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162 •{* AS HISTÓRIAS DO NOVO TESTAMENTO

dos Apóstolos

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Pedro era pescador, e foi chamado do meio de suas redes e barcos para seguir a Jesus. Ele não tinha a educação ou erudição de um homem como Paulo. Porém, precisamente porque era pescador, ele tinha de conhecer um pouco de grego para vender seus produtos e lidar com os coletores de impostos e pedágio, principalmente no ambiente um tanto cosmopolita existente nas proximidades de Tiberíades, no Mar da Galiléia.

O objetivo desse episódio é mostrar que alguém que negou Jesus três vezes pode ser restaurado, mas não sem reconhecer que ele ainda precisa crescer no amor e na vida espiritual. Essa realidade também é explanada no último episódio petrino desse evangelho, que examinaremos adiante. João 21.18 revela a palavra de Jesus sobre o futuro de Pedro. Houve um tempo em que ele era jovem e tinha liberdade

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de ir aonde bem entendia; mas chegará a hora em que será velho, e será vestido por outra pessoa e levado pela mão ao lugar aonde não deseja ir. O evangelista se intromete na história e acrescenta: “Com isso ele se referiu ao tipo de morte com que Pedro glorificaria a Deus” (v. 19). Então, Jesus reitera: “Segue-me”, referindo- se à cruz e ao que vinha depois dela. Obviamente, essa história foi escrita depois de Pedro ter encontrado a morte nas mãos de seus algozes, com uma pista de que foi por crucificação, como a de seu Senhor.

Em seguida, em João 21.20, Pedro pergunta a respeito do discípulo amado. Jesus responde hipoteticamente: “Se eu quiser que ele fique até que eu venha, que te importa? Segue-me tu” (v. 22). Essa história é contada para mostrar como surgiu o boato de que o discípulo amado continuaria vivo até a volta de Jesus. Ela também sugere que o discípulo amado deve ter permanecido vivo até muito tempo depois da morte de Pedro. A história de Pedro no quarto evangelho termina, portanto, com um estimulante recomissionamento, mas também com a promessa de um desenlace como o de Jesus.

Pedro aparece em Lucas e Atos como um personagem importante na narrativa da história da salvação. Precisamos nos ater à contribuição especial que Lucas traz ao retrato de Pedro, reconhecendo que ele também segue o relato de Marcos. Não há referências a Pedro anteriores a Lucas 4.38, 39, em que o autor simplesmente repete a história da cura da sogra de Simão, que é apresentado aos leitores nesse momento, de forma indireta. A chamada de Simão ao ministério ocorre em Lucas 5, onde temos a história de uma grande pescaria, semelhante em alguns aspectos ao episódio de João 21, do qual já falamos. Todavia, no relato de Lucas sobre a chamada dos primeiros discípulos, é dito que Jesus subiu no barco de Simão, pediu-lhe que se afastasse um pouco da margem e começou a ensinar à multidão que se aglomerava na praia. Quando termina de falar, ele diz a Pedro que leve o barco para águas profundas e lance as redes. Simão responde que fará isso porque o mestre pede, mas que eles tinham trabalhado a noite inteira e não pescaram nada. Segue-se, então, uma pescaria tão extraordinária, que Simão afirma: “Afasta- te de mim, Senhor, porque sou um homem pecador” (v. 8). Jesus tranqüiliza Simão, dizendo-lhe que não precisava ter medo e que, a partir daquele momento, ele passaria a pescar criaturas ainda mais arredias — seres humanos (v. 10). Como resposta, eles puxam os barcos para a praia, largam tudo e passam a seguir Jesus. Essa história mostra a preocupação do historiador em descrever os antecedentes da chamada dos primeiros discípulos e de sua caminhada com Jesus, mostrando como eles deixaram a antiga profissão, encerrando aquele capítulo da vida deles.

Em Lucas 6.13-16, Jesus seleciona os Doze de um conjunto maior de discípulos. Como em Marcos e Mateus, Simão é mencionado primeiro, e o texto diz que Jesus acrescentou-lhe o nome de Pedro. Ele desaparece da narrativa até Lucas 8.45, cujo texto informa ter sido Pedro quem disse a Jesus que a multidão o apertava e comprimia. Isso nos prepara para a referência a Pedro, Tiago e João

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entrando no quarto da filha de Jairo, em Lucas 8.51. A versão de Lucas para a confissão em Cesaréia de Filipe mostra Pedro (Lc 9.18-20), mas note que o autor elimina completamente a parte em que Pedro censura Jesus e a resposta deste. Pedro foi apresentado aos leitores de Lucas com uma nota de humildade, em Lucas 5, e aqui não é retratado como homem arrogante, ignorante ou espiritual­ mente obtuso. Lucas acrescenta à narrativa da transfiguração apresentada por Marcos apenas a observação de que Pedro e os discípulos estavam sonolentos, mas acordaram a tempo de ver Cristo em glória e as duas figuras veneráveis de Moisés e Elias com ele. Lucas mantém o comentário feito por Marcos de que Pedro não sabia o que estava dizendo quando sugeriu que eles construíssem cabanas.

