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Rhind (1998) dividiu o período de desenvolvimento dos SIG europeus em três períodos distintos. Iremos usar esta classificação, que corresponde, como iremos ver, a diferentes estados de avanço tecnológico e organizacional (e político) e que, em capítulo posterior, tentaremos ajustar à realidade portuguesa.

Os primeiros exemplos conhecidos de mapas produzidos por computador terão sido as cartas meteorológicas, obtidas usando impressoras vulgares a partir de 1950. O Instituto de Meteorologia de Estocolmo refere trabalho nessa área em 1954 e Simpson refere algum trabalho anterior em Inglaterra (Rhind, 1998). Nestes trabalhos, terão estado envolvidos apenas meteorologistas, sem a ajuda de cartógrafos ou geógrafos com experiência na área da cartografia automática.

Da Suécia, viriam também os primeiros trabalhos na área da georeferenciação, nascidos do Departamento de Geografia da Lund University. Um primeiro paper de Nordbeck, de 1952, seguido de um papear de Hagerstrand em 1967 sobre o “geógrafo e o computador” , sendo este último uma referência internacional da área da Geografia pelo trabalho desenvolvido desde 1950 na divulgação de inovações (Rhind, 1998). A partir dessa data, o National Swedish Council for Building Research lançou um programa de investigação em processamento de dados georeferenciados, que foi bem documentado num livro publicado em 1972 por Nordbeck e Rystedt (Rhind, 1998). Este trabalho de cientistas das ciências sociais foi complementado, na mesma universidade de Lund pelo trabalho dos engenheiros electrotécnicos que produziram o primeiro plotter raster de grande formato, posteriormente adquirido por uma empresa dos EUA. A ligação entre estes investigadores e os congéneres americanos da Northwest University foi bastante evidente, nomeadamente nos trabalhos publicados (Rhind, 1998).

Foi também deste país que surgiu o primeiro trabalho de georeferenciação do cadastro predial. Em 1964, o governo sueco decidiu implementar o cadastro dos terrenos e em 1966 foi criado um Land Register Committee com o objectivo de estudar as formas de utilizar o processamento electrónico dos dados no sentido de apressar o trabalho cadastral. Depois de várias fases, o Swedish Land Data Bank entrou em funcionamento em Uppsala nos finais de 1975 (Rhind, 1998), tendo conseguido apenas dois anos depois, ter completado o registo de metade das propriedades suecas.

A longa tradição de abertura da sociedade sueca à divulgação de dados quase pessoais permitiu, entre os restantes factores, uma rápida implementação deste tipo de sistemas, estando em funcionamento doze sistemas em 1977 nos vários organismos governamentais suecos.

Em Inglaterra, os primeiros esforços foram efectuados por Perring e Walters, como vimos anteriormente, logo seguidos por Coppock, que se viu compelido a usar meios electrónicos ao tentar analisar os dados do seu inventário de terras na área de Chiltern Hills, em 1954. Essa tarefa conduziu a mais experiências com mecanismos electrónicos de medição de áreas (Rhind, 1998). No final de 1950, Coppock analisou meio milhão de registos do censo agrícola, usando um computador da London University, classificando os dados de modo a ser possível cartografá-los à mão. Este poderá ter sido o

primeiro trabalho de investigação em SIG de sempre (Rhind, 1998).

Uma das diferenças apontadas entre os EUA e a Europa respeita ao facto de nos países europeus quase não existir terreno propriedade do estado, ao contrário dos EUA, em que parte do desenvolvimento de sistemas foi orientado para a implementação de grandes sistemas de gestão de áreas de administração pública. Na Europa, prevalece a propriedade privada e a pressão para desenvolver aplicações automatizadas de gestão das propriedades é muito menor. Por outro lado, pelo menos na Inglaterra do anos 70 e 80, as administrações locais, onde poderiam ser bem recebidos estes sistemas, sofreram uma forte redução nas suas competências bem como cortes orçamentais que inviabilizaram este tipo de iniciativas nessa altura (Coppock e Rhind, 1991).

Entretanto, o já referido Atlas de Bickmore produziu tantos problemas que o referido investigador, em 1960, dispunha já de um sistema de cartografia automática pensado, que veio a ser implementado e é descrito em 1964 pelo autor e por Boyle. Destes dois indivíduos, surgiu a primeira mesa digitalizadora de cursor livre do mundo (Rhind, 1998), demostrando que não só nos EUA se fizeram avanços tecnológicos significativos.

No entanto, o trabalho efectuado em Inglaterra com maior impacto e melhor estruturado e documentado provém da Experimental Cartography Unit (ECU), fundada em 1967 por Bickmore, que também a dirigiu durante cerca de uma década, mantendo-se em funcionamento entre 1967 e 1975. Do imenso trabalho feito na ECU, e que excedeu as actividades geográficas que lhe estavam confiadas, destacam-se inúmeros programas de computador para conversão de coordenadas, alteração de projecções, edição de entidades de desenho, estatística das bases de dados, compressão de dados, reconhecimento automático de linhas, generalização e outras facilidades que encontramos ainda hoje nos programas comerciais do momento (Rhind, 1998). Foram ainda publicados standards de troca de dados, tendo todos estes trabalhos levado á publicação de um trabalho de referência editado pela ECU em 1970. No ano seguinte, produziram o primeiro mapa colorido a nível global, marcando de novo a iniciativa mundial, e iniciaram tentativas de comercialização do seu software próprio.

