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OCUPAÇÃO, DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E DEMANDAS EDUCACIONAIS NO ESTADO DO ACRE

1.1 O processo de ocupação do espaço acriano: antecedentes histórico-geográficos

O Estado do Acre situa-se numa área de 153.149,9 km², de rica diversidade regional, ocupando 3,9% da Amazônia, o que representa 1,8% do território brasileiro. Apresenta, segundo Santos e Silveira (2001), como característica de seus espaços, a rarefação,

viscosidade, lentidão e opacidade4, decorrentes das dificuldades no acesso rodoviário, fluvial

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Conceitos cunhados por Santos e Silveira (2001) em estudo em que os autores analisam o território brasileiro no início do século XXI. A partir de uma nova visão da regionalização, denominada de ―Quatro brasis‖, os autores evidenciam as dualidades e contradições, as zonas de densidade e rarefação e a caracterização dos espaços que mandam e espaços que obedecem. O conceito de rarefação para os autores sobrepuja o de baixa densidade demográfica, agregando a ele a baixa presença de ―coisas, objetos, movimento das coisas, tecnologias de comunicação e informação, do dinheiro e das ações e das técnicas‖. O Conceito de viscosidade refere-se às características de baixa presença de meio técnico informacional, circulação, equipamentos e a tudo que viabiliza

e informacional entre os municípios e a capital, principalmente em algumas épocas do ano e outras regiões do país. Essas características terminam por constituir nichos de completo isolamento que impediam, e em alguns municípios continuam impedindo, o acesso da população a bens e serviços. Esta realidade dificultou, também, durante muitos anos, o acesso dos professores à formação, principalmente em nível superior, contribuindo para reforçar incisivamente as desigualdades regionais e locais.

No que diz respeito ao processo de ocupação do espaço acriano, segundo Calixto (1982), a região onde está situado o Estado do Acre era, por volta do século XVII, antes da chegada dos colonizadores, habitada por índios pertencentes a cinquenta grupos indígenas. A região dividia-se em dois troncos linguísticos: os aruaques, que habitavam inicialmente a região do Rio Purus, e os Panos, na região do Rio Juruá.

Há um consenso na literatura de que o processo de ocupação não indígena desse espaço data das primeiras décadas da segunda metade do século XIX, com o avanço das frentes populacionais nordestinas impulsionadas pela expansão da economia extrativista da borracha.

Embora não se possa desconsiderar que o processo de ocupação e colonização contou a princípio com o trabalho dos indígenas que, de acordo com Alves Neto (2002), eram responsáveis em conduzir canoas como remadores, guiar os exploradores em meio à floresta densa, erguer vários tipos de edificações, além de coletar as drogas do sertão que eram enviadas à Europa. ―Foi um trabalho de intensa exploração mesmo com a resistência de inúmeros grupos indígenas‖. (p.20).

Destaca-se, no entanto, que o marco decisivo na ocupação de terras acrianas se deu na década de 70 do século XIX, quando o Nordeste enfrentou uma seca, até então, sem precedentes na história, o que levou a um intenso processo de migração para terras na região Amazônica, em especial na região onde está localizado o Acre. Segundo Barros (1981), a ocupação se deu por etapas numa terra vasta e deserta, por homens que vinham tangidos pelas dificuldades encontradas em sua terra natal ou pelo espírito aventureiro, à semelhança dos portugueses quando vieram para o Brasil.

a criação de condições para maior circulação dos homens, produtos, mercadorias, dinheiro, ordens, etc. ―A ideia de espaços da rapidez e espaços da lentidão também pode ser cotejada com a noção de espaços do mandar e do fazer e de espaços do mandar e do obedecer, admitindo-se que o fazer sem mandar e o obedecer podem produzir a necessidade da existência de vias sem, obrigatoriamente, ostentar a mesma presença que nos espaços de mandar‖ (p.263). A opacidade refere-se à dificuldade de um espaço de acumular densidades técnicas e informacionais, ficando assim inapto a atrair atividades com maior conteúdo em capital, tecnologia e organização

