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Quase todas as universidades portuguesas acordaram tarde (a partir de 1998) e com pouco interesse para a problemática do ensino formal dos Sistemas de Informação Geográfica. Exceptua-se a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da UNL, que deu os primeiros passos logo no início dos anos 80. Os departamentos de Geografia só despertaram para a problemática dos SIG uma década depois de haver sistemas a funcionar (Fernandes, 2004).

Ora, como vimos, o primeiro artigo conhecido escrito sobre informação geográfica em Portugal é da co-autoria de Jorge Gaspar, que trabalhou no Gabinete de Sines e, numa altura em que quase não havia computadores, já fazia algumas experiências na área da georeferenciação (Bento, 2004). No entanto, nem mesmo Jorge Gaspar, que é uma pessoa inquestionável como pioneiro da utilização destes sistemas, foi depois capaz de, na sua faculdade, fazer desenvolver o ensino dos sistemas de informação geográfica. Isto sugere que o enquadramento cultural, científico e financeiro é bastante adverso nalgumas universidades á emergência deste tipo de competências (Bento, 2004).

Na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, o ensino da cartografia desenvolveu-se bastante ao longo da década de 80, mas foi sempre uma cartografia abordada na perspectiva da semiótica, da representação cartográfica, na tradição francesa. O ensino da cartografia foi-se aperfeiçoando, desenvolvendo a sua própria temática, sempre influenciado pela escola francesa e por professores que estudaram em Estrasburgo e em Paris, que trouxeram essas influências para a Faculdade de Letras de Lisboa (Gaspar, 2004). A cartografia foi incorporada no ensino da Geografia desde os primeiros anos, no ensino universitário mais básico, mas não se investiu na utilização de computadores. Jorge Gaspar poderia ter tido um papel determinante na divulgação destes conceitos

nos meios académicos, mas preferiu apostar mais na afirmação dos métodos quantitativos e na modelística na Geografia Humana do que na insistência no ensino dos SIG. O seu interesse pelos SIG sempre foi significativo, mas desenvolvido de forma paralela ao ensino (Gaspar, 2004) e ao próprio Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa.

Esta passividade dos vários departamentos de Geografia terá a ver com a resistência a uma nova tecnologia, com a resistência ao trabalho em áreas novas e não controladas pelos professores que detêm num dado momento o poder decisório. A título de exemplo, referimos um projecto de avaliação climática no Guadiana que necessitou de apoio na área da informação geográfica, embora o essencial do projecto fosse de Geografia Física. O que era expectável na altura era que a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, neste caso o Centro de Estudos Geográficos, tivesse em si mesmo as competências capazes de levar o projecto por diante. Como tal não aconteceu, foi solicitada a colaboração do IST, o que veio a ocorrer. Não sendo possível o cenário mais natural, seria de esperar que o CEG tivesse coordenado o projecto, mas também não houve agilidade para essa coordenação, acabando por ser o IST também a coordenar o projecto, numa clara distorção do que deveria ter sido (Bento, 2004).

No entanto, a falta de interesse pela tecnologia e ciência emergente não foi inteiramente generalizada. Nalgumas universidades, nomeadamente as de cariz mais técnico, como o IST e a UNL, parece ter havido uma maior predisposição para novas tecnologias ou, pelo menos, tolerância para com as novas ideias. Quando Raquel Soeiro de Brito criou o curso de Geografia na UNL, em 1980, incluiu na licenciatura uma cadeira de informática que evoluiu rapidamente para disciplina específica sobre SIG, no quarto ano da licenciatura (Brito, 2005). Foi uma disciplina que começou por funcionar apenas no papel (Julião, 2004), já que o custo da tecnologia era extremamente elevado nessa altura. Obter um computador tornou-se uma batalha, que ultrapassava a questão financeira, sendo Raquel Brito interpelada várias vezes sobre a necessidade de dispor de um computador (Brito, 2005). Ainda assim, os alunos trabalhavam conceptualmente um SIG sobre um modelo de dados raster, aplicando todos os conceitos fundamentais à sua aprendizagem.

As diferenças de abordagem dos SIG entre universidades pode exemplificar-se de modo simples: na Universidade Nova de Lisboa existem disciplinas isoladas no curso de Geografia sobre informática e informação geográfica desde 1980, mas em contrapartida na Universidade de Lisboa só desde o ano de 2000 existe uma licenciatura com cadeiras dedicadas aos SIG. As universidades de Coimbra e do Porto seguiram a mesma linha de orientação da Universidade de Lisboa, pelo que também não se preocuparam em introduzir os SIG nos seus cursos de licenciatura (Brito, 2005).

Também se pode questionar esta falta de adesão ao ensino dos SIG por parte das universidades, ainda com mais relevância, em relação aos núcleos de engenharia geográfica. As faculdades que ensinavam Geografia, há muito tempo que tinham separado a engenharia geográfica da Geografia (Gaspar, 2004). Curiosamente, também as que ensinavam engenharia geográfica terão feito a mesma separação, pelo que os SIG acabaram sem ter, em Portugal, uma raiz académica definida.

A engenharia geográfica é, tradicionalmente, uma licenciatura atribuída em pequenos núcleos de departamentos de matemática, nas Faculdades de Ciências. As escolas de engenharia habitualmente não têm uma licenciatura em engenharia geográfica (Bento, 2004). Ora um curso de engenharia geográfica deveria ter noções fortes de detecção remota, sistemas de informação, processamento e gestão de imagem, o que não aconteceu nos cursos iniciais ministrados por estas escolas. Os SIG

sempre estiveram mais ligados ao ensino do urbanismo, do ambiente, da engenharia do ambiente, da engenharia civil, porque foi mais do lado das aplicações, do que do lado dos fundamentos, quer da Geografia, quer da engenharia geográfica, que os sistemas de informação geográfica se desenvolveram (Bento, 2004).

A partir de certa altura, as poucas universidades que tinham aderido ao uso e ensino dos SIG tiveram de assumir o papel de criação dos núcleos centrais de conhecimento (Costa, 2004). Houve empresas que se constituíram a partir nas universidades ou de pessoas que saíram das universidades. Várias empresas nasceram e cresceram dentro dos próprios muros dos Campus universitários, como aconteceu na Faculdade de Ciência e Tecnologia da UNL, ou a partir de pessoas com fortes ligações às universidades, como foi o caso de vários professores e assistentes do IST. O papel destas universidades na sistematização do conhecimento e no suporte a iniciativas, quer na administração, quer no campo empresarial, foi enorme e de uma importância vital para todo o percurso que se seguiu ao despontar do SNIG, em 1986.

Ainda assim, para muitos dos profissionais actualmente reconhecidos nesta área, especialmente os que iniciaram o contacto mais cedo, não houve nenhuma influência por parte das respectivas universidades em os conduzir para este tipo de trabalho. O contacto com os SIG aconteceu geralmente já no mercado de trabalho, em situações reais de trabalho, e não surgiu orientado pelas universidades (Gomes, 2004). Um outro grupo de profissionais, mais novos, que hoje ocupam lugares- chave nas entidades que lidam de forma mais intensa com informação geográfica (bastará consultar a nossa lista de entrevistados) tiveram contacto com SIG nos bancos das faculdades. Estes passaram, quase todos, ou pelo Instituto Superior Técnico ou por uma das duas faculdades da Universidade Nova de Lisboa mais ligadas a esta área de conhecimento: a FCT e a FCSH. Foi aqui e não nas Faculdades de Geografia, que se deu forma a um corpo de técnicos, investigadores e académicos que, durante uma década e meia, mudaram a face da informação geográfica portuguesa.