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3. O SURGIMENTO DO BLOCO DE CONSTITUCIONALIDADE

3.2 Origem do bloco de constitucionalidade

O reconhecimento do bloco de constitucionalidade deu-se com a decisão de julho de

1971 do Conselho Constitucional da França207, órgão encarregado do controle de

constitucionalidade das leis. A referida decisão do Conselho Constitucional francês (D-44) foi proferida em verificação de constitucionalidade a qual reconheceu que, além do corpo da

Constituição de 1958 da França, o seu preâmbulo detinha valeur constitutionnelle208. Como o

preâmbulo da Constituição de 1958 faz referência à Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão (1789) e ao Preâmbulo da Constituição de 1946, e esta, por sua vez, aos princípios fundamentais reconhecidos pelas leis da República, estes diplomas também estariam integrado à Constituição francesa.

A questão foi referente aos artigos 5º e 7º da lei nº 1901, relativa ao estatuto das associações, apreciada em controle preventivo pelo Conselho Francês. Apesar de ser mais trabalhado alhures, é de se adiantar que o controle de constitucionalidade francês, antes da reforma de 23 de julho de 2008 que acrescentou o art.61-1 na vigente constituição para permitir o controle repressivo, era eminentemente preventivo, baseado no art.61 da Constituição francesa que prevê que as leis antes de sua promulgação deverão ser submetidas ao conselho que irá se pronunciar acerca da sua conformidade com a constituição francesa.

206 LIMA, Francisco Gerson Marques de. Bloco de constitucionalidade: os sistemas francês e espanhol. Revista

Opinião Jurídica, n.3, ano II, p. 103-110, Fortaleza, 2004, p. 103.

207 A composição do conselho constitucional está melhor delineada no item 1.3.2

208 CARPIO MARCOS, Edgar. Bloque de constitucionalidad y processo de inconstitucionalidade de as leyes.

Neste leading case, por conseguinte, o Conselho Constitucional francês considerou que determinado artigo da lei em exame contrariava o princípio constitucional de liberdade de associação, que apesar de não se encontrar no texto da Constituição vigente, teria sido reafirmado pelo seu preâmbulo e pelas referências nele contidas, sendo um princípio fundamental reconhecido pela lei da república.

O contexto fático, como leciona Mussoi Moreira209, que desembocou nesta decisão do

conselho foram os procedimentos estabelecidos em lei francesa para funcionamento de associação, que detinha excesso de rigor formal com o objetivo de evitar o estabelecimento de milícias. Dentre essas exigências, como traz o autor, estaria: depósito de uma declaração sobre a organização e seus propósitos e de uma cópia dos estatutos da associação junto ao Presidente da Câmara de Paris, que deveria este proceder com a publicação daquela informação no Jornal Oficial.

Nesta conjuntura, na década de 70 na França, um pequeno partido de esquerda (La Gauche Prelétarienne) foi dissolvido como medida de combate a grupos e milícias privada, tendo tal atitude revoltado à comunidade francesa, que resolveu fundar uma associação chamada l’Association des Amis de la Cause du Peuple (A Associação dos Amigos da Casa do Povo)210.

Todavia, o Chefe da Polícia de Paris, em atenção à ordem do Ministro do Interior,

recusou a declaração de existência aos fundadores211, por entender o Ministro que a nova

associação era uma tentativa de restauração da anterior, o que levou associação recorrer ao tribunal administrativo de Paris, que lhe concedeu o direito de ser constituída.

Entretanto, o governo francês, em seguida, apresentou projeto de lei para alterar a lei sobre associação, com o intuito de atribuir “ao Presidente da Câmara poderes para remeter ao Procurador da República a documentação sobre a constituição de novas associações quando suspeitasse de finalidade ilegal ou imoral, ou se tratasse de tentativa de reconstituição de

associação que já tivesse assim considerada”212. O Senado francês, por sua vez, deu objeção

ao projeto e encaminhou a análise de constitucionalidade ao Conselho francês, que procedeu com sua emblemática decisão que, por um lado, fortaleceu o seu papel, outrora apagado, na sociedade francesa, como também contribuiu para uma abertura da extensão do conceito de constituição.

209 MUSSOI MOREIRA, Alexandre. Fundamentação axiológica e preâmbulo da constituição de

1988.TABORDA, Maren Guimarães (org) e outros. Programa de Hermenêutica Jurídica: estudos em homenagem a Sandro Subtil da Silva. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2011, p. 11-27.