Somado a isto, houve o declínio e a desarticulação da economia canavieira no nordeste, e, na década seguinte, a libertação dos escravos, fatores que concorreram para o enfrentamento de sérios problemas socioeconômicos na região. O que de fato gerou o grande fluxo migratório, no entanto, foi a necessidade econômica da borracha no mercado internacional, em decorrência do avanço da indústria pneumática e automotiva na Inglaterra e nos EUA. Neste sentido, a ocupação das terras acrianas foi inevitável considerando que em sua área territorial ocorria grande concentração de seringueiras (hévea brasiliensis). Para Silva (1999):

[...] nas origens do processo de ocupação das terras acreanas está o avanço do capital mercantil e industrial em terras brasileiras e não brasileiras no século XIX, viabilizado pela aliança com a classe dominante brasileira, através do governo central, impulsionando a transferência de contingentes populacionais do nordeste, em que dada a situação já exposta, tinha mão-de- obra sobrando e, a Amazônia tinha como empregá-la. (p. 153).

Há que se ressaltar ainda que, na perspectiva do autor, para que houvesse a expansão e desenvolvimento da economia extrativista na Amazônia, a presença de três fenômenos espaciais foi determinante: a condução da mobilidade da mão-de-obra nordestina para a região, a ocorrência de grande concentração de seringueiras e a denominada ―limpeza indígena‖.

A ―limpeza indígena‖ foi marcada pela situação em que, atendendo aos interesses dos futuros proprietários – os seringalistas, os nordestinos foram desafiados a expulsar e exterminar populações indígenas, como forma de promover a desocupação da área de trabalho. Conforme Calixto et al. (1985), por volta de 1870, período da ocupação dessas terras, na região viviam aproximadamente 250.000 indígenas. Dados atuais revelam que a população indígena do Acre é estimada em pouco mais de 10 mil pessoas e é formada por 12 diferentes etnias. Mas ainda existem as etnias isoladas, ou seja, sem contato algum com a sociedade nacional, que tem o seu território tradicional ao longo da fronteira internacional Brasil-Peru. Nas últimas duas décadas, frequentes conflitos seguidos de mortes envolveram os grupos isolados, regionalmente conhecidos como "brabos", e os povos kaxinawa, ashaninka, kulina, manchineri e os seringueiros que ocuparam seus territórios, o que demonstra ser este um conflito muito antigo e quase permanente.

No entanto, à medida que a área ia sendo limpa e os índios iam sendo expulsos e/ou exterminados, segundo o autor supracitado, abriam-se condições para que o capital, mediante

a condução da mobilidade da mão-de-obra nordestina e a ocorrência de grande concentração de seringueiras, promovesse a produção da borracha em larga escala.

O seringal passa a compor, na Amazônia e no Acre, a unidade econômico-social mais expressiva, e a organização produtiva passa a ser baseada no denominado ―Sistema de Aviamento‖.

O aviamento, termo cunhado na Amazônia, é um sistema de adiantamento de mercadorias a crédito. Começou a ser usado na região na época colonial, mas foi no ciclo da borracha que se consolidou como sistema de comercialização e se constituiu em senha de identidade da sociedade amazônica. Depois do ciclo da borracha, o aviamento continuou sendo igualmente dominante em todas as esferas da produção.

No sistema de aviamento, há uma cadeia de fornecimento de mercadoria a crédito, ou seja, o comerciante ou aviador adianta bens de consumo e alguns instrumentos de trabalho ao seringueiro. O escambo era usual nestas relações e as negociações eram feitas sem a intermediação do dinheiro. O que ocorria de fato era o endividamento prévio e contínuo do seringueiro com o patrão e a obrigatoriedade daquele em restituir a dívida contraída com produtos extrativos.

Nesse sistema, havia uma extração de valor do produtor para os seringalistas, produzindo-se uma espiral que extrai renda do trabalho extrativista e acumula na fonte da cadeia aviadora, que são empresas financiadoras de Belém e Manaus e no sistema bancário internacional. Neste sistema,

[...] eram as relações de produção que articulavam o seringueiro, seringalista, aviador e o exportador como agentes participantes de um processo que funcionava sob a denominação imediata visível do capital mercantil (...) as casas exportadoras estavam diretamente ligadas ao capital monopolista internacional e era este que em última instância detinha controle do sistema de aviamento. (SILVA, 1999, p.24).

