000,00. No caso descrito, cada herdeiro somente responde nos limites das suas quotas na herança, ou seja, em R$ 250.000,00.

Além dessa conclusão, como os herdeiros respondem dentro das forças da herança, eventual penhora de bens não pode recair sobre a meação dos cônjuges dos herdeiros casados pela comunhão parcial de bens, eis que excluídos da comunhão os bens recebidos por herança (nesse sentido: TJSP, Agravo de Instrumento 804.500.5/2, Acórdão 3.236.489, 8.ª Câmara de Direito Público, Itapeva, Rel. Des. Carvalho Viana, j. 03.09.2008, DJESP 15.10.2008).

Como terceira ilustração da máxima intra vires hereditatis, nos contratos impessoais, a obrigação do falecido transmite-se aos herdeiros. É o caso, por exemplo, da empreitada, como regra, nos termos do art. 626 do CC/2002. O ônus que é transmitido aos herdeiros vai até os limites da herança, conforme a precisa conclusão da jurisprudência superior (STJ, REsp 703.244/SP, 3.ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 15.04.2008, DJe 29.04.2008). Podem ser citados, em complemento, os negócios de transmissão onerosa de bens corpóreos, caso da compra e venda e do respectivo contrato preliminar. Ainda, nos casos de contratos bancários de financiamento, a morte do contratante não gera a sua extinção, respondendo os herdeiros até as forças do ativo recebido (por todos: TJDF, Recurso 2012.01.1.005292-6, Acórdão 650.605, 1.ª Turma Cível, Rel. Des. Teófilo Caetano, DJDFTE 06.02.2013, p. 339; TJRS, Apelação Cível 314613-88.2013.8.21.7000, 12.ª Câmara Cível, Santo Ângelo, Rel. Des. Mario Crespo Brum, j. 29.08.2013, DJERS 03.09.2013; TJMG, Apelação Cível 1.0518.10.014159-8/001, Rel. Des. Alvimar de Ávila, j. 21.11.2012, DJEMG 30.11.2012).

Por outra via, nos contratos pessoais ou personalíssimos (intuitu personae), a obrigação do falecido não se transmite aos herdeiros. Cite-se, de início, a prestação de serviços, que termina com a morte de qualquer das partes, conforme consta do art. 607 do Código Civil. O exemplo da fiança merece maiores digressões, eis que a condição de fiador não se transmite aos seus herdeiros, uma vez que o contrato é personalíssimo, fundado na confiança no fiador. No entanto, são transmitidas, aos herdeiros do fiador, as obrigações vencidas enquanto era vivo o garantidor, até os limites da herança. Essa é a correta interpretação do art. 836 do CC/2002, cuja redação é a seguinte: “a obrigação do fiador passa aos herdeiros; mas a responsabilidade da fiança se limita ao tempo decorrido até a morte do fiador, e não pode ultrapassar as forças da herança”.

Nos casos de obrigações solidárias passivas, se um dos devedores solidários falecer deixando herdeiros, cada um destes será obrigado a pagar a quota que corresponder ao seu quinhão hereditário, nos limites da herança. Apesar de o art. 276 da codificação civil não mencionar a ressalva final, assim deve ser interpretado. Assim, se o herdeiro receber uma herança de R$ 100.000,00, sendo a sua quota na dívida o montante de R$ 200.000,00, somente responderá pelo primeiro valor.

Sem prejuízo de todas essas aplicações, conforme conclui corretamente a jurisprudência, “o espólio sucede o de cujus nas suas relações fiscais e nos processos que os contemplam como objeto mediato do pedido. Consequentemente, o espólio responde pelos débitos até a abertura da sucessão, segundo a regra intra vires hereditatis” (STJ, REsp 499.147/PR, 1.ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, j. 20.11.2003, DJ 19.12.2003, p. 336).

A jurisprudência estadual também entende que “os sucessores do causador do acidente de trânsito respondem pelos prejuízos materiais suportados pelo demandante, até o limite da herança por eles recebida (CC, art. 1792). Os prejuízos materiais a serem reparados dizem respeito à diferença entre o valor de mercado do automóvel Vectra na data do acidente de trânsito, segundo a tabela FIPE, e o montante auferido com a sua venda (fl. 17), com correção monetária pelo IGPM a partir desta data e juros moratórios de 1% ao mês desde o evento danoso” (TJRS, Apelação Cível 556101-73.2012.8.21.7000, 12.ª

1.10

Câmara Cível, Viamão, Rel. Des. Mario Crespo Brum, j. 14.03.2013, DJERS 20.03.2013). Na mesma linha, a merecer destaque, cabe colacionar o seguinte aresto:

