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do as matrizes pedagógicas e as princi- pais influências da comunidade no pro- cesso de aprendizagem que estávamos iniciando, faltava enfocarmos o elemento novo desse processo: os agentes de saú- de estariam, no interior do ambiente de aprendizagem, lidando com as interfaces digitais da internet e do TelEduc. As solicitações da comunidade, suas preo- cupações, seus anseios e desconfianças,

suas influências culturais, suas matrizes pedagógicas estariam, a partir de agora, sendo mescla- das, re-significadas e re-modeladas frente aos elementos da interface digital. Esse fato, de funda- mental importância para o processo de construção do conhecimento, nos levou à busca do concei- to de interface.

No Dicionário Eletrônico Houaiss encontramos:

1 elemento que proporciona uma ligação física ou lógica entre dois sistemas ou partes de um sistema que não poderiam ser conectados diretamente

2 área em que coisas diversas (dois departamentos, duas ciências etc.) interagem 3 Rubrica: informática.

fronteira compartilhada por dois dispositivos, sistemas ou programas que trocam da- dos e sinais

4 Rubrica: informática.

meio pelo qual o usuário interage com um programa ou sistema operacional (p. ex., DOS, Windows).

5 Rubrica: geofísica.

superfície que separa as camadas sísmicas da Terra. 6 Rubrica: física.

superfície definida pela fronteira entre dois sistemas ou duas fases. (Houaiss et al, 2001)

Figura 3. Exemplo de interface utilizada para EAD no Projeto Comunidade Saudável

Embora esse conceito venha sendo utilizado há bastante tempo pela física e pela geofísi- ca, seu emprego foi ampliado e popularizado pela informática. A evolução do conceito de inter- face, uma ligação física (e) ou lógica entre dois sistemas, teve sua evolução, no campo da infor- mática, descrita em Interface entendida como um espaço de comunicação (Oliveira & Baranaus- kas, 2003).

Quando a tecnologia passou a permitir o uso de linhas de comando, que apareciam no mo- nitor, predominou a acepção metafórica de interface como uma conversação para a qual uma pessoa diz alguma coisa e o computador responde, ou seja, o paradigma de comunicação enquanto transmissão de informação emissor-receptor. A evolução gráfica dos sistemas operacionais trouxe consigo a metá- fora de interface como desktop, ou uma representação do ambiente de trabalho do usuário: “A inter- face é vista como uma escrivaninha e cada projeto ou parte de um projeto como papéis e pastas sobre a escrivaninha” (Oliveira & Baranauskas, 2003, p. 1).

Embora as metáforas sobre as interfaces tenham uma aplicabilidade prática e imediata, muitas vezes com bons resultados, se tornam um problema semiótico muito importante na cons- trução do conhecimento e da autonomia em ambientes de EAD.

A noção de metáfora de desktop ou a noção de metáfora em geral foi criada para descre- ver uma correspondência entre o que o usuário vê na interface e o que deve pensar sobre o significado do que ele vê. Ao invés de pensar no próprio sistema representado na inter- face, a metáfora coloca junto sistema e um domínio familiar. O efeito disto é que o usuá- rio irá desenvolver um modelo mental de sistema que estará muito mais próximo do mundo da metáfora do que do mundo do sistema representado. (Oliveira & Baranauskas, 2003, p. 2)

Se em certo sentido a metáfora pode atuar como uma ponte entre o usuário e a interface, para o caso de iniciantes, em outro sentido, pode atuar como uma trava que impede compreen- são, domínio e apropriação plena das potencialidades do sistema. Isso impõe para um mediador ou facilitador, em ambientes de EAD, ter a sensibilidade de perceber as metáforas de interface envolvidas na aprendizagem e a habilidade de questioná-las ou alterá-las no decorrer do processo.

Percebendo que a metáfora de desktop estava se transformando em uma trava para a compreensão e domínio da capacidade polimórfica dos computadores, Oliveira e Baranauskas observam que a comunicação com o computador não é direta, mas mediada por representações mentais.

