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150 AS HISTÓRIAS DO NOVO TESTAMENTO

dos Apóstolos

150 AS HISTÓRIAS DO NOVO TESTAMENTO

Saulo se levanta. Não enxerga nada. Três dias sem ver e sem comer. Guiado pela mão até Damasco (v. 8 ,9 ). Visão de Ananias (v. 10-16).

Ananias impõe as mãos sobre Saulo. “Irmãos Saulo, o Senhor Jesus, que te apareceu no caminho por onde vianhas, enviou-me para que tornes a ver e fiques cheio do Espírito Santo” (v. 17).

Caem como que escamas dos olhos de Saulo; ele recupera a visão e é batizado (v. 18)

Alimenta-se e é fortalecido (v. 19).

Paulo não consegue ver por causa do fulgor daquela luz. Os companheiros o levam pela mão até Damasco (v. 11). Ananias (nenhuma visão mencionada). “Irmão Saulo, volta a ver” (v. 13). “O Deus de nossos pais te designou de antemão para conhecer a sua vontade, ver o Justo, e ouvir a voz da sua

boca. Porque serás sua testemunha do que tens visto e ouvido para todos os homens” (v. 14, 15). “Levanta-te, sê batizado e lava os teus pecados, invocando o seu nome [de Jesus]” (v. 16).

(Nenhuma menção a Ananias.)

O que ele narrou foi uma visão celestial (v. 19).

Temos aqui em miniatura uma narrativa da história de Paulo, à medida que interfere na história do movimento cristão recontada em Atos. Várias características dessa narrativa pedem um comentário. O primeiro e, de certo modo, mais importante que podemos fazer é que ela foi feita para ser cumulativa, isto é, a segunda versão se baseia na primeira, e a terceira se baseia na primeira e na segunda. O primeiro relato, em Atos 9, é o único em terceira pessoa. A diferença de leitores entre a segunda e a terceira versão explica algumas das notáveis divergências entre os dois relatos (p. ex., Ananias é omitido no terceiro relato, e o comentário sobre o aguilhão é acrescentado para beneficiar o povo romano. Ananias, o bom judeu, é ressaltado no segundo relato por causa da comunidade judaica). É preciso também enfatizar que, aparentemente, Lucas estava presente na terceira ocorrência, mas observe que Atos 26 é uma versão compacta que deixa Ananias de fora, enquanto Atos 22 é uma versão interrompida. Essas versões são, certamente, sumários escritos por Lucas. A diferença principal entre os retratos de Paulo em Atos 22 e em Atos 26 é que, na primeira narrativa, o propósito é representar Paulo como bom judeu obedecendo à orientação de Deus, enquanto em Atos 26 há a tentativa de convencer Festo e os outros de que Paulo é um profeta.

H I S T Ó R I A S D E P A U L O F. P E D R O : A S P R O V A S E T R I B U L A Ç O E S D O S A P Ó S T O L O S • ! • 151

Com base nessa história contada três vezes, aprendemos sobre Paulo, entre outras coisas, que ele foi criado e educado em Jerusalém, e não em Tarso. Também descobrimos que ele fazia parte do círculo mais íntimo do sumo sacerdote e tinha significativas diferenças com seu instrutor Gamaliel (cf. 22.3 com 5.34-39). Observe que, no segundo relato, a história é interrompida: Paulo menciona que foi enviado aos gentios (22.21). Esse segundo relato também mostra Paulo falando aos seus ouvintes em aramaico e, quando o tumulto se instala, enfatizando para o centurião a sua cidadania romana (v. 25). Observe também, em Atos 22.17, 18, que Paulo é retratado como um vidente, alertado por meio de uma visão pelo próprio Jesus de que deve fugir de Jerusalém. Isso está de acordo não só com a descrição de Paulo tendo uma visão de Cristo, apresentada nas narrativas da conversão, com também com o retrato de Paulo em Atos 27.23-26. Paulo é um homem com percepção espiritual, sintonizado com Deus e seus emissários.

O relato em Atos 9 é feito em terceira pessoa e, entre outras coisas, enfatiza que a conversão de Paulo foi um processo que começou na estrada para Damasco, mas só foi concluído depois que ele chegou àquela cidade, onde recobrou a visão, ficou cheio do Espírito Santo e foi batizado (9.17, 18). Ananias também é retratado como vidente em 9.10-16. Essa parte da história é muito semelhante à de Pedro, em Atos 10, onde tanto ele quanto Cornélio têm visões cujo objetivo é colocar os dois em contato.

