• Nenhum resultado encontrado

HISTÓRIAS EXTRAÍDAS DO ANTIGO TESTAMENTO •!*

AS HISTÓRIAS DO NOVO TESTAMENTO

HISTÓRIAS EXTRAÍDAS DO ANTIGO TESTAMENTO •!*

que procura sem se importar muito com o ambiente original onde o precioso material se encontra. Alguns também têm argumentado que nessa reciclagem de material antigo, João mostra pouco interesse na importância ou no significado original de um verso, uma imagem ou idéia. Essa visão tem sido contestada nos últimos tempos.12 R. Bauckham e J. Fekkes defenderam o ponto de vista de que João fez uma meticulosa exegese de suas fontes, em sua maioria compostas pelos livros proféticos do AT.13 Fekkes, seguindo as conclusões anteriores de R. FE Charles, ressalta corretamente que o profeta João extrai seu material diretamente das versões em hebraico ou aramaico do AT, e não da Septuaginta.'4 Esse dado sugere que, embora Apocalipse possa não ser um exemplo de tradução para o grego, ele pode muito bem ser um exemplo de grego como segunda língua, querendo dizer com isso que a primeira, a língua materna do autor, era um idioma semítico.15 João é um profeta que utiliza imagens e símbolos apocalípticos. Os símbolos e idéias apocalípticas servem para a interpretação de vários textos do AT, que é nitidamente a principal fonte do material não-profético de João. O autor acredita sinceramente que ele e seus leitores vivem na época em que várias profecias e histórias se cumprem. Assim, ele se preocupa nitidamente com a relação entre promessa/profecia e o seu cumprimento, embora trate essa questão de forma um pouco diferente do primeiro e do terceiro evangelista.

Não por acaso, Apocalipse é o único livro do NT a conter oráculos da divindade em primeira pessoa, como ocorre nas obras proféticas do AT. João se vê, de modo semelhante ao de muitos outros profetas, como a boca de Deus, e ele repudiaria a idéia de que as coisas que revela são “sua” profecia. Decerto não; o seu livro contém a revelação de Jesus Cristo. Exatamente por isso João enfatiza a inviolabilidade dessas profecias (Ap 22.18, 19). E importante perceber, portanto, que João fala de um tipo de profecia que, ao contrário de outras profecias neotestamentárias a que Paulo se refere (em ICo 14; cf. lTs 5.21), não precisa ser analisada e ponderada ou testada e avaliada, mas simplesmente deve ser recebida e aplicada, como as profecias do AT. “João não parte apenas de onde os profetas pararam — ele também se apropria do que eles deixaram. Ele não é apenas parte de um ciclo profético, mas ocupa uma posição num continuum profético que leva adiante até a revelação final

12 Uma boa visão geral dc todos os argumentos contra e a favor dessa idéia encontra-se em Johrís Use o f the Old Testament in Revelation, de G. K. Beale(Sheffield: Sheffield Academic Press, 1998), que contém uma crítica bastante esclarecedora das posições de pessoas como J. P. Ruiz e S. Moyise, para quem o autor não é sensível ao contexto literário do material veterotestamentário que utiliza.

13 V. tb., de R. Bauckham. The Clímax ofProphecy: Studies on the Book of Revelation (Edinburgh: T. & T. Clark, 1993), esp. p. 38-91.

w J. Fekkes, Isaiah an d the Prophetic Traditions in the Book o f Revelation: Visionary Antecedents and Their Development. ShefField: Sheffield Academic Press, 1994, p. 17.

15 O que coloca em dúvida a hipótese de que o estilo grego do autor seja deliberadamente prolixo por causa do tema apocalíptico. O interesse de João é tirar o lacre. Seu intuito é revelar, não ofuscar.

122 d-AS HISTÓRIAS DO NOVO TESTAMENTO

as palavras vivas de Deus, confiadas aos cuidados da irmandade dos profetas (Ap 10.7).”16 Precisamos avaliar nesse contexto o modo como João faz uso do AT, particularmente de suas partes proféticas.

Por exemplo, em primeiro lugar, talvez a principal razão pela qual João não cita diretamente o AT com muita freqüência seja o fato de que ele não trata aquele material como um escriba, sábio ou apóstolo, mas sim como profeta. “Ele não ratifica suas visões com base na autoridade apostólica conferida pelo Jesus terreno.

O livro também não é uma palavra pessoal de exortação cuja autoridade provém de citações da revelação divina [...]. Seu comissionamento dá origem a uma nova profecia — uma revelação nova — , autorizada simultaneamente por Deus, pelo Cristo ressurreto e pelo Espírito divino.”17 Essa nova revelação pode requerer a citação do AT, mas como João vê os profetas do AT como seus pares, considera-se um deles, não sente muito a necessidade de fazer tais citações (mas compare, p. ex., Ap 2.26b, 27 com SI 2.8a, 9). O vasto conjunto de alusões e citações do AT (pelo menos 278 alusões nos 404 versículos) têm vários propósitos, um dos quais é apoiar a autoridade de toda a obra e a mente do orador, João.

