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A história do Census Bureau é um exemplo de como “sorte, oportunidade e temperamento determinaram a evolução de tecnologia chave em SIG muito mais do que o progresso ordeiro e passo a passo que os historiadores gostariam de relatar” (Cooke, 1998).

A história recente da entidade encarregue pela constituição americana de produzir, cada dez anos, uma estatística completa da população do país é pois, como veremos, um conjunto de sucessivos impulsos geniais que a tornaram a primeira instituição a providenciar um conjunto de dados nacionais completos georeferenciados. Não tendo essa incumbência de forma explícita, que compete às duas entidades com competências cartográficas civis e militares, respectivamente, a verdade é que um conjunto de indivíduos desejosos de executar bem o seu trabalho conduziu a uma tecnologia e metodologia de referência no mundo dos SIG’s (Cooke, 1998).

O Census Bureau sempre teve, desde os finais do século XIX, tradições na procura de métodos automatizados de tratamento da informação. Não admira que tenha sido a primeira entidade não militar a adquirir um computador digital, em 1950 (Cooke, 1998). No entanto, o resultado final da informação continuou a ser fornecido em papel, tendo-se tardado mais alguns anos até o computador ter ocupado o lugar actual nos procedimentos de tratamento dos dados.

Durante a década de 60, e durante a preparação dos censos de 1970, foram criados dois grupos internos de estudo para preparar e definir a estratégia a usar no envio e tratamento dos inquéritos. Foi pensado o envio de questionários a cada família, que seriam preenchidos em casa pelos cidadãos americanos e devolvidos pelo correio aos centros regionais de tratamento dos dados. Na década anterior, os questionários tinham sido recolhidos por funcionários, que tinham registado em mapas as localizações das respectivas casas. Em 1970, esperava-se que tal não fosse necessário mas,

para isso, era preciso encontrar uma forma inequívoca de relacionar os inquéritos com uma localização geográfica exacta nos mapas (Cooke, 1998).

Os dois grupos de investigadores atrás referidos proporcionaram boa parte destes avanços metodológicos e tecnológicos necessários ao processamento informático dos dados recolhidos. Um deles, dirigido por Beresford, chamado de DAULabs, promoveu a transição da era do papel para a era informática, estabelecendo standards para formatos digitais e demais documentos, criando eventualmente as bases de uma indústria de análise demográfica (Cooke, 1998). O outro grupo, chamado Census Use Study e baseado em New Haven, viria a ser o centro de uma tempestade que agitou os censos americanos durante muitos anos, gerando uma verdadeira revolução nos sistemas e métodos que acabaram por conduzir ao sistema TIGER que hoje conhecemos (Cooke, 1998).

Na sequência de várias questões colocadas a esta última equipa de investigação demográfica por uma comissão do Bureau, foi nomeado um director do estudo de nome Caby Smith, conhecido pelo seu temperamento determinado e por ter feito carreira no Bureau a partir do fundo. Smith reuniu um grupo de uma dúzia de investigadores, sendo que o seu braço direito tinha, por via familiar, ligações à IBM e aos projectos do sistema de informação urbana de New Haven (Cooke, 1998).

Usando computadores em Yale e New Haven, este grupo começou a trabalhar, mesmo com pouca ou nenhuma experiência em cartografia e demografia, iniciando o estudo pelo guia de códigos de endereço de New Haven, tratando a informação contida por quarteirão (rua, código postal, intervalo de números e número de censo e quarteirão). A informação existente, embora permitisse relacionar os registos com a sua localização, não era suficiente para permitir a execução de mapas a partir dos dados, pelo que se iniciou outra linha de investigação. Foi construída de raiz uma digitalizadora rudimentar (para o standard actual) de modo a permitir o registo de coordenadas dos extremos dos quarteirões, permitindo a programação e desenho de linhas entre eles e a reconstituição dos quarteirões e sistemas de ruas. O resultado foi no entanto muito mau, o que obrigou a novas tentativas de digitalização, igualmente sem o sucesso desejado (Cooke, 1998).