O cerne das três versões da história é o mesmo: (1) Saulo recebeu permissão de algumas autoridades sacerdotais para realizar uma campanha contra os cristãos, e a história indica que isso incluía persegui-los em Damasco. (2) Quando estava a caminho de Damasco, Paulo viu uma luz e ouviu uma voz. (3) A voz perguntou: “Saulo, Saulo, por que me persegues?”. (4) Saulo, por sua vez, perguntou: “Quem és tu, Senhor?”. (5) A voz respondeu: “Eu sou Jesus, a quem persegues”. Portanto, todos os três relatos enfatizam que o encontro na estrada de Damasco envolveu uma comunicação real apenas com Saulo, e que após esse encontro ele deixou de ser um anticristão e passou a ser pró-cristão. E bem possível que o próprio Paulo se refira à natureza dessa experiência e ao seu impacto sobre ele em 2Coríntios 3.18 e 4.6. Lucas ressalta em suas narrativas a objetividade desse acontecimento, já que outros também viram a luz e ouviram um som, embora não vissem Jesus nem ouvissem fala articulada. Também é bom ressaltar que o nome de Saulo não muda nesse ponto da narrativa dos Atos. Só muda quando Saulo começa a evangelizar os gentios e adota o nome grego Paulo (At 13.9), talvez para alcançar Sérgio Paulo, que tem a forma latina do nome. O interesse de Lucas nesse relato de conversão não é primordialmente biográfico. Em vez disso, ele está interessado no papel cruciai que Saulo iria desempenhar no início do movimento cristão e na história da salvação. Diante do discurso de Pedro em Atos 15, torna-se claro que, nesse livro, Paulo não é diferençado de Pedro no que diz respeito à teologia da graça ou até à sua disposição de atingir os gentios, mas sim por sua função histórica, uma

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vez que foi comissionado permanentemente para se dedicar à conversão dos gentios. Com relação a esse comissionamento, devemos destacar que Atos 26 elimina o intermediário Ananias, enquanto em Atos 22 ele é o instrumento por meio do qual Saulo é comissionado, embora, nos dois relatos, o responsável pelo chamado seja, fundamentalmente, Jesus. Observe que a narrativa em terceira pessoa em Atos 9 não diz nada sobre Saulo se tornar missionário aos gentios. Porém, na lógica narrativa dos Atos, ainda não estava na hora de mencionar isso.

Na realidade, essas narrativas têm em comum com o que Paulo diz em suas cartas o fato de que ele não recebeu sua conversão, comissão ou mensagem de fonte humana. Saulo não teve instrução na fé cristã antes de pegar a estrada de Damasco, e Ananias não é a fonte primordial do comissionamento de Paulo, em Atos 22. Observe que Ananias não instrui Saulo a respeito de Jesus, o que está de acordo com Gálatas 1.7 e 16 sobre o modo como Deus revelou seu Filho a Paulo. Ao usar a expressão “evangelho de Cristo” em Gálatas, Paulo se refere às revelações claras e essenciais que ele recebeu diretamente de Deus, e não de fonte humana.

Certamente poderiamos falar muito mais a respeito da história de Paulo, conforme é narrada em Atos. Ele é mostrado como um incansável missionário junto aos gentios, concentrando seu trabalho principalmente na Turquia e Grécia e dirigindo-se para Roma, embora não da maneira que havia imaginado. Lucas ressalta que ele continuou tentando alcançar outros judeus indo às sinagogas, o que apenas observações rápidas em algumas cartas paulinas, como 2Coríntios 11.24, podem confirmar. Lucas dá mais realce às operações de milagres de Paulo do que ele próprio o faz em suas cartas (mas v. Rm 15.19). Porém, não devemos nos esquecer de que Lucas escreve a história da salvação, enquanto Paulo redige como pastor e apóstolo. Tanto Lucas quanto Paulo enfatizam as provas e tribulações do apóstolo aos gentios, mas nenhum deles diz claramente como Paulo encontrou a morte em Roma. Isso ocorre porque a mensagem é mais importante que o men­ sageiro, e a missão mais importante que uma única vida. Embora Lucas tenha grande admiração por Paulo, ele não escreve seu encômio em Atos, assim como Paulo não compõe sua autobiografia nas cartas. Lucas atenua o lado controverso da obra de Paulo, nas discussões com seus convertidos e outros obreiros cristãos, mas não deixa suas falhas fora do retrato. A perseguição aos cristãos é claramente retratada como algo perverso, e em Atos 21.10-15 Paulo não atendeu ao conselho deÁgabo e dos outros cristãos para que não fosse a Jerusalém. Em vez disso, ele agiu firme­ mente, pois era um homem decidido. Enquanto Paulo realça aqui e ali em suas cartas sua condição de apóstolo cristão, Lucas enfatiza, de tempos em tempos, sua condição de cidadão romano e filho de cidadão romano (v. At 22.26-28). Em todas as fontes, são manifestos o zelo, a paixão, a extrema dedicação à obra e os sofrimentos de Paulo. Não é surpresa que um autor posterior, em 1 Pedro 3.15, tenha dito que a mensagem de Paulo em todas as suas cartas era que a longanimidade de Deus para conosco significa salvação. A graciosa oferta da salvação por intermédio

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