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Segundo Tomlinson (1998), o pai do sistema de informação geográfico canadiano, os SIG foram o resultado, não de uma investigação académica, mas de uma procura crescente pela informação geográfica, uma mudança tecnológica que os tornou possíveis e uma visão dos sectores privados e estatais que os fizeram iniciar e os sustentaram. Este conjunto de factores terão ocorrido no Canadá, no princípio dos anos 60 (Tomlinson, 1998).

raízes numa tomada crescente de preocupações com a gestão dos recursos naturais do Canadá, em especial com as pressões exercidas ao nível do uso do solo. Em 1958 uma comissão foi encarregue de estudar este tema e logo em 1961 foi realizada uma conferência de âmbito nacional sobre o mesmo tema, embora alargado aos recursos naturais como um todo (Tomlinson, 1998).

Confrontado com a necessidade de inventariar os recursos naturais de um país tão vasto, com vista à monitorização das mudanças e pressões exercidas sobre o solo, o governo iniciou o estudo das soluções cartográficas a usar para este inventário. Embora o esforço financeiro necessário para cobrir com mapas adequados uma tal vastidão de terra fosse eventualmente suportável, a análise dos dados e o pessoal necessário a uma tal operação continuada era inviável, por falta de recursos humanos qualificados e tempo disponível. A procura de uma solução automatizada teve pois aqui uma vertente económica e objectiva, uma vez que o tratamento de dados de uma área desta dimensão não era possível com a tecnologia manual (Tomlinson, 1998).

Um projecto tão vasto tinha ainda outras dificuldades. Uma era a de decidir que temas cada mapa a produzir deveria conter, uma vez que só era possível, de modo a manter a sua legibilidade, cartografar um número reduzido de temas em cada folha. Aumentar o número de temas obrigaria a aumentar o número de folhas ou cartas, o que complicaria ainda mais a análise posterior. Pior ainda do que escolher os temas a incluir, era escolher os que seriam deixados de fora (Tomlinson, 1998).

A segunda limitação ou dificuldade tinha a ver com a análise propriamente dita. Medir, comparar e extrair informação de um número tão elevado de mapas, com múltiplos temas, era uma tarefa impossível ou, pelo menos, consumidora de tempo e recursos. Mesmo a enorme capacidade humana de análise era insuficiente para uma tarefa deste tipo.

As capacidades computacionais dessa época não eram muito melhores. O computador usado para testar os conceitos do sistema canadiano tinha 8k de memória e o mainframe usado para desenvolver o projecto, um IBM 360/65, tinha a enorme memória de 512k, um valor astronómico para a época. Apenas se tratava de conseguir tratar pontos, linhas e outras formas, agora chamadas geralmente de arcos, usando apenas algarismos e cálculos com esses números. Reduzir linhas e formas a números e coordenadas não era de todo novo, podendo-se traçar algumas referências prévias com séculos de distância. O passo entre estes conceitos e o seu tratamento matemático e computadorizado não era o mais inovador, emboras as capacidades computacionais da época também aqui traduzissem um desafio que acompanhou o desenvolvimento dos SIG (Tomlinson, 1998). Podemos então afirmar que os conceitos ao nível dos SIG foram sempre evoluindo ao ritmo do avanço na computação e que, estando sempre um pouco à frente das tecnologias disponíveis, foram sempre limitados por elas.

No caso do CGIS, o conceito dos seus criadores ia um pouco mais longe do que a criação e desenho de mapas temáticos. Estavam sobretudo interessados no tratamento dos dados. Queriam usar os computadores para ler e inquirir os mapas, e depois medir, comparar e analisar os resultados, de modo a obter informação útil dos ditos mapas. Mais do que dados, os pioneiros do CGIS, estavam interessados em “informação”. Este é talvez o ponto mais importante a salientar deste sistema, o aspecto que o torna tão importante para a história recente dos SIG, a par obviamente de ser o primeiro e de ter uma dimensão quase continental.

Os primeiros passos do CGIS remontam à experiência de Roger Tomlinson numa empresa de fotogrametria e cartografia, dedicada a grandes projectos de trabalho aéreo, a Spartan Air Services. Um dos grandes projectos dessa empresa, a decorrer em África, envolvia a necessidade de sobrepor

todas as séries de mapas disponíveis, de modo a prever as melhores localizações para plantar novas florestas, assim como uma unidade fabril de pasta de papel. Dada e gigantesca dimensão do problema, e encorajado pela direcção da empresa (particularmente George Brown), Tomlinson começou a estudar a possibilidade de usar computadores nesta tarefa. Começou por criar um pequeno mapa de cinco por cinco polegadas, com cinco polígonos. Usava um plotter de modo inverso, uma vez que não havia ainda mesas digitalizadoras e concluiu que era possível desenhar, sobrepor e medir áreas desta maneira (Tomlinson, 1998).

A necessidade de analisar gigantescas quantidades de mapas e projectos dessa empresa, terão assim estimulado Tomlinson a procurar novos métodos de análise de mapas usando computadores (Coppock e Rhind, 1991). As primeiras experiências levaram-no a procurar apoio nas principais companhias informáticas da época, onde não obteve simpatia até, quase por acaso, ter tido contacto com os investigadores da IBM na área da fotogrametria. Foi o começo de uma relação produtiva que iria frutificar ao longo de todo o projecto (Tomlinson, 1998).

