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132 AS HISTÓRIAS DO NOVO TESTAMENTO

AS HISTÓRIAS DO NOVO TESTAMENTO

132 AS HISTÓRIAS DO NOVO TESTAMENTO

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Os sinais da presença romana na Terra Santa estão por toda parte, até mesmo à beira-mar, em Cesaréia M arítim a, onde foi construído um aqueduto. Lucas parece estar bem consciente dessa presença ao contar a história de Jesus e seus seguidores e recontar a do AT. Até certo ponto, isso talvez se deva ao fato de que parte de sua obra em dois volumes foi escrita em Cesaréia, no final da década de 50, enquanto aguardava a libertação de Paulo, que estava em prisão domiciliar.

Na narrativa da Paixão, no evangelho de João, observamos algo muito seme­ lhante ao que ocorre em Mateus: um excesso de citações bíblicas e alusões, mas referentes a profecias e textos de Salmos, e não a histórias. O tema é o cumpri­ mento, e não a repetição de uma narrativa ou a extensão de uma história, ou uma analogia ou tipologia baseada numa história do AT. Não se trata de uma grande surpresa, já que nesse evangelho Jesus não é retratado realmente como contador de histórias. Ele não é mostrado como o grande contador de parábolas que os sinóticos enfatizam.

Assim como no evangelho de Marcos, há uma citação do salmo 22 na narrativa da Paixão em João 19.24. Só que, nesse caso, é um trecho diferente da história do justo sofredor. Aqui há uma citação de Salmos 22.18 sobre a divisão das roupas de Jesus entre seus inimigos, depois de tirarem a sorte. A referência à sede de Jesus, em João 19.28, evoca outra história sobre um justo sofredor, encontrada no salmo 69 (aqui especificamente 69.21).

O último evangelho que vamos estudar é Mateus. Já falamos bastante sobre a orientação sapiencial desse evangelho. Se acoplarmos essa orientação ao cumpri­ mento de profecias enfatizado no primeiro evangelho, e acrescentarmos o fato de

HISTÓRIAS EXTRAÍDAS DO ANTIGO TESTAMENTO T 133

Mateus incorporar 95 por cento de Marcos, não poderemos esperar muitos ecos ou citações das histórias do AT nele.32

A prerrogativa real de Jesus é muito enfatizada nesse evangelho, que começa com uma genealogia davídica (embora seja a de José, e não a de Maria) e termina com Jesus retratado como o Rei dos Judeus, ainda que sobre a cruz. A história contada em Isaías 7.14 a respeito do nascimento real de um menino que seria chamado Emanuel é citada em Mateus 1.23. O contexto em Isaías é o de um sinal profético que será dado à casa de Davi. Portanto, o início da história de Jesus já vem expresso em termos davídicos reais.

Mais interessante ainda é Mateus 2.15, em que temos uma citação de Oséias 11.1, a história de como Deus chamou seu filho Israel da escravidão no Egito. Aqui, a história de Israel é recapitulada em Cristo. Ele agora é o filho que está sendo chamado do Egito. O ponto interessante sobre o uso da história do êxodo aqui é o tema definido: de que Jesus é Israel andando corretamente. Esse filho não fica vagando por quarenta anos, tentando voltar; ele volta imediatamente. Ele é aquele — como ele mesmo diz mais tarde a João — que deve cumprir toda a justiça por Israel (Mt 3.15).

Embora, definitivamente, fale por meio de parábolas neste evangelho, Jesus, em geral, não conta ou reconta histórias do AT. É interessante, porém, como Mateus acrescenta uma citação bíblica, de tempos em tempos, ao material extraído de Marcos, evocando alguma história. Por exemplo, em Mateus 8.17 existe uma citação de Isaías 53.4, a suprema história do justo sofredor, mas aqui ela é usada para se referir a Jesus curando as pessoas e levando sobre si suas enfermidades, no sentido de dar alívio a suas doenças. O relato paralelo em Marcos 1.29-34 não tem essa citação bíblica que traz à discussão a história do servo sofredor. Existe uma citação ainda mais completa de uma canção do servo, em Mateus 12.18-21, em que Isaías 42.1-4 é citado extensamente para ilustrar o fato de que as Escrituras haviam predito a história daquele que se recolhería, mas continuaria a curar, tendo muito cuidado de não ferir ninguém.

