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OCUPAÇÃO, DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E DEMANDAS EDUCACIONAIS NO ESTADO DO ACRE

1.3 As implicações do processo de ocupação nas demandas educacionais

Não tem como dissociar a constituição e o desenvolvimento da educação no Acre de seu processo de ocupação e dos desdobramentos dos fatos dele decorrentes, principalmente,

em consequência da economia extrativista. Para Alves Neto (2002), durante toda a história acriana, a institucionalização do processo de ensino ocorreu de forma conflituosa, numa sociedade claramente demarcada por interesses antagônicos entre seringalistas e seringueiros (p. 39).

Embora haja consenso que, durante os primeiros cinquenta anos do processo de ocupação das terras acrianas, não se tenha tido qualquer preocupação com questões relativas à educação e muito menos com a institucionalização da escola, o início do século XX foi marcado por iniciativas nesta direção.

Na ausência de escolas e de professores institucionalizados, o estudo das primeiras letras e dos cálculos ficava sob a responsabilidade das pessoas mais esclarecidas que ensinavam os filhos dos seringalistas e recebiam pelo serviço prestado. Raramente os filhos dos seringueiros tinham acesso ao saber. Mais tarde, esse acesso foi permitido aos comboieiros que eram responsáveis em levar as mercadorias para os seringueiros e trazer a borracha ao seringalista; aos mateiros que tinham a tarefa de identificar as áreas da floresta que continham o maior número de seringueiras; aos toqueiros que abriam as estradas de seringas e a poucos filhos de seringueiros. O acesso ao saber era permitido como forma de contribuir nas tarefas inerentes à economia extrativista da borracha.

Com a formação dos núcleos urbanos, a escola surgiu como necessidade de possibilitar maior acesso ao saber escolar; não foi uma dádiva ou garantia de um direito social, mas foi criada sob pressão das comunidades. No entanto, dada a distância entre os núcleos urbanos, os filhos dos seringueiros ficaram quase sempre à margem dessa possibilidade, considerando a localização, a distância e as dificuldades de acesso entre as colocações nos seringais e os referidos núcleos.

Segundo o autor supracitado, os seringueiros nordestinos viam o quanto era importante e necessário possuir conhecimentos mínimos para não serem enganados pelo patrão seringalista. Em muitos casos se tem registros orais de que, após exaustiva jornada de trabalho e extensa caminhada pela floresta, os seringueiros alfabetizados se propunham, sob a luz de lamparina, ensinar as primeiras letras a seus filhos e aos familiares.

Nesta condição, dominar a leitura, a escrita e a tabuada passa a representar e a assegurar poderes. O seringueiro, de posse desse poder, passa a fazer frente de resistência à dominação do seringalista, a acreditar na possibilidade de controlar sua produção, livrando- se da dependência econômica, e a acreditar numa vida melhor.

O marco da educação formal tem seus registros a partir das ações desenvolvidas no Departamento do Alto Juruá. Ressalta-se que em relatório de Governo, elaborado e divulgado

em 1909, até setembro de 1904 não havia nenhum estabelecimento de ensino no Departamento do Juruá, tendo sido instituídos a partir de 1906. No ano de 1907, já se podia contar com nove estabelecimentos de ensino primário.

Entretanto, com a crise de 1912, o agravo na economia extrativista da borracha, o fechamento das casas aviadoras em Manaus e Belém, o abandono de muitos seringais e do processo de criação e fortalecimento administrativo de vilas e municípios, o território começou a organizar de forma rudimentar seu embrião de sistema de ensino, em decorrência do fluxo migratório dos seringais e formação dos pequenos vilarejos. Em 1913, o número de escolas cresce para 24.

No relatório de 1913, apresentado pelo governador do território Francisco Siqueira de Rego Barros, tem-se os registros de implantação dos Grupos Escolares no Território do Acre, no Departamento do Alto Juruá, como uma nova forma de organizar a instrução e atender um maior número de crianças em um mesmo espaço, sob uma única direção. Em Rio Branco, capital territorial, a primeira escola mantida pelo Governo do Território foi inaugurada em 1915. Os professores eram leigos, e a realidade apontava para um índice alarmante de analfabetismo, sendo reduzido o número de pessoas capazes de contribuir com a instrução primária. Não se registra, até então, nenhuma formulação ou implementação de política que se propusesse dar conta da formação dos professores.

A Lei nº 44, de 20 de novembro de 19155, no artigo 8º, determinava que a intendência nomeasse inspetores para as escolas, aos quais competia remeter trimestralmente à intendência um mapa demonstrativo de frequência e aproveitamento dos alunos. Exerciam ainda criteriosa fiscalização, tomando qualquer providência que o caso exigisse quando fossem identificadas irregularidades cometidas pelo professor. No artigo 9º, assegurava que nenhum pagamento seria feito aos professores subvencionados, sem que fosse a conta acompanhada do quadro demonstrativo da frequência dos alunos, o qual deveria ser visado e atestado pelo inspetor.

