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Fazer uma avaliação do papel do CNIG no contexto da informação geográfica nacional é uma tarefa delicada. São-lhe frequentemente imputadas qualidades e defeitos aparentemente contraditórios, que impedem uma separação clara entre aspectos positivos e negativos da sua existência.

Criado em 1990, pelo mesmo Decreto-Lei que institucionaliza o próprio SNIG, este organismo surge como uma estrutura de suporte, devidamente formalizada, a todas as actividades de organização e investigação no campo da informação geográfica. Os três anos que decorreram desde a aprovação da proposta de criação do SNIG, em 1987, até á publicação do Decreto-Lei 53/90, foram certamente úteis à sedimentação de ideias e conceitos por parte da administração e do próprio núcleo duro do futuro CNIG. A filosofia de base era claramente, para além de todas as tarefas de implementação, desenvolvimento e manutenção do SNIG, as de manter uma actividade constante de investigação, de participação em projectos internacionais e de coordenação sobre todas as actividades relativas a informação geográfica no nosso país.

Com a sua criação, o Governo assumia a vontade de recuperar algum tempo perdido, criando um organismo forte, dotado de competências, dos melhores técnicos, com capacidade financeira para liderar iniciativas e investigação científica. Este enquadramento institucional forte é de enorme importância para o futuro do organismo, sobretudo se atendermos a que representa uma brecha na hegemonia detida até então pelo IPCC, mostrando haver a consciência por parte do poder político que só um organismo novo poderia recuperar o atraso que Portugal tinha nessa altura em termos de informação geográfica. O CNIG era assim um “laboratório” de Estado e tinha claramente uma vocação laboratorial. Por outro lado, as suas competências não incluíam a produção de cartografia, numa atitude inteligente que permitia ao CNIG manter alguma independência junto dos outros organismos ligados à produção de dados geográficos, quer de natureza estatal, quer privada.

Do ponto de vista financeiro, para além do Orçamento do Estado, o CNIG tinha uma capacidade enorme de recolher verbas comunitárias (tendo mobilizado muitas verbas do FEDER), injectando muito dinheiro nas entidades que usavam e produziam informação georeferenciada. Investia nas universidades, nas empresas e nos produtores de informação geográfica e de software, e também na administração: nas autarquias, no IGeoE e também no IPCC. A título de exemplo, uma boa parte da cartografia 1:25000, que é o produto mais divulgado do IGeoE, foi elaborada com verbas conseguidas pelo CNIG, que obtinha financiamentos, apoiando depois o IGeoE. Isso terá acontecido algumas vezes sem muita consequência, em empresas que não obtiveram grandes resultados, mas mesmo esta capacidade de investimento perdeu-se, com o fim do CNIG (Bento, 2004).

e o IST), como também a realização de inúmeros cursos de formação profissional e de divulgação. Esses cursos foram um contributo forte para a divulgação da tecnologia junto dos utilizadores, especialmente ao nível da administração, e terão beneficiado não apenas dos fundos do CNIG, mas também de outros tipos de financiamento, nomeadamente comunitários.

Para além da criação do SNIG, outros méritos devem ser atribuídos ao CNIG (Machado, 2004), alguns deles com menor visibilidade pública, designadamente:

• Estímulo à produção da muita informação georeferenciada até essa altura inexistente em Portugal;

• Dinamização do mercado da informação geográfica;

• Principal divulgador das novas tecnologias de informação geográfica em todo o País; • Realização de numerosos projectos de investigação com resultados publicados nos seus

próprios relatórios periódicos, mas também, em revistas especializadas nacionais e internacionais;

• Apoio a teses de mestrado e doutoramento realizadas em Universidades portuguesas e estrangeiras;

• Apoio a diversos organismos na execução de projectos técnicos. Entre eles e a título de exemplo: colaboração com o ICN no Plano de Gestão da Reserva Nacional do Estuário do Tejo (RNET). Esta colaboração permitiu a libertação pela Comissão Europeia em 1996 de 23 milhões de contos, contribuição indispensável à construção da Ponte Vasco da Gama;

• Estágios e Formação generalizada de muitos licenciados.

Por todos estes motivos, a criação e existência do CNIG foi determinante para quase todos os nossos entrevistados. No CNIG havia a ideia de que os SIG tinham um papel a desempenhar, quase de reforma, junto da administração pública. Isto numa altura em que a reforma e modernização da administração pública estava na ordem do dia e era o estandarte de quase todos os organismos públicos. Os resultados práticos desta intervenção ficaram, no entanto, aquém do que poderiam ter sido e das expectativas que, numa fase inicial, foram criadas sobre a sua existência. Visto como um laboratório, terá levado talvez longe demais essa sua natureza, tendo ficado marcado pela imagem do sítio onde apenas se faziam experiências. Para Bento (2004), talvez devesse ter tido mais cedo uma atitude mais profissional, de apoio à fixação de competências.

