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72 4* A HISTÓRIA DO NOVO TESTAMENTO

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72 4* A HISTÓRIA DO NOVO TESTAMENTO

Em contrapartida, 1 Pedro pode muito bem ser considerada um documento de autoria de Pedro, escrito em meados da década de 60 do primeiro século, pouco antes de sua execução. Em 1 Pedro 5.1, o autor refere-se a si mesmo como um homem velho e que viu os sofrimentos de Cristo, os quais, a julgar por essa carta, deixaram profunda impressão nele; e 1 Pedro, mais do que qualquer outro documento do NT, reflete uma teologia do Cristo como o “servo sofredor” e dos cristãos comb imitadores de seu exemplo (cf. 1.11, 19; 2.21-24; 3.18, 19; 4.1). Parece que Silvano ajudou Pedro a escrever esse documento (lP e 5.12, 13), mas Pedro também tinha a seu lado João Marcos. Silvano deve ter sido seu escriba, como talvez tenha ocorrido com Paulo, em 1 e 2Tessalonicenses. Como 1 Pedro 5.13 deixa evidente, essa epístola foi escrita em Roma (cf. Ap 18.2-14) para judeus cristãos que moravam nas partes ocidental e média do que hoje chamamos de Turquia (incluindo as províncias ou regiões do Ponto, Bitínia, Galácia, Ásia e Capadócia). Portanto, trata-se de uma carta circular. Esses nomes regionais podem indicar lugares onde Pedro esteve depois de deixar Jerusalém. Quando Pedro escreve, eles estão passando por tribulações e perseguição, e são exortados a honrar o im­ perador, exortação provavelmente necessária em meados da década de 60, com Nero ensandecido. Observe que os líderes dessas igrejas asiáticas são chamados de presbíteros. Não há nada em 1 Pedro que indique um estágio da história cristã posterior à década de 60. Como Gálatas 2.7, 8, essa carta sugere que Pedro pregou aos judeus, enquanto Paulo concentrou-se nos gentios.

H f.b r e u s

A procedência desse documento é difícil de determinar, e um dos grandes motivos é o fato de ser anônimo. E claro que houve várias conjecturas sobre quem é seu autor. Na igreja primitiva, acreditava-se que fosse Paulo, o que não é de surpreender, já que seu conteúdo exibe uma visível influência de várias cartas paulinas antigas, particularmente Gálatas e 1 Coríntios, e talvez também Romanos.18 Esses ecos de outras cartas ajudam a datar o documento, mas não esclarecem realmente sua autoria. O estilo e boa parte da substância desse documento são tão flagrantemente não-paulinos que é improvável que seu autor seja Paulo; mas pode ter sido um de seus colaboradores. Uma hipótese bastante razoável é a de que seu autor seja Apoio, em vista do que é dito sobre ele em Atos 18 e em 1 Coríntios. Mas não podemos ter certeza disso; de qualquer modo, o autor queria permanecer anônimo.

O modo mais simples de interpretar Hebreus 13.24b é supor que o autor escreve a cristãos da Itália e lhes envia saudações de vários cristãos italianos de outros lugares. A datação dessa carta é difícil, mas, à luz dos ecos paulinos, a recomendação de 13.7 quanto a lembrar dos antigos líderes cristãos que morreram

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por sua fé é, provavelmente, uma referência a Pedro e Paulo (observando que 13.7, 8 ecoa a passagem da galeria dos heróis da fé, em 11.1— 12.2, que certamente cita mártires do passado, entre outros). O fato de os líderes serem chamados de

hêgoum enoi indica que o destino do documento era Roma (cf. lC lem en te 1.3; 21.6; 37.2; Pastor, de Hermas, Visão. 6.6; 17.7). Clemente de Roma parece ter sido o primeiro a usar Hebreus (lC lem en te 36.1-6). As referências a perseguição, sofrimento e possível martírio entre os leitores (cf. 2.15; mas eles ainda não tinham chegado ao derramamento de sangue, cf. 12.3, 4) indicam que o documento foi escrito na década de 60. A referência à entrada no templo, todos os anos (9.25), parece situar essa carta antes de 70, já que o autor escreve a judeus (em particular, judeus cristãos) que se importam com o templo de Jerusalém.

Qual é a natureza desse documento anônimo? Ele é realmente uma carta? No início do documento, não há nenhum traço que indique tratar-se de uma carta, e só Hebreus 13.22-25, bem no final do texto, sugere o contrário. É provável que seja uma homilia. Hebreus 13.22b, na versão grega, não diz “eu vos escrevi uma carta resumida”, mas sim “eu vos escrevi resumidamente” — comentário talvez um tanto irônico, já que, seja carta, seja homilia, esse documento certamente não é resumido.