Outro elemento de destaque nesta conjuntura foi a criação dos chamados grupos escolares. Em Rio Branco, o Grupo escolar Territorial foi inaugurado no final do ano de 1922 e foi denominado de Grupo Escolar 07 de Setembro. Neste ano, foi instituído ainda o Regulamento de Instrução Pública do Território do Acre, cujo artigo 24 estabelecia que a criação de um novo grupo escolar se daria quando a frequência média exigir a organização de quatro cadeiras de ensino, uma para cada ano, regida por uma professora. Estabelecia também

que, em cada município, deveria haver pelo menos um grupo escolar obedecendo aos critérios estabelecidos.

Destaca-se que, neste regulamento, o ensino público primário é defendido como laico, graduado, obrigatório e gratuito. Compreendia quatro anos, obedecendo a uma ordem ascendente, e dividia-se em elementar e complementar. No elementar, o aluno cursava os dois primeiros anos de ensino e, no complementar, os dois últimos.

Nos grupos escolares, como anteriormente mencionado, deveriam funcionar 4 turmas, uma para cada classe e professora. Entretanto, as escolas isoladas urbanas ou rurais funcionariam com uma única turma, com os alunos distribuídos em classe, mas no mesmo espaço, oferecendo apenas o ensino primário elementar (1º e 2º anos).

Segundo artigos de jornal do Centro de Documentação Histórica – CDIH 053, o relatório de governo de 1925, apresentado pelo Dr. Cunha Vasconcelos, apontava que, no Território do Acre, havia neste ano 05 Grupos escolares, um em cada sede do município: Rio Branco, Xapuri, Sena Madureira, Seabra e Cruzeiro do Sul, 70 escolas isoladas que, somadas às 40 municipais, elevava para 110 o número total de escolas. No entanto, a demanda permanecia crescente. No mesmo relatório, consta também um anexo no qual são nominados os grupos escolares: 07 de Setembro, no município de Rio Branco; 06 de Agosto, em Xapuri; Francisco Sá, em Sena Madureira; João Ribeiro, em Seabra, que posteriormente foi chamado de município de Tarauacá, e Barão do Rio Branco, em Cruzeiro do Sul.

O relatório de governo de Hugo Carneiro, divulgado em 1930, apresenta a existência de 105 escolas territoriais e municipais em todo o território. Destas, seis eram grupos escolares, sendo dois em Rio Branco: Sete de setembro (Territorial) e 24 de janeiro (municipal) e os demais um em cada município: Xapuri, Sena Madureira, Seabra e Cruzeiro do Sul. As demais eram escolas isoladas em áreas urbanas e rurais.

O Regulamento de Instrução Pública, de maio de 1930, estabelecia que o ensino primário fosse ministrado em quatro séries. O primeiro ano compreendia a alfabetização e as noções dos primeiros conhecimentos gerais. Nos outros anos, eram ministrados os primeiros conhecimentos em marcha progressiva, de maneira que o aluno ficasse preparado para o ingresso nos cursos normal e secundário. O regulamento assegurava também a possibilidade de, no primeiro ano, os alunos serem divididos em turmas diferentes a depender de seu grau de adiantamento.

O artigo 10 estabelecia que o ensino primário deveria ser ministrado em cinco tipos de escola: escolas ambulantes, que tinham como objetivo a difusão da alfabetização e conhecimentos rudimentares de higiene, educação cívica, agricultura, durante um ano letivo, e

correspondia apenas ao primeiro ano da instrução primária; em escolas rurais; escolas urbanas; escolas noturnas e grupos escolares. No entanto, no Regulamento de Instrução Pública de 1934, houve uma alteração: o ensino primário passa a ser oferecido também nas denominadas escolas isoladas ambulantes, escolas isoladas fixas, além dos grupos escolares. Em todas estas escolas e ao longo de todo este período, a frequência era mista, ou seja, meninas e meninos frequentavam os mesmos espaços de educação formal.

O cenário político e econômico do território gerava uma demanda crescente por novas matrículas nas escolas existentes. Segundo matéria publicada no jornal O ACRE, de 11 de agosto de 1935, o governo estabeleceu que, para diminuir o grande número de crianças na primeira série e como forma de aumentar o acesso, deveria ser feito um exame no meio do ano com os alunos da turma mais adiantada, e, se estes obtivessem a média superior a 50, a matrícula destes alunos deveria ser transferida imediatamente para a segunda série. Sem entrar no mérito da avaliação, esta pode ser considerada uma política pública formulada e implementada no sentido de ampliar a oferta por meio da garantia do acesso. No entanto, observa-se ao longo de todo este período a ausência de qualquer política que demonstrasse preocupação com a melhoria do trabalho do professor, muito menos com sua formação ou qualificação.

Na segunda metade da década de 1930, com o apoio da Prefeitura Municipal de Rio Branco, foi implantado o primeiro curso de formação de professores primários. O decreto de criação estabelecia que todos os seus atos estariam sob aquiescência da administração do Governo Territorial.