Há uma breve alusão à história da destruição de Sodoma e Gomorra, em Mateus 10.15, usada por Jesus para dizer que aquelas cidades serão julgadas com maior brandura do que as que rejeitarem os mensageiros enviados por ele. Esse mesmo tipo de alusão à história de Sodoma é repetido em Mateus 11.23, 24, só que, neste caso, Cafarnaum é a cidade apontada como merecedora de castigo mais severo. Também há a afirmação explícita em Mateus 11.14 de que João Batista é o Elias moderno da profecia de Malaquias,33 história reiterada e expandida em Mateus 17.11, 12.

32 V. meu livro Jesus the Suge: The Pilgrimage of Wisdom (Minneapolis: Augsburg/Fortress, 1994), p. 341-70.

Em Mateus 12.3, 4, o evangelista se apropria da história recontada em Marcos, em que Davi toma os pães da proposição no sábado, mas elimina as complicações com a exclusão da referência a Abiatar.34 De modo semelhante, em Mateus 19, utiliza o material de Marcos 10 a respeito do plano de Deus para o casamento, com base na criação. Mas o contexto em Mateus se refere à questão de saber se a pessoa pode se divorciar por qualquer motivo. Em Mateus 22.32, a referência contextual ao episódio de Moisés e a sarça ardente é eliminada do material oriundo de Marcos, na parte onde afirma que Deus é Deus de vivos, e não de mortos.

Em Mateus 12.39-42, é apresentada uma versão expandida da história de Jonas, em comparação com a de Lucas. Aqui, a parte da história sobre Jonas na barriga do peixe também é narrada, e é feito um paralelo com a morte e ressurreição do Filho do homem! É uma adaptação e tanto da história de Jonas, que, é claro, não se refere verdadeiramente a morte e ressurreição. Além disso, em Mateus 16.4 será reiterado que Israel só receberá o sinal de Jonas. Na referência ao sangue dos justos, de Abel a Zacarias (M t 23.35), Mateus acrescenta que Zacarias é o filho de Baraquias, assassinado entre o altar e o templo. Portanto, são fornecidos mais detalhes da história do que na passagem paralela.35

É difícil explicar a narrativa de Mateus a respeito da morte de Judas. Três textos (Jr 19.1-13; 32.6-9; Zc 11.12, 13) aparentemente servem de base para essa narrativa. Porém, só o primeiro deles contém, realmente, uma história sobre a compra de um campo de oleiro. O evangelista parece sugerir que temas provenientes de uma história e de profecias se cumprem na narrativa da morte de Judas.

Co n c l u s õ e s

Até mesmo uma leitura superficial dos textos do NT que se baseiam em histórias do AT revela a grande quantidade de material aproveitado. A tendência de ressaltar demais os textos proféticos que estão sendo cumpridos pode nos levar a não perceber quanto os autores do NT recorreram às histórias do AT para fundamentar, iluminar, amplificar e explicar sua proclamação do evangelho. É interessante que o material mais usado vem do Pentateuco, particularmente as histórias fundamentais de Gênesis e, em menor grau, as de Êxodo. Observe que não ocorrem alusões ou citações de grandes trechos dos livros históricos, e isso inclui muito material interessante de Josué e Juizes. A história do justo sofredor, narrada em Salmos ou Isaías 2, é bastante utilizada, o que não é de surpreender. Porém, toda a riqueza desse material textual, embora grande, perde o brilho em comparação com as novas histórias que o NT conta sobre seus próprios heróis, sejam eles Jesus, os

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