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PEDAGOGIA E PAIXÃO: DITOS DE JESUS E HISTÓRIAS DA PAIXÃO

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PEDAGOGIA E PAIXÃO: DITOS DE JESUS E HISTÓRIAS DA PAIXÃO

A Pa ix ã o ea g l ó r i a

Existia uma narrativa da Paixão em forma escrita, anterior aos evangelhos? Muitos, ou talvez todos os estudiosos atuais acreditam que é provável que isso tenha ocor­ rido9 ou, pelo menos, que tenha existido uma tradição oral extremamente fixa, na qual Marcos se baseou para compor o primeiro evangelho.10 De fato, muitos acham que este pode ter sido um dos primeiros dados sobre Jesus a alcançar uma forma mais ou menos fixa e escrita. Há várias razões para essa conjectura, sendo que a melhor delas é a existência de vários elementos semelhantes nos quatro evangelhos e a seqüência básica nas narrativas da Paixão e ressurreição. Existe uma sucessão de acontecimentos, encontrada nos quatro relatos, que Raymond Brown dividiu em quatro atos: (1) Jesus no Getsêmani, a oração e a prisão; (2) Jesus diante das autoridades judaicas; (3) Jesus diante de Pilatos; e (4) a crucificação e o sepulta- mento de Jesus. As narrativas da ressurreição nos quatro evangelhos apresentam menos semelhanças do que as da Paixão.

Um fato que salta aos olhos é o papel importante desempenhado pela citação e alusão ao AT na narrativa da Paixão. Mas será que deveriamos considerar que a narrativa da Paixão foi criada, basicamente, tomando-se como fundamento certos textos do AT, ou ver o papel do AT como um recurso para a interpretação dessa parte da história de Jesus? Usando uma frase cunhada por J. D. Crossan, seriam as narrativas da Paixão basicamente profecia historicizada ou história profetizada e vista como cumprida?

A resposta a essa pergunta só pode ser a segunda hipótese, por uma série de importantes razões. Primeiramente, não existe nenhum precedente histórico no antigo judaísmo de alguma profecia que tenha sido historicizada dessa forma, em grande escala. Em segundo lugar, o uso do AT nesse material não parece ser mi- dráxico. Não há contemporização com o texto do AT, mas sim a tentativa de explicar fatos da história da morte de Jesus, até mesmo acontecimentos singulares, com base nos textos do AT. Foi a estranha história da morte de Jesus que fez os primeiros intérpretes cristãos esquadrinharem as Escrituras para tentar entender como a vida de Jesus podia ter acabado daquela maneira. Por trás dessa busca, estava a tentativa de responder a uma pergunta: Poderíam os eventos que levaram à crucificação ser realmente o plano de Deus para o seu Ungido? Era uma pergunta importante, considerando-se o fato de os judeus antigos não interpretarem Isaías 53 relacionando-o ao Messias, além de não estarem buscando um Cristo crucificado. Em terceiro lugar, francamente, há elementos demais na narrativa da Paixão que

, V. o levantamento feito por J. B. Greenno verbete “Passion Narrative”. In: The D ictionary ofJesus an d the Gospels, editado por Joel B. Green e Scot McKnight (Downers Grove, III.: InterVarsity, 1992),

p. 601-4.

10 Essa última hipótese c defendida na obra magistral de R. Brown, The Deatb o fth e Messiah, 2 vols. (New York: Doubleday, 1994).

50 A HISTÓRIA DO NOVO TESTAMENTO

não podem ser explicados com base no uso de textos do AT (p. ex., a unção em Betânia, o incidente com a espada no momento da prisão, a menção de Simão de Cirene e seus filhos, o véu do templo se rasgando). Em quarto lugar, é surpreendente que alguns textos óbvios do AT tenham sido deixados de fora, se essa história da Paixão foi construída com base em textos proféticos. Por exemplo, todo mundo sabia muito bem na época de Jesus que as pessoas executadas por crucificação eram normalmente pregadas em cruzes. Contudo, esse fato não é mencionado diretamente em nenhuma parte da narrativa da Paixão (cf. a história da Páscoa em Jo 20.25 e At 2.23), e também não há menção da passagem de Salmos 22.16, onde se lê: “Traspassaram-me as mãos e os pés”, que podería ser usada para esclarecer esse detalhe, apesar de ser dito que Jesus citou o início desse salmo quando estava na cruz. Isso é praticamente inexplicável se considerarmos a narrativa da Paixão como um exemplo de profecia historicizada." Devemos concluir que existia uma narrativa histórica, na forma oral ou escrita, que requeria interpretação e explicação à luz do AT. Os que compuseram essa narrativa tão instigante e cheia de alusões eram, certamente, judeus profundamente empenhados em demonstrar que a morte de Jesus não fora nenhum acidente trágico. Ao contrário, era necessário mostrar que tudo ocorreu segundo o plano preestabelecido por Deus.

Qual seria o provável conteúdo dessa narrativa da Paixão pré-evangélica? Podemos ter certa idéia de parte desse conteúdo pela tradição que Paulo transmite em lCoríntios 11.23-25, uma tradição que ele, assombrosamente, diz ter recebido do Senhor. Provavelmente, ele queria dizer que as palavras contidas naqueles versículos eram provenientes do próprio Senhor Jesus. Mas, observe como começa a história: “... na noite em que foi traído...”. Está claro que Paulo conhece uma narrativa da história das últimas 24 horas da vida de Jesus, embora ele apenas a cite muito resumidamente (p. ex., esse é o único lugar em que ele menciona o papel de Judas, pois não fala nada sobre isso em nenhuma outra parte de seus escritos). Con­ cordo com Brown quando ele diz que os eventos mencionados nos relatos da Paixão pelos autores dos quatro evangelhos provavelmente constituem as linhas principais da forma primitiva da história. É particularmente significativa a concordância entre João e os sinóticos, que podemos observar em várias passagens, visto ser pouco provável que João dependesse de qualquer um dos relatos sinóticos. O mais plausível é que o quarto evangelista conhecesse a mesma história pré-evangélica que os autores dos outros evangelhos.

É possível que a história primitiva da Paixão tenha começado lá atrás, na ação de Jesus no templo, que parece ter sido o acontecimento que desencadeou o julga­ mento judaico e seus desdobramentos. Sendo assim, ela incluiría não só os acon­ tecimentos no templo, mas também a última ceia, as ocorrências no jardim do Getsêmani, a audiência ou julgamento judaico, o julgamento romano, a execução 11

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