Não foi apenas a ECU a desenvolver esforços significativos em Inglaterra. O software LINMAP, que iremos referenciar em Portugal também , nasceu em 1968 dentro de um departamento governamental inglês, o Ministry of Local Housing and Government. Também investigadores isolados fizeram alguns avanços, como o de T. C. Waugh que, tendo desenvolvido um software de cartografia baseado em tecnologia de impressão line printer, nos anos de 1969–70, enquanto era aluno nos Harvard Labs, e que, tendo continuado a desenvolver essas ideias iniciais, produziu um software vectorial de alta qualidade, com capacidades de análise manipulação de dados (Rhind, 1998), o Geographic Information Mapping and Manipulation System (GIMMS). Este programa foi disseminado por todo o mundo, tendo sido vendido a partir de 1973, julgando-se presente em duas dezenas de países e cerca de 300 organizações. Sendo este um programa mais complexo e eficaz que o SYMAP de Harvard, pode considerar-se o primeiro programa disseminado a nível global (Rhind, 1998). Contemplando o uso de topologia, linguagens de comandos para análises interactivas e controlo de gráficos de boa qualidade, este software foi o percursor dos modernos SIG, antecipando aspectos do ODYSSEY em cinco anos e o ARC/INFO da ESRI por dez anos.

Outras entidades começaram neste período projectos na área dos SIG. A Ordnance Survey, a agência cartográfica nacional do Reino Unido, após um projecto com a ECU entre 1969 e 1971, inicia por seu lado em 1973 a primeira linha de produção para conversão de mapas em papel para formato

digital (Rhind, 1998). Para melhor se analisar comparativamente o estado evolutivo nessa altura entre os dois continentes, podemos dizer que só no início dos anos 80 a Topographic Division of the United States Geological Survey implementou sistemas para automatizar a execução de mapas topográficos (Coppock e Rhind, 1991), quase em simultâneo com as primeiras experiências dos Serviços Cartográficos do Exército, em Portugal.

Entretanto, outras iniciativas decorriam na Europa, embora muito localizadas e pouco documentadas. Muitas outras agências cartográficas nacionais começaram as suas primeiras experiências nesta altura, nomeadamente a da Alemanha (Rhind, 1998).

3.4 A difusão do conhecimento (1975 – 1985)

Este período ficou marcado, no que a SIG´s diz respeito, mais por uma tomada de consciência dos vários países europeus nas potencialidades dos sistemas, do que por avanços pioneiros e tecnológicos de relevo. Em 1975 não havia, como vimos, programas informáticos comerciais de grande difusão e mesmo os que existiam tinham capacidades limitadas, ou eram limitados pelo hardware disponível. Não existia um mercado europeu nem mundial para a venda destes produtos, pelo que nunca foi desenvolvida uma indústria europeia nesse sentido.

Outro facto bem marcante foi a adesão sucessiva de lotes de vários países à Comunidade Europeia em 1973, 1986 e 1995 respectivamente, produzindo profundos efeitos estruturais, financeiros e intelectuais (Rhind, 1998) na estrutura científica dos países europeus.

O incentivo à troca de emprego entre os vários países da Comunidade e uma crescente ligação ao que se passava nos EUA nessa altura, da qual o resultado aparente mais visível terá sido o aparecimento de vários sistemas baseados nos ficheiros DIME do Census Bureau a partir de 1972 (Rhind, 1998), em França, Dinamarca e Reino Unido.

Segundo Rhind (1998) a história nacional que marca mais este período foi o início de um forte contributo da Holanda para o desenvolvimento de capacidades nesta área, incluindo capacidade empresarial e influência ao nível da administração. O governo britânico neste período desincentivou o financiamento em sistemas geográficos, ao mesmo tempo que outros países europeus iniciavam o seu interesse, motivando até alguns fenómenos migratórios de investigadores, nomeadamente para a Holanda. Peter Burrough e Stein Bie são exemplos de cientistas que, tendo feito doutoramentos em Oxford sob a orientação de Philip Becket, e tendo tido contacto com o trabalho de Bickmore, desenvolveram trabalho relevante em universidades e organismos holandeses durante este período. O facto de terem de manter a vida num território em grande parte abaixo do nível do mar, a disponibilidade dos apoios governamentais e a capacidade holandesa de atrair cientistas internacionais de grande qualidade, garantiu à Holanda o papel mais determinante na pesquisa em sistemas de informação geográfica nesta década (Rhind, 1998).

