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As diferentes tradições no campo da formação de professores na perspectiva de Zeichner e Liston

DA FORMAÇÃO POR COMPETÊNCIA À PRÁTICA DOCENTE REFLEXIVA

3.7 As diferentes tradições no campo da formação de professores na perspectiva de Zeichner e Liston

No terceiro grupo de paradigmas, localizam-se os estudos de Zeichner e Liston (1997) que, desenvolvidos na década de 1990, a partir de uma análise do contexto americano, vão discutir diferentes correntes que influenciam e orientam a formação docente. De acordo com as análises de Santos (2007), para os teóricos não existe uma corrente que seja pura, os cursos de formação de professores refletem uma mescla dessas orientações. Entretanto, destaca-se a disputa entre elas pelo prestígio e hegemonia.

Zeichner e Liston assinalam a importância de se conhecerem as tradições da prática na formação de professores para se perceberem as diferenças entre as propostas de reforma, especialmente, as contemporâneas. Os teóricos assim as definem como: a tradição acadêmica, a da eficiência social, a desenvolvimentista e a reconstrucionista social.

Ainda em conformidade com Santos (idem), na orientação de formação denominada de Tradição Acadêmica, o professor é visto como um especialista das disciplinas do currículo escolar, entretanto a importância da sua formação pedagógica é relegada. A ênfase é dada à necessidade de que o processo formativo lhe confira o domínio dos fundamentos conceituais dos diferentes conteúdos que o professor deve ter de cada disciplina que leciona ou vai lecionar. Embora essa corrente tenha emergido no século XX, quando da criação das universidades e dos programas de formação de professores para a educação primária e secundária, as análises de Zeichner e Liston (1997) permitem o entendimento de que na atualidade algumas modalidades de ensino continuam centradas nesta orientação.

A Tradição da eficiência social nasce nos anos 1920, quando é demandada pelos acadêmicos, nos cursos de formação, a necessidade de se pesquisarem elementos que compõem um bom ensino. Segundo essa orientação, a formação deveria ter como base o estudo minucioso das tarefas que o professor desenvolve no cotidiano de sua prática, primando pela formação baseada na aquisição de conhecimentos e de habilidades observáveis. Essa tradição é marcada por acentuado caráter conservador e tecnicista. As propostas contemporâneas fundamentadas nessa orientação focam na investigação sobre o pensamento

do professor e também em estudos descritivos sobre a sala de aula. Segundo Santos (idem), o que Zeichner e Liston deixam subentendido em seu texto é que ―[...] a marca desse paradigma está na crença do poder da ciência como forma de promover a formação docente de maneira eficiente e eficaz [...] sendo a eficiência geralmente pensada em termos de custos.‖ (p.244- 245).

Ainda segundo a autora, a terceira orientação é denominada pelos teóricos de ―Tradição desenvolvimentista‖ que, assentada nos princípios da psicologia sobre o desenvolvimento da criança, a partir dos estudos de Stanley Hall, tem sido desenvolvida desde o começo do século. Essa tradição defende a ideia de que os estudos sobre o desenvolvimento do aprendiz devem fundamentar o ensino da escola básica e, consequentemente, a formação de professores. Dessa forma, a educação escolar deve estar centrada nos interesses da criança e deve se constituir em um ambiente acolhedor.

A quarta orientação denominada de tradição reconstrucionista social dá ênfase à formação política e cultural do professor, devendo este ser capaz de refletir sobre a escolarização e sobre a sociedade. Propostas condizentes com esta tradição aparecem sobretudo nos estudos no campo do currículo desenvolvidos por Giroux e Mclaren (1987), ao proporem uma formação centrada em uma política com enfoque multicultural que contemple estudos da linguagem, da história, da cultura e da política.

Independentemente do período em que tenha realizado seus estudos, Zeichner (2003) aponta aspectos que têm, na contemporaneidade, inviabilizado a concretização da formação profissional do professor. O primeiro aspecto descrito tem sido a grande influência do modelo retórico ainda presente e arraigado nos programas de formação. Esses programas, normalmente engessados em forma de pacotes, reforçam a posição de mero executor do professor formador e determina o que professores-alunos devem fazer durante o período de formação inicial, dificultando seu envolvimento no processo de descoberta do conhecimento através da ação.

O segundo aspecto que tem dificultado a formação de professores, que possam corresponder às exigências contemporâneas, tem sido a relação de distanciamento e às vezes até de estranhamento que a teoria mantém da prática. Nessa perspectiva, a teoria está dentro da universidade, ligada diretamente aos cursos de formação inicial de professores, porém a prática está exclusivamente dentro das escolas de ensino fundamental e médio. Dessa forma, é ignorada a possibilidade de a teoria ser produzida na prática e a prática ser usada como elemento de reflexão da teoria. Agravando o exposto, embora haja ênfase nas políticas educacionais quanto à descentralização de recursos e gestão democrática, que podem ser

compreendidas como uma forma de a escola definir seu horizonte pedagógico, por meio da explicitação de seu currículo, seus projetos e gestão de pessoas, majoritariamente, elas ainda podem ser consideradas um mundo distante da academia.