É certo dizer que, em geral, não assistimos à televisão ou ao cinema mas aos programas ou filmes representados nestes meios. Penetramos a tal nível na história de um filme que, ao lembrarmos o que assistimos, percebemos que sequer nos atemos aos detalhes do ci- nema em si. Tudo passa para nós como se estivéssemos dentro da estória. De forma si- milar, o computador não é a máquina com a qual nos comunicamos. É ingênuo ou cô- modo falar em interação Humano-Computador. Podendo assumir milhares de formas, o computador tem a capacidade de representar milhares de entidades. É com estas entida- des representadas pelo computador que nos comunicamos e percebemos que estas enti- dades comunicam-se entre si. (Oliveira & Baranauskas, 2003, p. 2, grifo do autor)

Levando em consideração que a comunicação homem-computador não é linear nem di- reta, os autores sugerem um novo modelo teórico, uma nova representação mental ou, talvez, uma nova metáfora, a respeito de interface.

Entendemos uma interface como um conjunto de entidades que se comunicam, uma ou mais das quais são seres humanos. Sendo entendida como um espaço para comunicação, os fenômenos que ocorrem nas interfaces são fenômenos de natureza semiótica. (Olivei- ra & Baranauskas, 2003, p. 2, grifo nosso)

A partir destas concepções, a comunicação é entre as pessoas e entre elas e o computa- dor é enfocada no campo dos conceitos e das representações mentais. Neste campo atuam as en- tidades, que, como definiram os autores, são representações gráficas e mentais de objetos, pesso- as e processos. Estas entidades se comunicam na interface e emitem signos.

Toda entidade é percebida pelo ser humano como possuindo uma certa possibilidade de emissão de signos e uma certa capacidade de semiose relativo ao mundo da interface. Possibilidade de emissão de signos refere-se à habilidade de produzir expressões para o mundo da interface. Capacidade de semiose refere-se à habilidade de perceber e interpre- tar o mundo da interface. (Oliveira & Baranauskas, 2003, p. 3)

Diante dessa evolução conceitual, sugerimos, enquanto educadores, fazer uma transposi- ção crítica desse novo conceito de interface para o campo pedagógico no qual se desenvolvem as atividades do Projeto Comunidade Saudável. Sugerimos, então, uma descontextualização desse conceito, retirando-o do contexto semiótico das interfaces computacionais. Em seguida, propo- mos a sua re-contextualização no universo das relações pedagógicas e de ensino-aprendizagem.

Oliveira e Baranauskas associam o conceito de interface ao mundo das representações mentais, das ferramentas do pensamento. Isso significa que esse conceito aparece também como uma representação mental e, portanto, como ferramenta do pensamento, dissociado do objeto que

representa. Ganha, assim, autonomia para ser empregado em universos diferentes do semiótico ou da Interação Humano-Computador (IHC).

No caso do Projeto Comunidade Saudável não tínhamos em mente somente uma relação bipolar humano-computador, mas uma relação humano-humano mediada pelas tecnologias digi- tais. Por outro lado, concordamos com Rocha e Baranauskas (2003, p. 13) quando afirmam que “não se pode pensar em interfaces sem considerar o ser humano que vai usá-las e, portanto, inter- face e interação são conceitos que não podem ser estabelecidos ou analisados independentemen- te.”

Esse entendimento comum a respeito da interação e da comunicação mediadas por com- putador permite aproximar os objetivos dos especialistas em interfaces, os especialistas da Intera- ção Humano-Computador (IHC), dos objetivos pedagógicos. Assim,

As preocupações usuais dos designers de interfaces – criar tipos mais legíveis, melhores barras de rolagem, integrar cor, som e voz – são todas importantes, mas são secundárias. A preocupação primeira deve ser melhorar o modo como as pessoas podem usar o compu- tador para pensar e comunicar, observar e decidir, calcular e simular, discutir e projetar. (Rocha & Baranauskas, 2003, p. 13)

A proximidade do estudo das interfaces e dos ambientes multimediáticos de aprendiza- gem não se restringem apenas a objetivos muito próximos. Ao focarem a comunicação e a cons- trução do pensamento, os estudos se mesclam irremediavelmente.