“Responsabilidade civil. Colisão envolvendo caminhão e veículo de passeio. Ressarcimento de danos materiais c.c. lucros cessantes. Improcedência. Incontroversa a culpa do motorista do carro que, em via de mão dupla, adentra na contramão. Óbito do motorista do carro. Ação proposta em face dos pais da vítima fatal, a fim de reaver os valores despendidos com conserto do caminhão e lucros cessantes. Questão controvertida nos autos que diz respeito à possibilidade de se responsabilizar os herdeiros do responsável pelo acidente. Observância dos artigos 943 C.C. 1.792 do CC/2002. Sentença reformada. Estando provada a culpa do motorista do veículo pela colisão, devida indenização aos autores, por provados os valores requeridos a título de danos materiais. Indevidos os referentes aos lucros cessantes que não foram cabalmente provados nos autos. Embora relevante observar que o dever de indenizar transmite-se aos herdeiros, no entanto, limitado às forças da herança, o processo de conhecimento deve culminar por uma sentença de mérito que contenha a resposta definitiva ao pedido formulado pelo autor. Se há ou não patrimônio do de cujus que possa responder pelo dano, não é aspecto a ser examinado aqui, e, sim, problema que será examinado e decidido no momento da execução. Recurso parcialmente provido” (TJSP, Apelação 9185852-66.2008.8.26.0000, Acórdão 6831418, 28.ª Câmara de Direito Privado, Patrocínio Paulista, Rel. Des. Manoel Justino Bezerra Filho, j. 28.05.2013, DJESP 05.07.2013).

Seguindo nos exemplos de incidência do art. 1.792 do Código Privado, no caso de ser desconsiderada a personalidade jurídica de uma empresa, nos termos do art. 50 do próprio Código Civil, e falecendo o sócio ou administrador, seus herdeiros devem responder pela dívida, mais uma vez nas forças da herança, desde que o citado limite de responsabilização seja provado pelos próprios herdeiros. Nessa linha, outro acórdão do Tribunal Paulista, assim ementado:

“Agravo de instrumento. Ação de cobrança em fase de cumprimento de sentença. Desconsideração da personalidade jurídica da devedora. Inclusão dos sucessores do sócio falecido no polo passivo da demanda, para responder até o limite da herança. Legitimidade reconhecida por decisão irrecorrida. Penhora sobre os ativos financeiros dos herdeiros que se justifica, uma vez que o inventário foi arquivado por desídia da própria inventariante, que deixou de apresentar as primeiras declarações e, consequentemente, de demonstrar o valor dos bens inventariados. Agravantes que não se desincumbiram do ônus de provar que o numerário penhorado supera as forças da herança, nos termos do artigo 1.792 do Código Civil. Constrição mantida. Recurso improvido” (TJSP, Agravo de Instrumento 0056368-78.2013.8.26.0000, Acórdão 6779918, 32.ª Câmara de Direito Privado, São José do Rio Preto, Rel. Des. Ruy Coppola, j. 06.06.2013, DJESP 13.06.2013).

Por fim, quanto aos exemplos da máxima intra vires hereditatis, podem ser mencionados os vários julgados trabalhistas que entendem pela responsabilização dos herdeiros do ex-empregador, nos limites da herança, pelas dívidas trabalhistas do falecido, dedução judicial que tem inúmeras consequências (por todos: TRT da 2.ª Região, AP 0109600-65.2001.5.02.0025, Acórdão 2012/0231136, 17.ª Turma, Rel. Des. Fed. Maria de Lourdes Antonio, DJESP 09.03.2012; TRT da 2.ª Região, AP 0206900-06.2000.5.02.0011, Acórdão 2012/0122140, 13.ª Turma, Rel. Des. Fed. Cintia Taffari, DJESP 15.02.2012; TRT da 3.ª Região, AP 17000-64.1996.5.03.0092, Rel. Juiz Conv. Paulo Maurício Ribeiro Pires, DJEMG 18.05.2012, p. 50; TRT da 9.ª Região, Processo 01009-1991-092-09-00-3, Acórdão 08257-2010, Seção Especializada, Rel. Des. Célio Horst Waldraff, DJPR 19.03.2010; e TRT da 2.ª Região, AP 00120-2008-311-02-00-0, Acórdão 2009/0326207, 4.ª Turma, Rel. Des. Fed. Paulo Augusto Câmara, DOESP 15.05.2009, p. 327).

DO PRAZO PARA ABERTURA DO INVENTÁRIO E PARA O SEU ENCERRAMENTO.

No documento Flávio Tartuce - Vol. 06.pdf (páginas 41-43)

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