Assim, conforme demonstrado na FIG.1, no sistema de aviamento, as relações de produção se davam atreladas a uma hierarquia social na qual uma parte era sempre presa a outra. O capital monopolista internacional concedia crédito às casas aviadoras de Belém e Manaus, estas financiavam os seringalistas na compra de equipamentos e mercadorias, para garantir o funcionamento e a produtividade dos seringais, os seringalistas por sua vez aviavam, ou seja, concediam crédito aos seringueiros.

FIGURA 1 - Pirâmide do Processo Produtivo

Vale ressaltar que o seringueiro localizava-se no posto mais baixo do processo produtivo, tornando-se, em função do endividamento, um trabalhador compulsório para o seringalista, pois começava a dever desde sua saída do Nordeste. Todas as despesas da viagem e de material/equipamentos para o trabalho eram financiadas pelo seringalista, que cobrava pelo investimento. Ao chegarem aos seringais, os seringueiros já estavam presos aos patrões.

Era essa relação que garantia o aprisionamento do seringueiro nordestino ao barracão, ao seringalista fazendo-o permanecer no seringal, para ampliar a produção gumífera (...) tendo em vista que concentrava todos os seus esforços na extração do látex (...) cumprindo ordens instituídas de proibição a qualquer tipo de cultivo agrícola. Isolado da família (...) vivia de sonhos, na esperança de conseguir dinheiro com a produção da borracha e um dia retornar à sua terra de origem com a vida bem estruturada. (ALVES NETO, 2002, p. 23).

Segundo Ianni (1979), ―[...] essas relações tinham como base o endividamento permanente em que faziam do seringueiro [...] um singular prisioneiro do próprio trabalho. Trabalhava para saldar dívidas, manter-se e seguir trabalhando, para saldar dívidas, manter-se e assim por diante sempre‖. (p.50).

De acordo com Silva (1999), sua função era exclusivamente produzir borracha. Qualquer outra atividade estava proibida, abrindo-se exceção para a coleta de castanha por esta ocorrer em estação invernosa, e, em períodos de crises na economia, para livrar-se das dificuldades os seringueiros eram autorizados a desenvolver lavouras de subsistência.

O seringal, em toda a sua extensão, correspondia à propriedade do seringalista. Nesta área, seu poder era absoluto. O seringal era composto de várias colocações (termo utilizado para especificar área territorial explorada por um seringueiro composta de uma clareira, um tapiri (casa do seringueiro) e barraco de serviço onde ficava o defumador). Ressalta-se ainda que, no regime de produção nos seringais, o seringueiro viveu o que Martins (1997, apud Simeone, 1999) caracterizou como escravidão por dívida, em que o seringalista submete o seringueiro à extrema sujeição, prende-o ao seringal, assegura mão de obra e dificulta sua evasão.

Até o início do século XX, o território onde está situado o Acre pertencia à Bolívia, que, em 1899, fundou a vila de Puerto Alonso e passou a cobrar impostos na tentativa de assegurar domínio da área. No entanto, a despeito de tudo que acontecia na vida e nas relações produtivas nos seringais, com a descoberta do seu potencial de riquezas naturais e a importância política no contexto mundial, no final da década de 1800, o Acre tornou-se área de litígio entre o Brasil e a Bolívia.

Entretanto, na luta, os brasileiros, por não contarem com o apoio do governo, criaram um território, denominando-o de Estado Independente do Acre. Ainda no final do século XIX, o governo brasileiro dissolveu o estado criado e reconheceu oficialmente o direito da Bolívia ao território em litígio. Contudo, seringalistas e seringueiros inconformados com a decisão, iniciaram uma luta armada, conhecida como Revolução Acreana, liderada por Plácido de Castro, que depois de derrotar o exército boliviano, exigiu a anexação do Acre ao território brasileiro. A vitória desse movimento sangrento de insurreição acriana teve sua vitória oficializada em 1903, com a assinatura do Tratado de Petrópolis dando posse ao Brasil das terras do Acre.