Embora por toda a Europa fossem sendo absorvidos conhecimentos e desenvolvidos pequenos sistemas, eram quase sempre dependentes de pequenos programas parciais, sem uma noção de conjunto e que apenas um programador experiente conseguia incorporar noutros pedaços de código. Exemplo disso é a disponibilização por Wolf Rase, na Alemanha, de uma biblioteca destas rotinas, neste caso em FORTRAN, tendo havido outros exemplos deste tipo, nomeadamente em Inglaterra. Estes programas eram pois vistos como pequenas ferramentas para o desenvolvimento de

outras tarefas parciais e não estavam ainda agrupados dentro de um pacote de software organizado e coerente. Uma excepção terá sido o cientista François Bouille (Rhind, 1998), de entre cujas contribuições se destacam a “hypergraph-based spatial data structure”, uma estrutura semelhante ao que hoje conhecemos por “orientada por objectos” e que terá influenciado de algum modo cientistas portugueses como António Câmara que tiveram contacto com ele nessa altura (Câmara, 2002).

3.5 A consolidação nos vários países (1986 - 1995)

Este período assistiu à divulgação generalizada dos SIG em todos os países da Europa, embora com ritmos e velocidades diferentes. Os sistemas artesanais montados um pouco por todo o lado cederam lugar aos sistemas comerciais emergentes. O primeiro sistema verdadeiramente comercial terá sido instalado no Birbeck College, em Londres, em 1983 (Rhind, 1998). Era uma única cópia do ARC/INFOv2 da ESRI, correndo num computador DEC Vax 11/730, com uma ínfima capacidade do que dispomos hoje nas nossas casas. O crescimento exponencial da capacidade computacional tem vindo a melhorar, a par da baixa dos custos, a implementação dos sistemas que, segundo Rhind (1998) atinge um crescimento de 20% anuais.

Ainda segundo o mesmo autor, a situação no final dos anos 90 não era muito diferente da vivida nos EUA, com ligeiras diferenças influenciadas pela existência ou não de regras locais ou diferentes políticas governamentais (Rhind, 1998). Dessas destacamos o preço dos dados, havendo uma clara tendência dos governos europeus para vender a informação geográfica bem acima dos seus custos de cópia, procurando recuperar parte dos seus custos de obtenção.

Outro aspecto a não descurar foi o aparecimento de uma “industria” da comunicação nesta área, com destaque para a criação do International Journal of Geographic Information Science (no seu actual nome), nascido de um grupo de ingleses mas com forte cooperação dos congéneres americanos. Outras revistas como a GisEurope e a Mapping Awareness surgiram neste período, permitindo uma comunicação mais fácil e efectiva das investigações em curso. Paralelamente, na área dos livros, vários editores se interessaram pelo tema, publicando livros sobre a ciência, como a Longman, Taylor & Francis, ou a Oxford University Press.

Foi também esta a época do aparecimento das grandes iniciativas comunitárias, que referiremos com mais detalhe na próxima secção, financiadas pela Comissão Europeia, e onde encontramos iniciativas como a GISDATA e projectos financiados ao abrigo de outros programas como o IMPACT.

Não menos importante, foi o desenvolver de uma política educacional em SIG´s, com os primeiros cursos a surgirem em Inglaterra na Edinburgh University e em Durham (Rhind, 1998). A partir de 1987 começaram a emergir um enorme número de técnicos qualificados em SIG e análise espacial, mais uma vez com a Holanda liderando a capacidade de formação e investigação universitária ao nível europeu com um enorme número de alunos em simultâneo, nos vários níveis de ensino e pós-graduação. Naturalmente, estes técnicos, professores e cientistas acabaram por, nos locais e organizações onde trabalharam, promover as potencialidades e qualidades dos sistemas e forçar a implementação dos respectivos SIG.

Um pouco por toda a Europa o clima ficaria propício à introdução da georeferenciação espacial, também ajudada pela criação em quase todos os países de organizações governamentais

dedicadas aos SIG: a Association for Geographic Information em Inglaterra, o CNIG e AfiGeo em França, outras iniciativas de pesquisa em Portugal (como o Relatório do SNIG de 1986), Holanda e Inglaterra. Algumas destas iniciativas governamentais produziram resultados quase por acidente (Rhind, 1998), como o conhecido Chorley Report, que teve grande impacto no reino Unido e motivou uma explosão de iniciativas desde cursos nas universidades até alterações governamentais.

Embora mais tardias que nos EUA, também as grandes conferências sobre SIG na Europa produziram resultados apreciáveis. A primeira grande conferência, ignorando algumas pequenas iniciativas, nomeadamente de Bickmore, terá sido a Auto Carto London, em 1986, a que se seguiu a European GIS (EGIS) em Amsterdão, em 1990, depois continuada anualmente. Actualmente, outras grandes conferências, sob a alçada da União europeia, têm produzido contribuições significativas, em especial as que trataram temas de interoperabilidade e estratégias europeias comuns, quer na aquisição, quer na partilha dos dados. Destacamos a EC&GIS, promovida pelo Joint Research Centre, um organismo directamente dependente das estruturas científicas da Comissão Europeia.