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144 *5* AS HISTÓRIAS DO NOVO TESTAMENTO

dos Apóstolos

144 *5* AS HISTÓRIAS DO NOVO TESTAMENTO

Tornar-se uma nova criatura na meia-idade, obviamente, não era fácil, visto que significava ter de deixar para trás a maioria das coisas que a pessoa amava e tinha lutado para conquistar. Num certo sentido, era como morrer para o passado e nascer de novo. Paulo se dirige a si mesmo e a outros cristãos quando diz, em Romanos 6.2-4, que conversão significa ser sepultado com Cristo no batismo, ser batizado na sua morte, e começar assim a fazer parte da história de Cristo. Para Paulo, o cerne do credo era o fato de que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras, foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia (ICo 15.3-5). Por analogia, esse é também o cerne de sua descrição, em Romanos 6.2-4, do que acontece e acontecerá aos cristãos. Assim como Cristo morreu pelos pecados, os crentes morrem para o pecado (6.2). Assim como Cristo foi sepultado, o crente foi sepultado com Cristo na sua morte (6.4). E, assim como Cristo foi ressuscitado, o crente pode agora andar no Espírito, andar em novidade de vida e aguardar com expectativa sua futura ressurreição corpórea. Algo semelhante é dito em Colossenses 2.6-14. Quando menciona a circuncisão de Cristo em 2.11, Paulo está se referindo apenas ao que aconteceu com ele ou também ao que acontece com todo crente em Cristo? O crente é ressuscitado juntamente com Cristo “pela fé no poder de Deus, que o ressuscitou dentre os mortos”. A história de Cristo produz o efeito desejado no crente quando, por analogia, é recapitulada nesse crente de tal modo que ele sai do estado de morto pelas suas transgressões e passa ao de vivo em Cristo. O que Cristo fez pelo crente na cruz e na ressurreição constitui a base de tudo o que ele fará depois em sua vida. Os cristãos só se tornam semelhantes a Cristo no Espírito porque o próprio Cristo passou primeiro pela morte e ressurreição.

A história da caminhada cristã de Paulo e outros não pára no ponto da justi­ ficação pela graça mediante a fé, embora o texto em Gálatas 2.15-21 deixe claro que esse é ponto de partida crucial.8 É preciso desenvolver a nossa salvação com temor e tremor; é preciso crescer em graça e santidade. É preciso escolher, conscientemente, andar no Espírito e não se entregar às obras da carne (G1 5). Devemos ter senso do “agora”, mas também do “ainda não” da nossa existência cristã — suspensa entre o novo nascimento e o novo corpo, entre a renovação interior e a decadência exterior. As duas afirmações cruciais que ainda não foram leitas sobre a caminhada cristã são: que ninguém deve esperar ser isento de sofrimento nesta vida, já que Cristo e seus apóstolos não o foram, e que devemos ter uma visão clara de que a história de Cristo é o destino do crente. Paulo tem exatamente isso em mente quando diz em lCoríntios 15 que os crentes são os últimos frutos de uma colheita de ressurretos da qual Cristo foi o primeiro. Ele também tem isso em mente quando diz que os crentes foram predestinados a ser conformes à gloriosa imagem ressurreta do Filho de Deus (Rm 8.29). A conformação moral acontece agora, a conformação física acontecerá mais tarde. Assim, o próprio

H I S T Ó R I A S D E P A U L O E P E D R O : A S P R O V A S E T R I B U L A Ç Ó E S D O S A P Ó S T O L O S T 145

Paulo vê sua vida como uma peregrinação para a ressurreição — “para conhecer Cristo, e o poder da sua ressurreição, e a participação nos seus sofrimentos, confor­ mando-me a ele na sua morte, para ver se de algum modo consigo chegar à ressurreição d os mortos” (Fp 3.10, 11). Paulo sabe que esta não ocorrerá antes da volta do Senhor. Isso significa que o presente é o tempo de se esforçar e prosseguir em direção à meta. Todo cristão, como Paulo, deveria ter a honestidade de admitir. “Não que já a tenha alcançado, ou que seja perfeito; mas vou prosseguindo, para ver se poderei alcançar aquilo para que também foi alcançado por Cristo Jesus” (Fp 3.12).

A marca no cristão e do cristão é a marca de Cristo. Ele pertence a Cristo e segue o exemplo de seu Mestre, e é espiritualmente conformado à imagem dele. Isso envolve tanto a tragédia quanto o triunfo, tanto a tristeza quanto a alegria. Paulo aprovaria sem reservas as palavras de William Penn para descrever a vida cristã: “Sem dor, sem palmas, sem fel, sem glória, sem cruz, sem coroa”. E, de fato, sem solução final até que o autor dessas histórias faça a cortina descer, encerrando o drama humano na pessoa de seu Filho, quando ele voltar. Então, a história humana, a história de Israel, a história dos cristãos, todas serão integralmente agregadas à história de Cristo, e todo joelho se dobrará e toda língua confessará, quer queira quer não, que Jesus Cristo é o Senhor, e a glória será dada ao Pai.

Ainda podemos descobrir mais a respeito de Paulo na correspondência aos coríntios. Em 2Coríntios 11.21— 12.10, Paulo faz uma imitação satírica de uma sessão de auto-elogio. Seu objetivo era envergonhar os coríntios, fazendo-os perceber que tinham ficado muito impressionados com os pseudo-apóstolos e acabaram valorizando as características erradas nos líderes. Paulo ressalta que ele também é hebreu de hebreus (conhece a língua sagrada), é um israelita (segue a herança reli­ giosa) e se orgulha de ser descendente de Abraão. Ele é um verdadeiro servo de Cristo, e a prova disso é sua extrema dedicação, o número de vezes em que esteve na prisão, foi flagelado, foi açoitado com varas, foi apedrejado e sofreu naufrágios. Paulo apresenta uma longa litania de tributações das quais ele pode se gabar, até da hu­ milhação de ter sido obrigado a fugir de Damasco dentro de um cesto quando um agente do rei Aretas saiu em seu encalço (11.32). Depois disso, em tom de ironia, ele se gaba de uma experiência visionária que teve, mas não tem permissão de contar. Diz, porém, que, para impedi-lo de se ensoberbecer, foi-lhe enviado um espinho na carne que desde então o atormentava. Ele se tornou uma demonstração ambulante não só da fragilidade humana, mas também do modo como o poder de Deus se aperfeiçoa e, freqüentemente, se manifesta melhor na fraqueza. Paulo está irritado com seus convertidos, porém os ama profondamente — ou melhor, sua irritação para com eles demonstra precisamente quanto ele os ama.

Além desse resumo do que ocorria no período da correspondência enviada aos coríntios, há ainda alguns outros fatos de que tomamos conhecimento por meio de 1 Coríntios. Descobrimos, por exemplo, que Paulo chegou a Corinto com um certo temor e tremor, e que, após algum tempo, a avaliação sobre ele apontava que

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