O caráter fortemente judaico desse texto nos lembra, assim como a homilia de Tiago, que havia de fato um bom número de judeus cristãos em diversas cidades do mundo greco-romano, e não apenas em Jerusalém. Nesse caso, devemos, prova­ velmente, relacionar as observações sobre os judeus cristãos contidas em Hebreus com as de Romanos. Um dos principais objetivos do documento é convencer os leitores de que Cristo é o sumo sacerdote do crente, de que o perfeito sacrifício já foi feito por Cristo — e, portanto, outros sacrifícios não são mais necessários — e que o céu é o verdadeiro santuário onde Cristo entrou. Os santuários terrenos não são mais necessários. Essa mensagem seria muito oportuna se a destruição de Jerusalém e do templo estivessem surgindo no horizonte, à medida que a guerra judaica caminhava para seu desfecho, no final da década de 60. A extrema cristologia desse documento e seu profundo conteúdo teológico, em geral, mostram que os judeus cristãos não estavam, de forma alguma, interessados apenas na práxis, embora a preocupação com a perseverança na fé demonstre que essa exortação também tinha um enfoque prático. Essa homilia é uma das composições do NT com maior perfeição retórica e melhor redação em grego, revelando um autor com dons iguais ou quase iguais aos de Paulo, no que diz respeito à exortação e à arte da persuasão.

Á S EPÍSTO LAS PASTO RAIS

A maioria dos estudiosos não acredita que Paulo tenha escrito essas cartas.19 Porém, para que elas não sejam consideradas composições inteiramente artificiais, é neces- * 1

19 Estudiosos de renome, como J. N. D. Rf.u.Y, favorecem a autoria paulina. V. seus argumentos em 1 e II Timótio e Tito (São Paulo: Vida Nova, 1983), p. 36-41.

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sário que tenham sido enviadas a seus destinatários no final ou logo após o final da era paulina, ou seja, antes do fim da década de 60 do primeiro século. Na minha opinião, é possível que esses documentos tenham sido compostos na morte de Paulo ou pouco depois, talvez por Lucas, que o acompanhou durante algum tempo, ou outro colaborador, usando notas autênticas e/ou comentários orais de Paulo, feitos enquanto esteve na prisão mamertina, em Roma, em meados da década de 60. A pessoa que redigiu essas cartas, o fez com estilo próprio e de próprio punho (elas apresentam estilo uniforme), sem tentar realmente imitar o estilo paulino, embora algumas vezes (como em 2Timóteo) pareça que estamos ouvindo a voz de Paulo diretamente.20 As cartas são basicamente pessoais e, apesar da visão de alguns comentários mais antigos, não mostram evidência de tendências do “catolicismo primitivo”. A eclesiologia manifesta nessas cartas não é semelhante à que encontramos nas de Inácio, onde se notam sinais de bispos monárquicos. Observe que, em textos como lTimóteo 3, quando são mencionados oficiais da igreja, o que temos é mais uma descrição de caráter do que de função.

O ensino ético nessas cartas é coerente com o tipo de conselho pastoral que Paulo provavelmente deu, no fim da vida, a colaboradores próximos, como Timóteo e Tito. Além disso, o caráter mais conservador de alguns conselhos éticos dessas cartas talvez reflita o fato de que o autor sabia que a era apostólica estava chegando ao fim e que os líderes eclesiásticos que substituiríam apóstolos como Paulo não teriam a mesma autoridade dos que tinham conhecido Jesus pessoalmente, durante seu ministério terreno, ou visto o Senhor ressurreto. Pode-se dizer que essas cartas ajudaram os colaboradores de Paulo a fazer a transição para o período posterior à era paulina. Elas são, certamente, mais semelhantes em extensão e caráter a outras cartas pessoais antigas do que o restante do corpus paulino. Aparentemente, foram escritas em Roma, entre meados e o fim da década de 60.

Co n c l u s õ e s

Já deve ter ficado claro que não houve uma só mão a guiar e guardar a composição dos livros do NT. Esses livros foram escritos por várias pessoas, em diversas datas, em diferentes lugares e para diferentes públicos, e seus autores ficariam, sem dúvida, muito surpresos de encontrar documentos ocasionais como cartas e homílias fazendo parte do cânon sagrado da Escritura conhecido como NT. Afinal, nenhum dos documentos que compõem as Escrituras Hebraicas constitui-se numa verdadeira carta ou sermão expositivo, de modo que não há nenhum precedente.

