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DA FORMAÇÃO POR COMPETÊNCIA À PRÁTICA DOCENTE REFLEXIVA

3.5 As contribuições de Schön para a formação de professores

O primeiro grupo de paradigmas advém da importante contribuição de Donald Schön (1992; 1993), professor de Estudos de Urbanismo e Educação no Massachusetts Institute of

Technology (MIT). Schön fundamentou-se em Dewey para desenvolver seus estudos, muito

embora não o tenha produzido especificamente para o campo educacional. Os seus livros, The Reflective Practitioner (1983) e Educating the Reflective Practitioner (1987), contribuíram para popularizar e estender ao campo da formação de professores as teorias sobre a epistemologia da prática. Ele pode ser considerado um dos autores de maior peso na difusão do conceito de reflexão.

A partir de seus estudos, Schön desenvolveu o conceito de profissional reflexivo e abordou a relação entre teoria e prática e a educação para a reflexão. Estudos estes que foram muito bem aceitos nos meios educacionais, a despeito de receberem, no Brasil, críticas. A expansão de suas ideias foi a mola propulsora para que a comunidade acadêmica buscasse a imagem de um professor mais ativo, crítico e autônomo em relação às suas ideias, escolhas e decisões. Para Alarcão (1996), Schön consegue contestar, entre outras coisas, a postura do profissional mero cumpridor de ordens que emanam de fora das salas de aula, e o faz com extrema maestria, sendo esta considerada uma de suas mais importantes contribuições.

Para Santos (2007), outra contribuição de Schön é a crítica que ele elabora acerca dos currículos dos cursos profissionais, por serem estruturados de tal forma que os conhecimentos teóricos e as técnicas das ciências básicas e aplicadas antecedem as atividades centradas na habilidade de usar teorias e técnicas para solucionar problemas práticos (p.21). Para Schön (1991), esses currículos caracterizam-se fundamentalmente pela separação entre a teoria e a prática na formação profissional, definindo a existência de disciplinas científicas e disciplinas pedagógicas. Essa concepção está relacionada a uma perspectiva tradicionalmente praticada pelas instituições de formação de professores.

Seguindo essa lógica, a autora afirma ainda que, para Schön, esse modelo apresenta limites de diferentes ordens. Primeiro, não leva em conta a existência de alguns fenômenos da prática que não se inserem no modelo da racionalidade, dentre eles a ―[...] complexidade, incerteza, instabilidade, singularidade e conflito de valores‖. Segundo, o modelo da racionalidade técnica se mostra incoerente, uma vez que desconsidera a reflexão, ao mesmo tempo em que dá centralidade à resolução de problemas na prática pedagógica. Finalmente, e em decorrência do exposto, por desconsiderar que existe um saber que se constitui no fazer,

ou seja, é mediante um exercício profissional que ele vai se constituindo e em decorrência disso e sem o exercício da reflexão, ― [...] passa-se a dar respostas imediatas a problemas que se enquadram na mesma estrutura de outros problemas já resolvidos, gerando rotina e repetição‖. (p.238).

Schön vai defender o modelo de formação do profissional reflexivo, a partir do conceito de reflexão-na-ação, definindo-o como o processo mediante o qual os profissionais (designados de práticos), nomeadamente os professores, aprendem a partir da análise e interpretação da sua própria atividade. A importância da sua contribuição consiste no fato de ele destacar uma característica fundamental, a de que ensinar é uma profissão em que a própria prática conduz necessariamente à criação de um conhecimento específico e ligado à ação, que só pode ser adquirido através do contato com a prática, pois se trata de um conhecimento tácito, pessoal e não sistemático. Um grupo de professores em formação pode receber um conjunto de conhecimentos, no entanto sua aplicabilidade nunca será linear, visto que os mesmos ganharão sentidos diferenciados no contato com a prática, embora possam ser resguardados pelo grupo os pressupostos epistemológicos.

No que diz respeito à concepção de conhecimento prático, afirma Clandinin (1986):

A concepção de conhecimento prático pessoal é a de um conhecimento experimental, carregado de valor, positivo e orientado para a prática. O conhecimento prático pessoal adquire-se por tentativas, está sujeito a mudanças, não pode ser entendido como algo fixo, objectivo e sem alteração... O conhecimento prático pessoal implica um ponto de vista dialéctico entre a teoria e a prática. (CLANDININ, 1986, p.20).

No entanto, isto gera instabilidades nos profissionais, e a busca por saberes passa a ser o ponto de equilíbrio. Constata-se que há uma crise de confiança nos profissionais. Schön, em suas pesquisas sobre a formação profissional – primeiramente de arquitetos - busca entender como se dá a aquisição dos saberes que os profissionais carregam, em particular dos que são denominados de bons profissionais.