O terceiro aspecto justificado pelo autor para o fracasso da reforma dos programas de formação de professores é devido à ênfase dada à reflexão individual do professor sem considerar as condições sociais da classe docente e a influência do ambiente de trabalho. Isso significa que as predisposições individuais do professor para aprender devem ser analisadas no contexto de trabalho.

Embora Dewey, Schön e Zeichner e Liston (2003) tenham proporcionado importantes e diferentes contribuições sobre a necessidade da formação por meio da reflexão, ressaltamos que outras contribuições podem ser consideradas fundamentais para o processo reflexivo do docente no contexto atual, no Brasil. Neste sentido, destacamos autores como Giroux (1997), Contreras (2002), Freire (2000), Moreira e Macedo (2001), entre outros. Dentre essas contribuições, é primordial apontar uma singularidade,

[...] a ideia de que o professor reflexivo mantenha a preocupação com os aspectos políticos, sociais e culturais em que se insere sua prática, leve em conta todos os silêncios e todas as discriminações que se manifestam na sala de aula, bem como amplie o espaço de discussão de sua atuação. Tais cuidados podem evitar que se reduza a prática do professor reflexivo a aspectos técnicos e operacionais, o que deverá dificultar, acreditamos, seu emprego em propostas mais conservadoras. (MOREIRA ; MACEDO, 2001, p. 129- 130).

A análise decorrente da Proposta de Trabalho do PEFPEB e, especificamente, do Projeto Pedagógico do Curso de Pedagogia Modular, no que diz respeito ao modelo de formação que o sustentou, permite inferir, no discurso curricular, que a formação foi fundamentada no modelo da racionalidade prática. Isso se sustenta, especialmente, pela concepção identificada nos referidos documentos de que a educação é um processo complexo, que se modifica a partir de um contexto e que demanda decisões e deliberações dos professores e demais envolvidos no processo educacional.

Reiterando o exposto, na análise documental e no discurso, outros elementos foram encontrados que dão indícios da opção pelo referido modelo, demonstrando uma aproximação considerável com a proposta de Schön (1992), embora não se tenha credenciado unicamente a ele a opção. Nesse sentido, destacam-se aqui as concepções apreendidas no discurso curricular do PEFPEP- Pedagogia Modular que reiteram a aproximação com o referido teórico:

 No Projeto Pedagógico e ao longo do processo formativo, a problematização da realidade vivida no contexto profissional ganhou relevância;

 Os componentes curriculares favoreceram ao professor em formação conhecer e se posicionar acerca de questões diversas relacionadas ao processo de ensino- aprendizagem, nas mais diferentes perspectivas e discursivamente o incentivou a ouvir e respeitar as diferenças, escolhas e posições;

 O currículo buscou a articulação permanente, do primeiro ao último módulo, da teoria com a prática;

 Há uma persistente defesa a partir dos eixos, núcleos e objetivos formativos de que existem saberes que não são ensinados no espaço acadêmico, mas que vão se constituindo na prática profissional em consonância com as teorias que vão sendo apreendidas;

 Do primeiro ao último módulo, os professores em formação foram desafiados a aprender a partir da análise e interpretação de sua própria atividade, valorizando a investigação reflexiva da prática na tentativa de produzir mudanças. Daí, a importância dos componentes finais de cada módulo denominados de Investigação e Prática Pedagógica. Em consonância com a perspectiva de Schön, a prática foi transformada em objeto de investigação;

 Destaca-se ainda a importância dada à reflexão acerca da linguagem, sistema de valores e sobre o papel do professor em formação ante as necessidades da escola;  Nos referidos documentos, a UFAC é apresentada como uma agência formadora que

buscou aproximar as ações de formação feitas na academia com as práticas formativas na escola, embora em alguns aspectos o mesmo não tenha sido percebido por parte de alguns formadores e da própria escola que não se via como agência formadora e coparticipante da formação.

Entretanto, destacam-se alguns fatores que podem ser considerados divergentes na proposição de Schön: a falta de autonomia por parte de alguns formadores, que se transformaram em meros executores de um programa de disciplina; e as reflexões individuais, que, no cenário da formação, sobrepuseram-se às coletivas, em virtude, muitas vezes, da velocidade das ações de formação, das condições sociais e culturais dos professores e das condições de oferta do curso.

3.8 Material didático-pedagógico e dimensões da avaliação no PEFBEB – Pedagogia

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