De vez em quando, Lucas mostra Pedro como o porta-voz dos Doze. Por exemplo, em Lucas 12.41, Pedro pergunta se Jesus tinha contado a parábola só para os discípulos, ou para todos. Jesus não responde diretamente, mas conta outra parábola sobre vigilância. Em seu evangelho, Lucas não dá tanta atenção à história de Pedro quanto Mateus.

O nome de Pedro não é citado novamente até Lucas 22.8, em que o texto diz que Pedro e João fazem os preparativos para a Páscoa. Ao final da refeição, ocorre um episódio a que só Lucas se refere (Lc 22.31-34), quando Jesus diz: “Simão, Simão, Satanás vos pediu para peneirá-los como trigo; mas eu roguei por ti, para que a tua fé não fracasse; e quando te converteres, fortalece teus irmãos”. Ao que Pedro replica: “Senhor, estou pronto a ir contigo tanto para a prisão como para a morte”. Em seguida, vêm as palavras de Jesus sobre a tríplice negação, que não recebem resposta ou refutação. Mais uma vez, Lucas preparou seus leitores para o que acontecerá com Pedro, mas, ao mesmo tempo, deu-lhes esperança de que Pedro sobreviverá à peneira. Pedro é semelhante a Jesus no que se refere a ser peneirado por Satanás, e isso sugere sua importância para o ministério das boas novas. Observe que Pedro não é separado dos outros e exposto a crítica no Jardim do Getsêmani (22.39-46).

A narrativa da tríplice negação de Pedro é suavizada nesse evangelho (22.54- 62), em relação a Marcos. Pedro não faz nenhum juramento, mas simplesmente nega conhecer Jesus ou mesmo compreender o que seus inquiridores diziam. Existe, porém, uma única e devastadora conclusão à narrativa da história em Lucas. Imediatamente após a terceira negativa e ao canto do galo, Jesus, que está dentro da casa de Caifás, mas consegue ver Pedro do lado de fora. Diz o relato: “Virando- se, o Senhor olhou para Pedro; e Pedro lembrou-se da palavra que o Senhor lhe havia falado: Hoje, antes que o galo cante, três vezes me negarás. E, saindo dali, chorou amargamente” (v. 61, 62). Portanto, Jesus confronta Pedro a respeito de seu pecado mesmo antes de morrer. Lucas apresenta sua versão para a história narrada em João 20, com algumas variações nos detalhes, em Lucas 24.1-12. O versículo crucial diz que, ao ouvir o relatório das mulheres sobre o túmulo vazio, Pedro foi correndo até lá, curvou-se à entrada do túmulo e viu os lençóis de linho.

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Então, “retirou-se, admirando consigo o que havia acontecido” (v. 12). Isso não é exatamente o que chamaríamos uma demonstração de fé na Páscoa.

É curioso Lucas dizer que, após o episódio no sepulcro, Jesus apareceu a Pedro antes de aparecer aos outros onze (24.34). Mas Lucas não narra a história da aparição em si. A aparição de Jesus a Pedro também é confirmada em lCoríntios 15.5, embora esse texto também não forneça mais detalhes. Temos de nos contentar em saber que Jesus apareceu a Pedro, e isso explica o papel proeminente que ele desempenha imediatamente após a Páscoa, primeiro no cenáculo e, depois, na igreja de Jerusalém. É essa história de Atos que examinaremos agora.

Podemos afirmar sem erro que a figura humana dominante na primeira metade dos Atos é Pedro, enquanto na segunda metade é Paulo. Alguns até apelidaram essa obra de “Atos de Pedro e Paulo”. Pedro, entretanto, desaparece sem deixar rastro em Atos 15, e Paulo é deixado enquanto aguarda o fim de sua prisão domiciliar, em Atos 28. Lucas não está interessado em terminar as histórias de Pedro e Paulo, já que não escreve minibiografias. O que tem importância primordial para Lucas é o avanço do movimento e da história da salvação, de Jerusalém a Roma.

Pedro é mencionado em primeiro lugar entre os discípulos reunidos no cenáculo (At 1.13), e é ele quem toma a frente e fala com os crentes sobre a escolha de um novo duodécimo discípulo. Na verdade, Pedro faz um breve discurso baseado em Salmos, falando de Judas e da necessidade de nomear um substituto. Nada no evangelho de Lucas realmente nos preparou para isso, já que não sabemos o que Pedro dizia quando saía em campanha missionária com seu irmão durante o ministério. Pedro será apresentado como pregador e realizador de curas no livro dos Atos, muito semelhante a seu Mestre. Observe, porém, que Pedro não indica o novo membro dos Doze. Ele é escolhido por sorteio.

