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146 4 AS HISTÓRIAS DO NOVO TESTAMENTO

dos Apóstolos

146 4 AS HISTÓRIAS DO NOVO TESTAMENTO

o modo como ele apresentava o evangelho pessoalmente era um pouco fraco, mas suas cartas eram fortes. Também descobrimos muita coisa sobre a habilidade de Paulo e sua flexibilidade em ministrar tanto a judeus quanto a gentios (lC o 9), a fim de, por todos os meios, ganhar alguns. O imenso amor de Paulo pelo evange- lismo é evidente em todas as suas cartas, o que é singular, uma vez que elas são todas dirigidas a cristãos. Também descobrimos em lCoríntios que Paulo tinha batizado poucas almas em Corinto, mas estava feliz de não ter batizado mais porque os coríntios faziam muito alarde da iniciação e começaram a agir com partidarismo em relação a um ou outro apóstolo, dependendo de quem os havia batizado (lC o 1.12-17). Também descobrimos que Apoio chegou a Corinto depois de Paulo, e este o considera como colega e não rival (lC o 3.5-23). O texto revela também que Pedro esteve em Corinto. Em lCoríntios 9.5 há um comentário ligeiro, mas muito interessante. Paulo alega ter o direito de viajar com uma esposa crente, e diz que Pedro e os irmãos de Jesus fazem isso, assim como outros apóstolos. Mas a história de Paulo diz que ele permaneceu solteiro deliberadamente, tendo recebido o dom para isso (lC o 7). Essa afirmação parece ainda mais extraordinária porque Paulo se converteu à fé cristã quando já era um fariseu adulto. Portanto, provavelmente, ele já era casado quando se converteu, a julgar pela idade com que um judeu costumava casar-se e pelas práticas usuais dos fariseus. Isso significa que, além de outras coisas que teve de deixar para trás, Paulo também perdeu a família quando encontrou Cristo.

Outro texto importante que nos diz algo sobre o modo como Paulo se vê encontra-se em Filipenses 3.3-10. Aqui, Paulo vai um pouco além do que é dito em 2Coríntios 11.22. Descobrimos que ele era chamado Saulo por uma razão: era da tribo de Benjamim, famosa por ser a única a permanecer fiel a Judá. Paulo diz também, com relação ao tipo de justificação que se podia obter pela obediência à lei, que ele era irrepreensível. Essa espantosa declaração nos lembra que Romanos 7.7-25 não deve ser considerada uma nota autobiográfica sobre Paulo como judeu. Ele não manifesta um tardio sentimento de culpa à moda ocidental, ao contrário do que afirmam Agostinho e seus sucessores. O verdadeiro sentido de Filipenses 3.6 está no fato de Paulo não poder ser acusado de violar a lei mosaica, ou em outras palavras, ele não era culpado de transgressão — ou violação intencional da lei mosaica. Não quer dizer que ele não tinha pecado. Irrepreensível quanto à lei não é a mesma coisa que sem pecado. Ou seja, Paulo não afirma que era puro e perfeito antes da conversão, mas apenas que não podia ser acusado de violar a lei.

Outra característica da história de Paulo, tanto antes quanto depois de sua conversão, é o zelo. Ele é mencionado não só em Gálatas 1, mas também muito depois, em Filipenses 3.6. O zelo pela lei foi suplantado pelo ardente zelo por Cristo. Muito cedo, Paulo fala de ter sido crucificado com Cristo e de estar no processo de se conformar à sua imagem (Cl 2.20). De fato, Paulo diz que morreu e que Cristo se tornou o Senhor e soberano de sua vida. Ele busca plena confor­ midade à imagem de Cristo, pretendendo que a história de Cristo fosse totalmente

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recapitulada em sua vida: “para conhecer Cristo, e o poder da sua ressurreição, e a participação nos seus sofrimentos, conformando-me a ele na sua morte, para ver se de algum modo consigo chegar à ressurreição d os mortos” (Fp 3.10, 11). Paulo não vive sua própria vida; ele vive para Cristo e faz parte da vida de Cristo.