A solução acabou por aparecer através de um funcionário de outro departamento, James Corbett que, em 1967, se dirigiu a New Haven com uma nova teoria incompreensível sobre topologia de mapas, células e matrizes de incidência. Na prática, e após alguma insistência na importância da ideia, os técnicos do Census Study perceberam que se tratava essencialmente de atribuir e digitalizar nós, representando intersecções e inícios ou fins de rua e que, de modo simples, representavam a estrutura de segmentos de recta entre cada nó. O primeiro teste, ainda que com ligeiros erros permitiu verificar a validade do modelo. De seguida tratou-se de estudar como fazer a verificação e correcção dos erros. Nasceu portanto aqui a topologia e a edição topológica, métodos e ferramentas correntes nos SIG de hoje. Este sucesso, nascido fora do ambiente de cartógrafos especialistas em que seria esperado, serviu para aprofundar ainda mais as divisões entre o Census Use Study e o departamento de Geografia do Census Bureau (Cooke, 1998).

Em Agosto de 1967, nasceu a designação oficial deste novo processo: DIME (Dual Incidence Matrix Encoding) que viria mais tarde a chamar-se Dual Independent Map Encoding. “Dual” referia- se às duas matrizes de incidência, enquanto “Independent” reforçava a ideia de que fora criado fora do departamento de Geografia (Cooke, 1998).

Mais um acaso curioso levou a que um administrador de Yale tenha cortado o apoio computacional, acusando o Census Bureau de ser uma ameaça à privacidade, o que levou a equipa a

virar-se para Harvard, numa altura em que, como vimos anteriormente, se desenvolvia a fase mais produtiva dos Harvard Lab e do SYMAP. Caby Smith, num dos seus golpes de visão, resolveu aproveitar a oportunidade para promover o DIME junto das várias agências governamentais, assegurando o financiamento necessário à prossecução dos trabalhos (Cooke, 1998).

As qualidades do ficheiro DIME contagiaram desde logo a comunidade SIG a partir da conferência da URISA de 1967, sendo disseminado por vários investigadores desde Dangermond, a Deucker e Horwood, espalhando pelas universidades americanas o novo conceito.

O Census Use Study tinha sido encarregue de extrair mapas de computadores; descobriram que afinal o difícil era colocá-los lá em primeiro lugar (Cooke, 1998). Mas a pureza de estrutura do ficheiro DIME e a sua facilidade de verificação e correcção topológica viria a ser muito útil aos restantes investigadores da altura, muito mais orientados para a construção de polígonos vectoriais. O caso de estudo do DIME acabou por ser mais um exercício de gestão e processamento de dados do que um problema de computação gráfica ou cartografia (Cooke, 1998).

A batalha entre os vários departamentos do Census Bureau acabaria, como é natural, por correr relativamente mal. Smith retirou-se com o seu pessoal para a Califórnia, mudando o nome do grupo e continuando a desenvolver trabalho e a publicitar o DIME, até que, em 1974, após investigações federais, decidiu fundar outra organização e seguir outra linha de trabalho.

À medida que se aproximava o censo de 1980, o departamento de Geografia do Bureau viu- se obrigado a alterar os seus métodos de trabalho, que a falta de interactividade dos mainframe da altura impedia. De forma encapotada, alguns investigadores adquiriram computadores mini, com capacidades interactivas e chegaram mesmo a realizar esse trabalho à distância, usando linhas telefónicas. Isso permitiu-lhe desenvolver um novo software, de nome 2D, que após mais uma série de avanços e recuos, foi finalmente aceite em 1982 por uma nova geração de técnicos do Bureau. Esses mesmos produziram um documento, obrigando o departamento de Geografia a integrar todo o conhecimento geográfico do Bureau numa única base de dados para todo o país, chamado TIGER (Topologically Integrated Geographic Encoding and Referencing) (Cooke, 1998).

A base de dados TIGER de 1990 integrou finalmente toda a capacidade do conceito DIME, num conceito que é ainda hoje uma referência mundial, com a particularidade de o seu acesso ser livre e gratuito a partir de qualquer computador pessoal, em qualquer parte do mundo.