Em Atos 2.14, mais uma vez é Pedro quem se levanta e rebate a acusação de que os discípulos estão bêbados. Em seguida, ele inicia uma longa citação de Joel, seguida de um sermão sobre Jesus, costurado com citações de Salmos. Ele é apresentado como pregador muito eficiente, pois mais de três mil aceitaram sua mensagem naquele dia, arrependeram-se e foram batizados (2.41). Esse foi o verdadeiro pontapé inicial do movimento cristão, e Pedro é retratado aqui como o apóstolo a judeus de todas as partes do mundo presentes no Pentecostes (2.7-12). É claro que não foi só o poder da pregação de Pedro, pois o texto informa que vários discípulos falaram mira- culosamente nas várias línguas dos estrangeiros presentes. O Espírito desceu sobre os discípulos reunidos no cenáculo, e eles falaram em línguas, mas o dom do poder do alto não foi apenas para o próprio benefício, e sim para capacitá-los a testemunhar, o que eles passam a fazer quase instantaneamente. Pedro é mostrado como apenas mais uma dentre muitas testemunhas eficientes.

A história do Pentecostes é seguida do relato sobre a ida de Pedro e João ao templo (At 3), ocasião em que Pedro fala com um aleijado, ordena-lhe que se levante e ande, e estende a mão para ele; o homem realmente se põe de pé e anda.

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Então, Pedro novamente prega uma mensagem de cunho cristológico no pórtico do templo (3.12-26). Isso provoca tumulto, e Pedro e João são presos. Porém, a prisão não bloqueia o avanço da mensagem, e o texto informa que o número dos salvados subiu para cerca de cinco mil (4.4). Pedro é retratado como uma pessoa cheia do Espírito, que falava dirigido pelo Espírito, e não porque tivesse muita instrução (cf. 4.8 e 4.13). Ele também aparece como um homem corajoso (4.13), que não negará mais a Cristo e não deixará de testemunhar, embora as autoridades queiram obrigá-lo a isso (4.18-21).

Uma das histórias mais estranhas de Atos, contada em Atos 5, é aquela em que Ananias e Safira cometem o pecado capital de mentir ao Espírito Santo. A importância de Pedro nesse drama é considerável. O texto mostra que Pedro teve um discernimento profético a respeito do erro do casal, e ele os confronta com o pecado cometido. Eles não tinham de dar tudo, mas tinham de ser honestos com relação ao que tinham dado. Primeiro morre o marido, depois a mulher, no mesmo lugar, quando Pedro os questiona. A mulher chega a mentir na frente de Pedro, e ele imediatamente prediz que ela terá o mesmo destino de seu marido (v. 9, 10). Teria Pedro amaldiçoado esse casal? Será que se trata de um milagre negativo, como a maldição da figueira estéril? Talvez, mas observe o temor que toma conta da comunidade quando isso acontece. As pessoas começam a ver Pedro como um grande e poderoso operador de milagres, e Atos 3.15 registra que o povo chegava a enfileirar os doentes nas ruas, esperando que a sombra de Pedro caísse sobre eles e os curasse. O texto não diz que Pedro aprovava esse tipo de fé contaminada pelo misticismo. As curas, os outros milagres e a pregação, tudo isso já era demais para as autoridades, que mandam prender os apóstolos, incluindo Pedro; mas um anjo os liberta. Pedro, então, tem outra oportunidade de fazer breve discurso perante o Sinédrio. Surpreendentemente, Gamaliel, fariseu do conselho, põe fim àquela situação dizendo que, se o movimento de Jesus é de Deus, ele prosperará; se não, morrerá. Ele faz uma breve recapitulação da ascensão e queda de outros movimentos messiânicos, e isso faz com que os apóstolos sejam liberados.

Não ouvimos falar de Pedro novamente até Atos 8.14, em que é citado de passagem que ele e João foram a Samaria para validar o trabalho de Filipe entre os samaritanos. Eles fazem isso impondo as mãos sobre os samaritanos para que eles possam receber o Espírito Santo. Observe o papel deles como representantes da igreja de Jerusalém nesse episódio. Há ainda a famosa confrontação entre os dois Simões. Simão, o mago, queria comprar o poder do Espírito Santo de Pedro e João, mas Pedro lança uma maldição: “Que tua prata siga contigo à destruição” (v. 20). Simão é exortado a se arrepender e orar ao Senhor; Pedro, então, com discernimento profético, acrescenta: “pois vejo que estás cheio de amargura e em laços de maldade” (v. 23). Observe, porém, que Simão consegue apenas pedir que orem para que nada de mal lhe aconteça. O versículo 25 diz que Pedro e João voltaram para Jerusalém, pregando em várias aldeias samaritanas por todo o caminho.

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