No que diz respeito à formação de professores, o Curso de Magistério foi organizado em quatro séries. Para o ingresso, eram dispensados exames admissionais dos candidatos portadores de diploma do curso primário e dos professores em exercício. As turmas tinham em média 20 alunos, no entanto a evasão era bastante elevada ao longo do curso, justificada pela ausência de professores habilitados e com tempo disponível ao exercício do magistério, pois muitos professores optavam por assumir cargos e funções na administração pública.

Em 1938, o referido curso foi suspenso por dificuldades financeiras, falta de apoio do Governo Federal e ausência de professores habilitados. No ano seguinte, voltou a funcionar sob administração particular, e os professores lecionavam de forma filantrópica.

Este quadro demonstrava que a situação educacional do Acre era deficitária e marcada pela ausência de profissionais qualificados para formar um quadro docente que atendesse, de forma permanente, aos alunos do ginásio e do curso de formação de professores primários. Em 1942, com a criação do Fundo Nacional do Ensino Primário, a União e os estados

firmaram convênios, como forma de garantirem a expansão quantitativa e qualitativa do ensino. Neste mesmo ano, seguindo a orientação do INEP, o governo acriano institucionalizou a Escola Normal Lourenço Filho e contratou professores de outras regiões do país, habilitados para preparar os professores primários e ministrar cursos de aperfeiçoamento para o magistério público estadual.

A década de 1950 foi marcada nacionalmente por uma concepção desenvolvimentista, com a plena abertura do país aos investimentos estrangeiros. Na esteira desses investimentos vieram também os acordos de cooperação técnica e financeira firmados entre o governo brasileiro e os Estados Unidos. Um desses acordos foi assinado em 1956, para a constituição de um programa de assistência ao ensino primário, visando à qualificação de elevado número de professores leigos, habilitando-os à utilização de material didático e metodologias que pudessem favorecer o processo de escolarização e a melhora dos índices de evasão e repetência na educação brasileira. Como o "fracasso" da escola primária foi atribuído à baixa qualificação do corpo docente, a estratégia entendida como mais adequada para a melhoria dos índices de escolarização era então o investimento na formação do professor primário. Assim, os altos índices de evasão e repetência escolar exigiam uma reformulação, e o acordo com a agência americana USOM/B (United States Operation Mission/Brazil) foi a solução encontrada para o aprimoramento do ensino naquele momento.

O PABAEE - Programa de Assistência Brasileiro-Americana ao Ensino Elementar, objeto do acordo, trouxe alterações significativas ao ensino primário no país. Minas Gerais foi um espaço crucial de implantação e disseminação do programa, sendo responsável, à época, pela formação de um grupo de professores do Estado do Acre.

Como anteriormente mencionado, o início da década de 1960 foi marcado pelos movimentos em prol da elevação do Acre à categoria de Estado. A conquista foi outorgada em 1962, e isto transformou radicalmente sua economia, administração, a sociedade e a estruturação do sistema de ensino.

Dados do IBGE dão conta de que, em 1960, a população do Acre era estimada em 160.000 pessoas, ao mesmo tempo em que apontava para a existência de aproximadamente 120.000 pessoas analfabetas. No ensino primário, dentre as quase 30.000 crianças que demandavam por escolarização, apenas 10.000 tinham acesso a ela. A única escola normal pública do Estado era localizada na capital, o que impedia ou dificultava a formação de novos professores. Destaca-se que, neste período, ainda não existia curso superior para a formação de professores.

A preocupação com a melhoria da qualidade de ensino gerou a elaboração de um conjunto de medidas que compunha o plano de metas do governo. O sistema de ensino estruturou-se na capital e no interior do Acre, representando o período de maior efervescência a partir das inúmeras experiências educacionais: Curso Supletivo do Sistema Rádio Educativo Nacional, Escolas Agrícolas, Educação pré-primária e ampliação do Curso Secundário.

Todavia, o ensino de primeiro ciclo continuava sendo ministrado em quase sua totalidade por professores leigos, e a rede escolar era insuficiente, não conseguindo atender à demanda, com elevado déficit de matrículas no ensino primário. A dificuldade de se estruturar o ensino primário, neste período, pode ser atribuída, prioritariamente, à dispersão da população no meio físico-geográfico e as condições naturais: o clima, considerando o longo período da estação invernosa, a hidrografia e a vegetação. Vale ressaltar que estas condições se constituem, até os dias atuais, em obstáculos ao desenvolvimento regional. Nos municípios de Manuel Urbano, Jordão, Santa Rosa, Porto Walter e Marechal Thaumaturgo, o acesso ainda é feito durante todo o ano somente por via aérea, por via fluvial no inverno e por via terrestre somente para Manuel Urbano no período do verão. Portanto, a ausência de professores qualificados para este fim se constituía também em um problema regional neste período.

As poucas escolas existentes precisavam da viabilização de melhores condições de trabalho e ensino. Desde aquela época, até o final da década de 1990, o elevado número de alunos em salas multisseriadas, a carência de livros e outros materiais pedagógicos, a falta de infraestrutura física e de professores formados se constituíram em fatores determinantes na inviabilização do sistema de ensino.

1.4 A política educacional acriana no contexto da conquista da sua autonomia: limites e

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