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5.2 AÇÕES NA UNICAMP

5.2.1 O contexto do ambiente de aprendizagem

As interações nessa primeira fase de contato com o computador, com a internet e com o TelEduc foram desenvolvidas presencialmente. Ocorreram nas dependências do Laboratório In- terdisciplinar de Pesquisa para uma Comunidade Saudável-Ação (LIPACS) e de forma síncrona. Participaram três agentes de saúde do bairro São Marcos: duas mulheres e um homem. Entre eles, apenas um possuía computador em casa, com conexão à internet, sendo que o principal usuário era o filho e não o próprio agente. Por questões financeiras, a utilização da internet só ocorria depois das 24h e a partir dos serviços gratuitos. As outras duas agentes não possuíam computador e alegaram ter pouquíssimas experiências com informática.

Num primeiro momento, antes de entrarmos na relação direta com o computador e com a internet, buscamos identificar quais eram as características do ambiente de aprendizagem no qual estávamos inseridos. O simples fato de estarmos na Unicamp já retirava as características de educação popular que havíamos observado na comunidade. Nos encontrávamos mais próximos de uma capacitação presencial em informática, embora essa capacitação sempre tenha sido enca- rada como um recurso para atingir os objetivos na área de saúde e não como um curso de infor- mática propriamente dito.

Como não poderia deixar de ser, nesses encontros a linguagem escrita dividiu a atenção com outros canais de comunicação. A oralidade, as expressões faciais e corporais também foram relevantes e integraram-se à escrita, à fotografia digital e à navegação na internet e no TelEduc. A comunicação, na sua acepção orquestral, estabelecia-se, apesar do espaço físico reduzido, com uma riqueza muito grande de elementos.

Os agentes viviam dentro do mesmo contexto (econômico, social e cultural) e trabalha- vam no mesmo centro de saúde. Viver nas mesmas condições precárias despertou nos agentes, além de mecanismos comunicacionais comuns, objetivos semelhantes, ou seja, superar a realida- de na qual estavam submetidos. Os valores também se apresentavam como comuns. E, pelo que observamos, mantinham uma relação saudável de coleguismo. Desde o primeiro momento em que o grupo adentrou o estabelecimento do LIPACS, ficou demonstrado – pelas vozes entoadas,

gestos e brincadeiras – o bom-humor, a afetividade mútua e a disposição para uma nova aprendi- zagem que seria profissionalmente útil a eles. A atividade era voluntária e eles não estavam sub- metidos às pressões e aos horários dos postos de saúde. Como mediadores desse ambiente, procu- ramos construir um clima descontraído, com total respeito à autonomia dos agentes. No entanto, alguns cochichos entre eles, revelavam que, apesar do ambiente descontraído, havia algo estra- nho, algo desconhecido frente ao qual era preciso preservar-se, esconder-se.

Nas conversas que precederam as atividades no computador, pudemos perceber que a representação que os três agentes faziam da Unicamp estava em reconstrução e, ao que tudo indi- cava, dependia do sucesso ou insucesso das nossas atividades. Na comunidade era comum encon- trarmos duas idéias gerais associadas à Unicamp. A primeira – para a maioria dos moradores a- tendidos no hospital – de que ela era o Hospital das Clínicas. Para setores que já haviam passado por experiências com pesquisadores, havia a idéia de que a Unicamp era um “bando de professo- res que usa a comunidade para suas pesquisas e depois vai embora sem contribuir com nada”21. Para os agentes de saúde que estavam no LIPACS, duas novas idéias misturavam-se às anterio- res: “a Unicamp é uma escola onde eles poderiam aprender sobre saúde e informática”; “o Ipes era uma ONG confiável, que estava ensinando a comunidade como tirar proveito da universida- de”22.

O agente demonstrava uma maior habilidade em relacionar essas idéias, inclusive fazen- do brincadeiras com elas. As duas mulheres, mais tímidas, mantinham ainda uma maior desconfi- ança. Quando perguntado aos três como eles estavam se sentindo e com o que a Unicamp poderia contribuir com a comunidade, as respostas foram bem diferentes. Enquanto as duas agentes fica- ram retraídas e com dúvidas, o agente respondeu rapidamente que esperava que a Unicamp desse formação na área de saúde e de informática, assim como garantisse o acesso a informações cientí- ficas.

Por outro lado, foi possível notar que a representação que fazíamos da comunidade tam- bém estava em reconstrução. Algumas expressões que usávamos em relação à comunidade cau-

21 Expressão usada por um agente de saúde durante uma das reuniões na comunidade. 22 Expressões utilizadas por estudantes e agentes de saúde em reunião na Unicamp.

savam estranheza aos agentes. Um exemplo dessa situação foi nossa incapacidade de identificar e separar as regiões tranqüilas das regiões violentas que existem na região. Nós não conhecíamos as regras sociais estabelecidas por eles nem os mecanismos de sobrevivência dos moradores. Sendo assim, nossa relação com a comunidade ainda não era autônoma. Muito pelo contrário, ainda tínhamos muito que conhecer e conviver.

Essas representações mentais, conceitos em formação, que tanto nós fazíamos em rela- ção à comunidade e aos agentes, quanto eles faziam em relação à Unicamp, ao Ipes e ao Comuni- dade Saudável atuaram como entidades que, de uma forma ou de outra, foram regulando as ações de cada um. Foi possível notar que uma maior desenvoltura nas conversas e nas iniciativas cor- respondia a pensamentos com representações mais plásticas e móveis.

Num segundo momento, buscamos identificar as possíveis fases de desenvolvimento da autonomia, baseados no ferramental de Piaget, porém levando em consideração que estávamos trabalhando com pessoas adultas e que esta seria uma autonomia relativa aos assuntos tratados e aos ambientes em que se inseriam.

Durante o desenvolvimento das atividades pudemos identificar, seguindo os descritores definidos anteriormente, três fases distintas de relacionamentos dos agentes, que correspondem, em certa medida, aos estágios que Piaget descrevia para as crianças: anomia, heteronomia e auto- nomia. Eles não se manifestaram em estado puro, porém, a cada atividade, as características de um determinado estágio eram mais evidentes.