Para a realização do processo reflexivo, o teórico destaca quatro elementos básicos: que os professores reflitam sobre sua linguagem, seu sistema de valores, sua compreensão e sobre o modo como definem seu papel. Todavia, na visão de Liston e Zeichner (1997, apud Contreras, 2002), Schön desvaloriza o significado que a análise e a transformação desses quatro elementos deveriam ter para a reflexão e para a mudança coletiva. Para os autores em tela, Schön levou em consideração apenas práticas individuais.

Para Schön (1993), abordar práticas docentes reflexivas de bons profissionais implica analisar as condições em que estas se desenvolvem e os efeitos das práticas adotadas, a fim de que os professores tornem-se sujeitos e transformadores do seu fazer docente - um prático, porém, reflexivo. Para ele, a visão do profissional como prático reflexivo propõe que a formação profissional seja baseada na epistemologia da prática profissional, situando os problemas técnicos dentro do marco da investigação reflexiva e a valorização da prática como momento de construção de conhecimento por meio de sua problematização, reflexão e análise.

Apoiando-se em pressupostos do pensamento de John Dewey, em particular a conceituação de experiência, Schön formula sua perspectiva em torno de três aspectos: a) Conhecimento-na-ação b) Reflexão-sobre-a-ação c) Reflexão-sobre-a-reflexão-na-ação. Para ele, o profissional, no seu fazer cotidiano, traz um conhecimento que utiliza para a solução de diferentes questões. Este é um conhecimento tácito, adquirido na prática. Segundo Alarcão (1996, p.18), ele ―[...] manifesta-se na espontaneidade, sendo, portanto, isento de sistematização, expresso na execução de uma dada tarefa, sem exigir uma reflexão prévia, mas que será problematizado‖. Na medida em que o profissional coloca para si as questões do cotidiano como situações problemáticas, ele está refletindo, buscando uma interpretação para aquilo que é vivenciado.

Segundo Schön (1983), o conhecimento-na-ação, a reflexão-sobre-a-ação e a reflexão-sobre-a-reflexão-na-ação possibilitam que o professor utilize o seu próprio ensino à mudança de suas práticas diárias em sala de aula. O professor assume-se como pesquisador (Stenhouse, 1975), ou seja, um questionador e investigador de sua prática, na tentativa de gerar mudanças. Porém, isso implica uma formação que vai além do conhecimento técnico desenvolvido nos antigos modelos de formação.

Para o teórico, quando o profissional faz esta reflexão ao mesmo tempo em que está vivenciando uma determinada situação, ele está a fazer uma reflexão na ação. Esta etapa permite uma reorientação da ação no momento mesmo em que se está vivendo. Se esta reflexão se dá após a ação e tem caráter retrospectivo, o profissional reflete sobre a ação. Neste caso, há certo distanciamento, um olhar distinto daquele que vivenciou aquela ação.

Ainda na análise realizada por Schön, sobre a epistemologia da prática, ele distingue entre o conhecimento-na-ação e a reflexão-na-ação. O conhecimento-na-ação é um tipo de conhecimento que as pessoas possuem ligado à ação, é um conhecimento sobre o como fazer as coisas. Ele é dinâmico e espontâneo e se revela através da atuação, mas que se tem especial dificuldade em tornar verbalmente explícito. Diferentemente, a reflexão-na-ação supõe uma

atividade cognitiva consciente do sujeito, que se leva a cabo enquanto se está atuando. Como assinala Schön, consiste em pensar "[...] sobre o que se está fazendo, enquanto se está fazendo" (1983, p. 26). Através da reflexão-na-ação, o professor, o prático reage a uma situação de indeterminação da prática, com um diálogo reflexivo mediante o qual resolve problemas e, portanto, gera ou constrói conhecimento novo. Vale ressaltar que, neste contexto, até a improvisação desempenha papel importante no processo de reflexão-na-ação, uma vez que o professor tem que ter a capacidade de variar, combinar e recombinar, em movimento, um conjunto de elementos de uma dada situação, muitas vezes alternativa, ao que foi anteriormente planejado.

Nesta direção, Schön alega que o processo de formação, principalmente dado em universidades, segue um percurso e apresenta um esquema que distancia a teoria da prática, pois, primeiro é fornecida ao aluno a teoria, e só ao final do curso ele vivencia algum tipo de estágio prático. Deste modo, tem relevância um conhecimento aplicado, em que a teoria traz em si mesma as questões que poderiam ser suscitadas pela prática e, ao mesmo tempo, a sua solução. Nesta perspectiva, estas instituições formadoras reafirmam o paradigma da racionalidade técnica, ao privilegiar o saber acadêmico em detrimento do saber prático.

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