Ainda assim, o CNIG veio proporcionar a agregação da comunidade de utilizadores (em paralelo com as actividades da USIG), tendo tido muitos aspectos positivos, apesar dos casos de insucesso que lhe são vulgarmente apontados. Destes destacamos a pouca eficácia de iniciativas como o Programa de Apoio à Gestão Informatizada dos Planos Municipais de Ordenamento do Território (PROGIP) e também, embora com menores culpas, do PROSIG. Se no primeiro destes programas, o fracasso decorreu exclusivamente das decisões tomadas dentro do próprio CNIG, no segundo caso temos de considerar que os municípios não estavam, nem foram, preparados convenientemente para o impacto que uma tal revolução tecnológica iria ter nas suas estruturas organizacionais.

No que toca à implementação efectiva do SNIG, a avaliação do trabalho realizado no que se refere à criação de Nós Regionais, Locais e Sectoriais da rede nunca chegou a ser realizada. Para Machado (2004), se alguma vez essa avaliação vier a efectivar-se, a experiência realizada entre 1998 e 2003 na Área Metropolitana de Lisboa será uma das que virá a ser considerada como positiva, tendo

produzido resultados palpáveis. Nos casos mais negativos, a filosofia desta infra-estrutura nacional de informação geográfica não foi sequer compreendida. Os núcleos responsáveis pelos sistemas de informação geográfica não foram dotados de pessoal adequado e em número suficiente. Os departamentos de alguns organismos (Direcções-Gerais, Câmaras Municipais, etc.) não comunicavam entre si, nem estavam interessados em fornecer os seus dados. Os computadores, equipados com ferramentas adequadas ao ordenamento do território e ao planeamento ambiental, foram nalguns casos distribuídas pelas secretarias, para realizar textos e outros trabalhos administrativos.

Não sabemos se, caso tivesse sido seguida a tipologia de rede inicialmente prevista, suportada na rede da Telepac em protocolo X25 (em vez de uma solução aberta a todos os cidadãos baseada na Internet), os organismos produtores de dados teriam manifestado um maior abertura à troca e partilha de dados entre organismos da administração. Sabemos, por experiência própria, que a disponibilização de conteúdos em linha, acessíveis a utilizadores de todo o mundo, gera ainda muitas desconfianças por parte dos quadros técnicos públicos. A sensação de poder que decorre do facto de não partilhar a informação (mais do que a possuir) está ainda presente em boa parte da administração. Uma rede “fechada” poderia ter suscitado uma maior confiança por parte dos produtores, uma vez que a partilha de informação decorreria em ambiente fechado, apenas entre organismos públicos.

O CNIG, como organismo pequeno, vocacionado para a inovação e a investigação, não teve capacidade nem competências para controlar o uso dos meios em que tinha investido (Machado, 2004). Uma tal ineficácia, segundo Machado (2004), resultou claramente da decisão política de transferência do CNIG da esfera da Secretaria de Estado da Ciência e Tecnologia para a tutela da Secretaria de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território. Ao CNIG foram deste modo atribuídas pesadas funções correntes, de carácter puramente administrativo, sem que, como organismo de investigação de ponta, promotor de orientações estratégicas, estivesse dotado de meios e vocação para aqueles fins.

Um outro aspecto menos conseguido na curta existência do CNIG, ainda que não seja sua exclusiva responsabilidade, respeita à disponibilidade dos dados geográficos. Se na altura do arranque do SNIG não havia dados, no momento presente a situação não se alterou significativamente. A opção que tem sido seguida em Portugal, de querer obter lucros na venda da informação, atrasou imenso os SIG em Portugal (Costa, 2004). Nos EUA, por exemplo, o governo resolveu fazer uma carta dos eixos de via e limites administrativos e disponibilizou-os gratuitamente, juntamente com outra numerosa informação alfanumérica sobre o território. Isso por si só desenvolveu uma indústria em torno dos dados. Para João Ribeiro da Costa (2004), a importância de construir uma base de dados sobre o território prende-se com o facto de ser uma infra-estrutura nacional, uma manifestação de soberania, que devia ser incumbência de um organismo estatal manter organizados. Temos, neste aspecto, algum caminho ainda a percorrer, que o CNIG não foi capaz de ultrapassar.