210 MUSSOI MOREIRA, Alexandre. op. cit.

211 CAMPOS MELO, Carolina. O bloco de constitucionalidade e o contexto brasileiro. Revista Direito, Estado

e Sociedade, Departamento de Direito da Pontifícia Universidade Católica, Rio de Janeiro. n. 14, p.169-179,

Jan/jul 1999.

Tal ampliação da “parametricidade”213, ou seja, o alargamento do conjunto de normas que são consideradas como paradigmas de controle de constitucionalidade por serem consideradas como integrantes à Constituição, foi tratado por Louis Favoreu como bloco de constitucionalidade.

Não obstante, Pablo Manili214 defende que a paternidade da expressão seria, na

verdade, de Claude Emeri, em um trabalho publicado em la Revue de Droit Public em 1970, no qual o autor, surpreso por uma decisão do Conselho de 1959 que tomou como parâmetro de constitucionalidade não só a Constituição mas também um decreto do Executivo, criticou que o Conselho havia formado um verdadeiro bloco de constitucionalidade.

Nas palavras de Emeri: “on peut á juste titre s´étoner que la Haute jurisdiction...construirse ainsi um véritabe bloc de la constitucionalité”. [podemos, com razão, assombrarmos que a Alta jurisdição haja construído assim um verdadeiro bloco de

constitucionalidade]215.

Em contrapartida, como esclarece Carpio Marcos, foi Favoreu quem empreendeu os estudos, o desenvolvimento e a difusão do conceito, motivo que as obras e artigos sobre o tema partem do seu célebre trabalho (“El bloque de constitucionalidade”) sobre o bloco de

constitucionalidade no sistema francês216.

Em posição distinta, encontra-se Rodrigo Uprimny217 que sustenta que “en forma

tácita, la idea del bloque de constitucionalidad es muy vieja, y existe practicamente desde que conocemos la justicia constitucional, aunque la expresión no haya sido utilizada sino hasta

hace algunas décadas”218. Para o autor a evolução jurídica ocorrida nos Estados Unidos, como

a exemplo da concretização do devido processo legal, e as regras decorrente do princípio, já representava uma incorporação de direitos não expressamente contidos na constituição, apesar de também concordar que sua história precisa é mais recente, com a famosa decisão do conselho francês.

Barroso entende que esta decisão do conselho tornou o seu papel no constitucionalismo francês mais importante e expõe que o bloco da constitucionalidade

213 Foi o Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, que utilizou o termo parametricidade para se

referir ao atributo que permite considerar cláusula constitucional a qualidade de paradigma de controle (ADIN nº1588).

214 MANILI, Pablo. Op.cit. p.82-83. 215 CARPIO MARCOS, Edgar. Op.cit. p.83. 216 Op.cit. p. 83.

217 UPRIMNY, Rodrigo. El bloque de constitucionalidad en Colombia: un análisis jurisprudencial y un ensayo

de sistematización doctrinal. Compilacion de Jurisprudencia Nacional y Internacional, Bogotá, Vol.I, 2000. Disponível em: www.Internationaljusticeproject.org/pdfs/Uprimny-writing.pdf. Acesso em 23 de abril de 2011.

“significa que a Constituição não se limita às normas que se integram ou se extraem do seu

texto, mas inclui outros textos normativos”219.

Como reconhece Baracho, a mudança produzida pelo Conselho foi quantitativa, por ter aumentado o conjunto de normas que fazem parte do bloco de constitucionalidade, e qualitativa por ter inserido regras e princípios concernente a direitos e liberdades:

A mudança produzida em 1971 foi antes de tudo, quantitativa, na medida em que aumento das disposições ou princípios, que passaram a integrar o bloco de constitucionalidade, foram bem consideráveis. É considerada uma amplitude qualitativa, desde que ocorreu uma inserção no bloco de constitucionalidade de uma série de regras e princípios que afetam os direitos e liberdades, modificado sua natureza.220

Logo, a decisão do Conselho sinalizou na construção de um “Direito Constitucional Material”, parafraseando-se Baracho, pois recriou o sentido de Constituição, ampliando o rol

de direitos e liberdades, formando um bloco de constitucionalidade.