Os objetivos de IHC são o de produzir sistemas usáveis, seguros e funcionais. Esses ob- jetos podem ser resumidos como desenvolver ou melhorar a segurança, utilidade, efeti- vidade e usabilidade de sistemas que incluem computadores. Nesse contexto, o termo sistema se refere não somente ao hardware e o software mas a todo o ambiente que usa ou é afetado pelo uso da tecnologia computacional. (Rocha & Baranauskas, 2003, p. 17)

Sendo assim, e levando-se em consideração as questões de aprendizagem e do espa- ço/tempo, sugerimos o deslocamento do conceito de interface da área semiótica ou de IHC para o contexto pedagógico dos ambientes de aprendizagem. Particularmente, propomos a sua aplicação ao ambiente que construímos durante o projeto. Nesse caso, o conceito pode ser entendido como uma interface pedagógica, espaço-temporal, entre a atual representação de saúde como trata-

mento da doença – plasmado na ação e consciência atual da comunidade – e a futura representa-

Nesse ambiente de aprendizagem, enquanto interface espaço-temporal, participam diver- sas entidades – representações mentais – que estabelecem um diálogo entre si: os agentes de sa- úde, os alunos e professores da Unicamp, os representantes da prefeitura de Campinas, as ações na comunidade, a rede de computadores, o TelEduc, seus símbolos semióticos e ferramentas. Estas entidades, construídas no pensamento de cada agente de saúde, registradas no TelEduc passam a ter papel ativo na aprendizagem e no desenvolvimento da autonomia.

Com essa abordagem, estamos sugerindo que, para o desenvolvimento da autonomia, se torna importante investigar as ligações existentes entre as representações no ambiente de aprendi- zagem e as representações no TelEduc. Ou dizendo de outra forma: como as entidades do ambi- ente de aprendizagem e as entidades das interfaces do TelEduc interagem para a construção da autonomia do agente? Como os agentes de saúde representam a Unicamp, seu ambiente de tra- balho e a si mesmos no TelEduc? Como essas entidades que já existem no ambiente e as que po- dem ser criadas pelos agentes poderão contribuir para o desenvolvimento da autonomia frente aos ambientes de EAD na perspectiva da promoção da saúde? Que representações os agentes serão capazes de criar sobre suas reflexões na ação e reflexões sobre a ação, utilizando as enti- dades do TelEduc e do ambiente de aprendizagem?

Assim, torna-se possível construir uma linha condutora para alinhavar as entidades e re- presentações nas interfaces semióticas com as entidades que transmitem informações e se comuni- cam no ambiente de aprendizagem. E a problemática da construção da autonomia deixa de ser ape- nas uma questão de manuseio da tecnologia e passa a ser uma questão de atribuição de significados e inter-relações entre as entidades.

Isso significa que o paradigma comunicacional em andamento já não é mais o de trans- missão de informações emissor-receptor, mas sim o modelo orquestral de comunicação onde os detalhes temporais, comportamentais, gestuais; as ausências, são importantes entidades comuni- cacionais ao lado da oralidade e da escrita. Dessa forma, aparece, no interior do ambiente de a- prendizagem, um conjunto de entidades comunicacionais que atuarão na modelagem do processo de aprendizagem e autonomia.

Figura 4: Diferentes possibilidades de emis- são de signos pelas entidades da interface. Adaptação de Oliveira e Baranaukas (2003, p. 4). III I II A B B C B A A

Sendo assim, se pretendemos observar a autonomia dos agentes de saúde no uso dos re- cursos digitais para a promoção da saúde na comunidade,

precisamos mesmo é entender melhor a comunicação entre as entidades que partici- pam da interface. (Oliveira & Baranauskas, 2003, p. 3, grifo nosso)