O segundo acaso, se assim se pode chamar, foi o contacto com o responsável pelo inventário de recursos do solo canadiense, chefe de um serviço criado em 1962 com a finalidade de produzir os mapas e inventários necessários ao estudo das pressões sobre os recursos (Coppock e Rhind, 1991) já mencionados atrás. Incentivado por este responsável governamental, Lee Pratt, Tomlinson apresentou um projecto ao governo em Novembro de 1962, tendo obtido boa aceitação, o que originou um contrato à sua empresa de trabalho aéreo para realizar um estudo de viabilidade para a produção de mapas digitais (Tomlinson, 1998).

O relatório desse estudo, entregue alguns meses depois, tem várias características de enorme importância. Define nomeadamente os requisitos a que deverá obedecer o sistema, quer ao nível dos mecanismos de entrada e saída dos dados, mas, não menos importante, a própria estrutura dos dados. A separação entre os dados tabulares ou descritivos e os dados geográficos ou gráficos demonstra que a intenção do CGIS foi desde o início a implementação de um verdadeiro SIG tal como os conhecemos agora e não de um mero sistema de cartografia automática. Os métodos de input de dados foram estudados e enunciados, a forma de ligação entre gráficos e tabelas descritivas definida, os sistemas de coordenadas pensados para uma tão grande extensão, os erros motivados pela área geográfica e sua representação calculados, o tipo de armazenamento das enormes quantidades de dados também (Tomlinson, 1998). Enfim, todos os problemas que ainda hoje endereçamos ao projectar um SIG moderno, para os quais temos agora pelo menos abundantes pistas mas que, à época, eram inovações no verdadeiro sentido da palavra.

Pratt e os responsáveis governamentais decidiram a favor desta metodologia, seguindo-se contratos com a empresa de origem de Tomlinson e a passagem do próprio para a direcção do projecto no gabinete encarregue de o implementar (Coppock e Rhind, 1991).

Embora de importância secundária para o nosso estudo, podemos acrescentar que o CGIS possuía e desenvolveu algumas características tecnológicas notáveis, como a sua estrutura de dados. Limitado por uma fraca capacidade computacional na época, Guy Morton desenhou uma estrutura de dados, mais tarde designada de “Morton Matrix”, que consistia na divisão do espaço em pequenos mosaicos tratáveis pelos computadores disponíveis, dando origem ao conceito de mosaico ainda usado pelos computadores e software actuais (Tomlinson, 1998). Esta estrutura original, que possuía algumas vantagens adicionais, pode hoje ser encontrada em muitos sistemas, com o nome de

“quadtree”, embora com funções diferentes.

A introdução dos dados geográficos, dado o enorme volume e a descrença nos métodos manuais de digitalização, deu origem ao desenvolvimento, pela IBM e a pedido, do primeiro scanner digital de tambor. Os dados descritivos continuaram a ser introduzidos de outra forma, sendo usados os velhos cartões perfurados numa primeira fase. A vantagens de ter os dados gráficos, de imagem, separados dos dados numéricos e descritivos tem inúmeras vantagens que ainda se mantêm válidas nos sistemas actuais permitindo, por exemplo obter um grande número de análises espaciais recorrendo apenas a essa porção dos dados, com maior facilidade computacional e rapidez (Tomlinson, 1998).

O CGIS teve também o mérito de ser o primeiro sistema de vectorização automática, permitindo a partir de uma imagem obtida no scanner de tambor, processar os dados e obter dados vectoriais com recurso a software de seguimento de linhas, fecho de polígonos, identificação de vértices e nós e criação de topologia. Foi, segundo Tomlinson (1998), o primeiro sistema eficaz na utilização do conceito arco/nós, bem como na criação automática de topologia directamente a partir de uma imagem obtida por scanner.

Muitos outros aspectos relevantes podem ser apontados no que se refere ao pioneirismo do CGIS. A detecção de erros e os processos de acerto das inúmeras folhas cartográficas, ou os métodos desenvolvidos para medir com rigor áreas tão vastas, num sistema de coordenadas apropriado seriam bons exemplos a detalhar, mas que caem fora do âmbito destas linhas. Referimos no entanto a preocupação em manter a utilização do sistema ao alcance de um utilizador comum, isto é, não perito em linguagens de programação. Tal desejo implicou a criação de uma linguagem de programação, ou mais precisamente, de comandos, de alto nível, capaz de tornar acessível a consulta e operação sobre os dados (Tomlinson, 1998). Um destes comandos resultou na operação OVERLAY, um dos conceitos mais usados universalmente nos SIG modernos e muitas vezes, a operação fundamental de qualquer análise espacial.

O CGIS tornou-se totalmente operacional em 1971 e teve inúmeros melhoramentos e evoluções até 1986. Passou entretanto por inúmeras tutelas no governo canadiano, cada uma delas correspondendo a uma nova direcção na orientação estratégica do sistema. Resistiu a cada mudança, tendo sido capaz de provar a sua eficácia e mais valia em todas a suas aplicações até 1989, data em que deixou de receber a entrada de novos dados. Ainda assim, armazenou uma enorme quantidade de dados georeferenciados que o tornam ainda o maior arquivo de informação geográfica do Canadá e, provavelmente, do mundo (Tomlinson, 1998).