Em Romanos, Paulo manifesta o impulso constante de seguir em frente, cum­ prindo seu papel no enredo da história que Deus lhe revelou. Portanto, ele precisa ir a Roma depois de entregar uma oferta em Jerusalém, não só porque deseja pregar um pouco mais o evangelho na cidade, mas também porque quer usá-la como plataforma para avançar em direção ao oeste (Rm 1; 15). Ao longo de sua história, Paulo tem sempre um desejo e nunca se deita sobre os louros. Ele é um homem quase em moto perpétuo, tentando incendiar o mundo com o fogo do evangelho. Não é nem um pouco surpreendente que Lucas narre a história de Paulo com mais detalhes do que o próprio Paulo. Vamos examinar agora o retrato pintado por Lucas.

Lu c a s a p r e s e n t a Pa u l o

A julgar pelas passagens em que aparece o pronome “nós” — que encontramos pela primeira vez em Atos 16.10-17 e depois, de vez em quando, até o final de Atos9 — , Lucas só acompanhou Paulo durante um certo tempo, mais para o final de suas viagens missionárias e durante seus períodos no cárcere, em Cesaréia Marítima e em Roma. Foi tempo suficiente para conhecê-lo bem e ouvir de sua boca as narrativas de sua história. Mas Lucas preferiu focalizar Paulo, o evangelista, e não o homem que edificava as congregações por meio de suas cartas. Em Atos, Lucas não fala muito de Paulo como pastor e missivista, o que não é de estranhar, já que sua tarefa era registrar o desenrolar da história da salvação onde as atuações de Paulo como evangelista e fundador de igrejas desempenhavam papel importante. A conversão de Paulo é recontada em minúcias três vezes, em Atos 9, 22 e 26, precisamente porque Paulo é o apóstolo aos gentios e a propagação do evangelho entre os gentios deveu-se, em grande parte, a Paulo. A história do direcionamento do movimento cristão rumo ao ocidente coníúnde-se com a história de Paulo nesse mesmo sentido. Assim, Lucas dá mais destaque do que Paulo ao fato de que ele também operava milagres, como Pedro e outros cristãos, além de ressaltar a sua considerável posição social: ele é cidadão romano (informação que Lucas fornece talvez para impressionar Teófilo), embora Paulo só recorra a suas credenciais romanas num momento de aperto, quando elas são úteis a seu permanente ministério de propagação do evangelho. Ele não as menciona para obter vantagens pessoais. O caráter polemista de Paulo também é deixado meio de lado por Lucas, mas o

’ V. meu livro The Acts o f the Apostles: A Socio-Rhetorical Commentary (Grand Rapids: Eerdmans,

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motivo é que ele não registra as disputas internas de Paulo com as congregações. Ele também não dá muito destaque ao fato de Paulo ser um apóstolo com A maiusculo. Por quê? Se verificarmos com cuidado os pontos em que Paulo alude a seu apostolado em suas cartas, veremos que isso ocorre quando está em jogo algum problema de controle interno e autoridade. Em outras palavras, Paulo é um apóstolo em relação aos cristãos e é, simplesmente, mais um missionário em relação aos que tenta alcançar. Paulo não é propriamente um apóstolo aos gentios, mas sim um apóstolo para as igrejas compostas majoritariamente de gentios. O interesse de Lucas em Paulo é histórico, não biográfico, o que se pode perceber nitidamente pelo fato de Atos terminar sem narrar a morte de Paulo. Para Lucas, a história paradigmática na vida de Paulo é a história de sua conversão. Esta foi um acontecimento histórico que levou a uma missão aos gentios em grande escala — esta também um acontecimento histórico. Vamos examinar três narrativas de Lucas a respeito desse episódio crucial na história de Paulo.

Primeiramente, Lucas fornece os antecedentes apropriados, retratando Saulo como um fariseu com alto grau de instrução, tão zeloso que se coloca como testemunha da morte de Estêvão e depois inicia a própria cruzada, percorrendo quase 160 quilômetros até Damasco para extraditar alguns judeus cristãos e levá- los a julgamento em Jerusalém (v. At. 8.1-3). Nesse contexto, Lucas apresenta as três versões da paradigmática história paulina, a seguir.

Paulo foi o apóstolo designado para a evangelização dos gentios, e Lucas tem o cuidado de retratar seu encontro com o centro e coração da religião e cultura pagãs, a cidade de Atenas, em Atos 17.

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