Com a assinatura desse tratado, em 17 de novembro de 1903, o governo brasileiro resolvia com a Bolívia e, posteriormente, com o Peru, a questão das terras do Acre (Cf. Calixto et al.,1985). Depois de um impasse sobre quem governaria o Acre, em fevereiro de 1904, o Congresso Nacional atribuiu à Presidência da República esta incumbência.

No mesmo ano, como forma de proteger o novo território e garantir os interesses econômicos, a nova terra foi dividida em três departamentos descentralizados e vinculados à Presidência da República: o do Alto Acre, com sede na cidade de Rio Branco; o do Alto Purus, com sede em Sena Madureira; e o do Alto Juruá, com sede em Cruzeiro do Sul.

Há de se considerar que, a despeito das mudanças ocorridas no plano político/administrativo, do ponto de vista econômico, as relações produtivas permaneciam como no final do século passado.

A partir de 1912, a borracha produzida no Sudeste Asiático passa a fazer concorrência direta com a produzida na região amazônica, o que fomentou a queda das casas aviadoras de Belém e Manaus. O fato contribuiu para a inadimplência de grande contingente de seringalistas, levando-os à falência. A maioria dos seringais acrianos ficaram, praticamente, abandonados pelos seringalistas, o que concorreu para a liberação parcial da mão de obra do seringueiro. Contudo, outros foram arrendados tendo os seringueiros como força de trabalho.

Pode-se dizer que a partir de então, ainda que de forma tímida, o agravo econômico vai impulsionar os seringueiros a tomar posse das terras nas colocações e partir para uma produção familiar agrícola, readaptando-se ao cultivo da terra como forma de garantir a sobrevivência. Na condição de posseiro, ele passou a ter maior autonomia produtiva.

Ainda em 1912, em conformidade com a FIG. 2, por meio do Decreto Presidencial nº 9.813, de 23 de outubro de 1912, foi dada uma nova organização político-administrativa e jurídica ao Território do Acre. Além de desmembrar o Departamento do Alto Juruá, criando o Departamento do Alto Tarauacá, com sede em Seabra, foram criados cinco municípios: Rio Branco, Sena Madureira, Xapuri, Cruzeiro do Sul e Seabra.

FIGURA 2 - Mapa do Acre: Divisão em Departamentos de 1912

Fonte: Acre (1991). Extraído de SILVA, 2010.

Por meio do Decreto Presidencial nº 14.383, de 01 de janeiro de 1920, foram extintos os Departamentos, e o Acre foi elevado à categoria de Território Federal. Embora mantida a divisão municipal de 1912, define-se a cidade de Rio Branco como capital territorial. No ano de 1938, o Presidente Getúlio Vargas, por meio do Decreto-Lei nº 968, de 21 de dezembro

1938, criou mais dois municípios: o de Brasília, mais tarde denominado de Brasiléia e o de Feijó, conforme demonstrado na FIG. 3.

FIGURA 3: Mapa do Acre: reorganização administrativa de 1938/1942 Fonte: Acre, (1991). Extraído de SILVA, 2010.

Embora a borracha natural brasileira tenha entrado em franco processo de decadência, a partir da segunda década do século XX, a economia é revitalizada no período da II Guerra Mundial, financiada pelos Estados Unidos como estratégia de economia de guerra. Entretanto, uma vez terminada a guerra, com a retirada dos incentivos norte-americanos, a decadência da produção de borracha se consuma. Paralelamente à decadente produção extrativista do látex, os seringueiros vão sendo liberados para a agricultura de subsistência.

Em decorrência do exposto, o governo do então Território Federal do Acre passou a desenvolver uma política de reassentamento das famílias em colônias agrícolas, localizadas em antigos seringais desapropriados e loteados para este fim, porém mais próximos das cidades. Segundo Calixto et al., 1985, a ocupação de áreas próximas às cidades seria uma possibilidade de se rearticular economicamente ao mercado e manter a sobrevivência familiar em bases mais sólidas.

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