Os documentos que estudamos neste capítulo revelam comunidades cristãs vivas, com líderes vitalmente preocupados com o bem-estar dos convertidos dessas

20 Em The Writings o f the New Testament (Minneapolis: Fortress, 1999), p. 423-49, L. T. Johnson apresenta uma hipótese bem estruturada de que 2Timóteo tenha sido ditada por Paulo.

CARTAS E HOMÍLIAS PARA OS CONVERTIDOS +• 75 congregações. Aparentemente, todos os autores desses documentos eram judeus e todos se fundamentam em sua herança judaica, embora a utilizem de diferentes formas. Tiago é um documento tão judaico quanto Hebreus ou 1 Pedro, e os três são dirigidos a cristãos de origem judaica — mas como são diferentes entre si! Vimos que, nesse período inicial da igreja, os meios escolhidos para a comunicação pessoal dos líderes com os convertidos espalhados por vários lugares parecem ter sido as cartas e os sermões. A maioria desses documentos mostra um conteúdo prático e ao mesmo tempo profundamente teológico. Em sua maioria, têm um caráter a d hoc, tratando de situações específicas e de períodos determinados da vida de uma ou outra igreja.

Numa época anterior ao evangelho escrito, havia um evangelho oral que aflora à superfície e é citado ou repercutido em vários desses textos. Entretanto, nenhum desses documentos é endereçado a não-cristãos. Todos eles refletem um discurso íntimo entre cristãos. Além disso, eles também mostram que a estrutura das pri­ meiras comunidades cristãs era, até certo ponto, hierárquica. Havia apóstolos, presbíteros e outros oficiais, dotados de grande autoridade e poder, e que não tinham medo de exercê-los para guiar, estimular e proteger essas igrejas. A julgar por esses documentos, os líderes dos primeiros movimentos cristãos eram: (1) alguns membros da “família” de Jesus (Tiago e Judas); (2) várias figuras apostólicas (p. ex., Paulo); (3) pelo menos um dos Doze, isto é, Pedro; e (4) os colaboradores de um ou mais líderes citados acima (p. ex., Silvano, Timóteo, Marcos, Áquila e Priscila, Febe etc.). Nesses documentos, não há sinal de nenhuma iniciativa de coletar, copiar e distribuir cópias mais amplamente entre as igrejas. Talvez não se sentisse necessidade de organizar uma coletânea desses documentos, enquanto as testemunhas oculares e os apóstolos ainda eram vivos. Contudo, como veremos mais adiante, por volta do último terço do primeiro século, surgiu essa necessidade e se iniciou o processo de coleta, cópia e distribuição. No próximo capítulo, vamos tratar dos próprios evangelhos, escritos durante esse último terço do primeiro século da era cristã. No que diz respeito aos textos, os evangelhos, mais do que qualquer outro documento — à exceção, talvez, das cartas de Paulo — , foram a força motriz que levou à formação do NT.

Ex e r c í c i o s e q u e s t õ e s p a r a e s t u d o e r e f l e x ã o

*F Pegue uma carta que você tenha recebido recentemente de um cristão. Verifique onde aparecem os nomes do remetente e do destinatário. Encontre as saudações. Se a carta contém informações de viagens, veja onde elas aparecem. Verifique onde aparece a assinatura. Com esses dados, elabore o esqueleto de uma carta moderna e compare-o com a estrutura básica de uma carta antiga, apresentada neste capítulo. Quais são as semelhanças e diferenças? Como você explica as

diferenças? Por que você acha que era importante, nas cartas antigas, colocar os nomes do remetente e do destinatário no início?

Durante que período da história foram escritas as cartas de Paulo? Quanto tempo fazia que Paulo havia se convertido quando escreveu Gaiatas? Alguma das cartas foi escrita quando Paulo era novo convertido, ou todas elas são de um período muito posterior de sua vida?

♦r Já foi dito que as cartas de Paulo podem ser separadas em duas categorias: cartas para solução de problemas e cartas para gerar crescimento. Faça uma lista separando as cartas de Paulo nessas duas categorias. Em qual categoria se encaixa a maioria das cartas? O que isso revela sobre as igrejas dele?

n* O que é homilia? Existem homílias no NT? Cite alguns exemplos. Em que elas diferem das cartas e como podemos identificá-las, se os elementos episto- lares foram acrescentados no final delas?

d* Por que você acha que temos tantas cartas no NT?

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