João fala como os profetas antigos, tanto no uso do estilo profético em primeira pessoa, quanto na utilização de expressões, imagens e idéias de cunho profético. João não emprega material do AT apenas por sua força poética ou metafórica; ele “quer que os leitores percebam o fundamento profético de suas afirmações”.18 Fekkes demonstra com riqueza de detalhes que, na esmagadora maioria dos casos, o modo como João utiliza um texto do AT não se restringe às semelhanças de linguagem e imagens, mas abrange os temas; e a correspondência se estende até mesmo “ao cenário e ao propósito da passagem bíblica original”. João parece selecionar seus textos com base no tema e no assunto a ser abordado, e não na fonte canônica, embora prefira nitidamente o material apocalíptico encontrado em Ezequiel, Daniel e Zacarias, bem como em Isaías, Jeremias e Joel. “Livros especiais não parecem ser tão importantes quanto temas especiais.”19 Não é verdade que João “simplesmente use o AT como uma lista de tópicos religiosos para envolver suas visões com simbolismo e retórica convencionais”.20 Fekkes demonstra em seguida, usando exemplos de Isaías, que João não utiliza as Escrituras Hebraicas a d hoc, mas segue antigos procedimentos hermenêuticos judaicos bem conhecidos.21 Vemos, então, que João está interessado em fazer exegese e em ser fiel à essência de vários textos proféticos do AT, e lida com eles de forma convencional. “Por intermédio de uma Revelação de Jesus, João tornou-

16 Fekkes, p. 58. 17 Ibidem, p. 66. 18 Ibidem, p. 69. 19 Ibidem, 69. 20 Ibidem, 103. 21 Ibidem, 191-278.

se o ‘sumo sacerdote’ e profeta que os manuseou e interpretou, e entregou sua mensagem à comunidade que aguardava ansiosa.”22

Fekkes também é de grande ajuda na descrição do modo como Apocalipse pode ter sido composto. Ele reconhece que João teve experiências visionárias reais, mas o que temos neste livro não é uma simples transcrição, e sim um refinamento literário dessas experiências. Porém, é preciso também levar em conta as influências que João trazia antes de ter as visões, bem como a redação que ele dá a esse material- fonte, posteriormente. A obra não é nem um produto meramente literário nem mero exercício de exegese dos textos veterotestamentários, mas uma combinação de revelação, reflexão e composição literária.23 “Apesar de ser profético, Apocalipse não é a d hoc. E apesar de usar a Escritura implicitamente, não é superficial.”24

O que apresentei até agora leva à conclusão de que João não utiliza muito o AT como história, nem se apropria tanto de suas histórias. Ele se concentra nos trechos proféticos do AT em que não ocorre a narração de histórias, e sim a trans­ missão de oráculos. Entretanto, ele quer deixar claro que sua história é muito semelhante às dos profetas apocalípticos que viveram antes dele, e que, portanto, transmite visões muito semelhantes às de Ezequiel, Daniel e outros. As histórias de João baseiam-se nos princípios da analogia ou da tipologia. O que aconteceu à antiga Babilônia vai acontecer com Roma no futuro (e, possivelmente, com outras nações). Portanto, a destruição de Roma pode ser descrita com as imagens e idéias relacionadas com a Babilônia. Não se trata aqui do cumprimento de antigas histórias, mas de uma nova história análoga às antigas. A queda de Roma não está realmente prevista no AT. Em resumo, vemos na utilização do AT em Apocalipse não tanto uma lógica narrativa, mas sim uma lógica oracular ou profética, exatamente o que se esperaria do único livro de profecia do NT.

Hi s t ó r i a s d e Is r a e l n o s e v a n g e l h o s e e m At o s

Certamente, poderiamos dedicar um livro inteiro ao estudo da utilização do AT nos evangelhos e em Atos, mas o foco deste trabalho não é exatamente um tipo qualquer de uso do AT, mas sim o modo como os autores neotestamentários se apropriam das histórias contidas nele ou as utilizam como base. Vamos começar com Atos e fazer o caminho de volta até os quatro evangelhos.

Certamente existe, em Atos, uma ênfase muito grande no cumprimento de profecias do AT em Jesus e na igreja, o que é facilmente perceptível (cfi, p. ex., J1 2 em At 2, aplicado aos crentes, e Is 53 em At 8.32-33, aplicado a Jesus). Esse aspecto envolve a utilização de oráculos, vistos agora como cumpridos no NT e na

22 Ibidem, 289. 23 Ibidem, 289-90. 24 Ibidem, 290.

Documentos relacionados