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2. A SUPREMACIA DAS NORMAS DO BLOCO DE CONSTITUCIONALIDADE

2.2 Supremacia constitucional: supralegalidade e supremacia material

A superioridade das normas constitucionais, como frisado, implica que as outras normas devem adquirir seu fundamento de validade na Constituição, não podendo afrontar os seus preceitos. Na lógica de Fernando Coelho “se não há supremacia, não há constituição, por

definição, o que existe é um aglomerado caótico de normas jurídicas”127.

De tal modo, quando as normas jurídicas ingressam na ordem interna com o revestimento constitucional, significa que além da segurança jurídica trazida pela positivação legal, também se acrescenta o caráter de supralegalidade perante os outros estamentos normativos ordinários.

Conforme leciona Paulo Bonavides128, a superioridade da lei constitucional seria

resultante de sua rigidez:

(...) da rigidez constitucional resulta a superioridade da lei constitucional, obra do poder constituinte, sobre a lei ordinária, simples ato do poder constituído, por um poder inferior, de competência limitada pela constituição mesma.

125 DANTAS, Ivo. O valor da constituição: do controle de constitucionalidade como garantia da

supralegalidade constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 1996, p.12-13.

126 BULOS, Uadi Lammego. Op. cit. p. 128.

127 FERNANDO COELHO, Luiz. Direito Constitucional e Filosofia da Constituição. Curitiba: Juruá, 2006, p.

162.

A supremacia é a consagração da constituição no epicentro do ordenamento jurídico, pela sua qualidade de dispor de preceitos fundamentais e essenciais para um estado democrático de direito, ao passo que se torna um pressuposto lógico de existência da própria constituição como norma fundamental.

Doutrinariamente, a supremacia pode ser entendida tanto do ponto material, como do formal. A supremacia material ou substancial seria o caráter axiológico superior que possui as normas que tratam de assuntos de índole constitucional. Já a supremacia formal seria o atributo de que se reveste a norma constitucional – dotada de máxima hierarquia - em relação ao resto do ordenamento jurídico, ou seja, a sua localização no ápice do ordenamento jurídico. A supremacia formal corresponde ao conceito de supralegalidade, que é a garantia jurídica de superioridade em relação aos demais diplomas normativos. Por outro lado, a supremacia material seria a opção política de atribuir a determinadas matérias como detentoras de status constitucional por entender que são essenciais à configuração do Estado, exercício de direitos ou delimitação do poder.

A razão da distinção é que a supremacia stricto sensu (supremacia material) seria fundamentada em uma realidade sociológica, daquilo que a sociedade considera como merecedor de valor constitucional, “postulado sobre o qual se assenta o próprio direito

constitucional”129. Já a supralegalidade seria o revestimento, do ponto de vista jurídico, de

hierarquia superior de determinada norma frente a outras.

A distinção acima foi trabalhada por Ivo Dantas130:

Quanto à supralegalidade da Constituição, que temos analisado em diversos trabalhos, podemos afirmar que é ela a garantia jurídica oferecida àquelas matérias a que a Constituição confere uma supremacia ou superioridade – opção política – frente às demais que o ordenamento regula, e isto por entendê-las essenciais ou fundamentais à própria configuração ou estrutura do Estado, ou à estabilidade social do grupo que a elas deverá submeter sua conduta coletiva e/ou individual de seus membros.

A supralegalidade, considerando a distinção acima, teria como pressupostos a rigidez constitucional, escalonamento normativo e instrumentos de controle de constitucionalidade. A rigidez constitucional evita que o legislador, por meio de legislação ordinária, possa modificar os preceitos positivados na constituição, uma vez que estabelece processo mais dificultoso para alteração. George Marmelstein pondera que o rigor para alteração “funciona, nesse sentido, como uma técnica capaz de impedir ou pelo menos dificultar a adoção de medidas

129 BARROSO, Luís Roberto. Op. cit. p. 83.

legislativas que possam aniquilar a dignidade de grupos sociais que não possuam força

política suficiente para vencer no jogo democrático”131.

Outro aspecto é que a supralegalidade é decorrente da própria distinção entre poder constituinte e poder constituído, na medida em que este último é limitado em relação ao constituinte. É dessa distinção que se conclui que “a superioridade da lei constitucional, obra do poder constituinte, sobre a lei ordinária, simples ato do poder constituído, um poder

inferior, de competência limitada pela constituição mesma”132. O escalonamento normativo,

por sua vez, indica certa hierarquia entre as normas de um sistema jurídico, havendo uma norma suprema, matriz cujas normas inferiores derivam seu fundamento de validade. E o controle de constitucionalidade seria a própria defesa inata ao sistema constitucional para garantir-lhe a vigência, em uma imbricação recíproca.

A supremacia material tem como fundamento a opção política, ainda que com influência social e econômica, de escolha de determinados preceitos como fundamentais ao Estado, ou seja, aquilo que Uadi Lammêgo Bulos chama de “consciência constitucional”. Para o autor, a supremacia material não prescindiria do “verdadeiro acatamento à superioridade dos preceitos constitucionais” necessitando, no seu entender, da realização prática da constituição (eficácia social ou efetividade).

Nesta perspectiva, pela ótica da supremacia material não se interessa os procedimentos técnicos formais a serem elaborados para garantir a supralegalidade, mas sim o “sentimento

constitucional”133 de que se trata de prescrições supremas do Estado134.

Convém lembrar, por oportuno, como observou Rui Barbosa, que apesar de a Inglaterra não possuir constituição escrita, não significa desproteção das cláusulas magnas do seu ordenamento, pois “O sentimento público e o costume dos tribunais revestiram certos

direitos de uma inviolabilidade, que os legisladores não ousariam arrostar”135. Logo, o

sentimento constitucional, de respeito à superioridade dos preceitos materiais, faz Rui Barbosa alertar: “Não se creia, pois, que a ausência de uma constituição formal signifique, na

Grã-Bretanha, carência de vínculos restritivos às ações dos representantes do povo”136.

A supremacia da constituição não é restrita e somente decorrente, portanto, do seu texto em si. A constituição, como pondera Saul Tourinho, é algo além do seu texto. Dessa forma, a teoria do bloco de constitucionalidade, ao considerar que existem normas de valores

131 MARMELSTEIN, George. Controle Judicial dos Direitos Fundamentais. Caderno de Direito

Constitucional, Porto Alegre, TRF – 4ª Região, p.14, 2008.

132 BONAVIDES, Paulo. Op. cit. p. 296.

133 Esta expressão está contida na obra de Lammêgo Bulos. Op. cit. p. 132.

134 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 132. 135 BARBOSA, Rui. Atos inconstitucionais. Campinas: Russel Editores, 2003, p. 25.

constitucionais implícitas na constituição ou em outros diplomas normativos, valoriza o conceito de supremacia entendida principalmente na sua acepção material.

Isto porque o bloco de constitucionalidade representa que normas, contidas ou não no texto constitucional, estão integradas, interligadas por compartilharem um núcleo valorativo de cunho fundamental. Fernando Coelho defende que essa postura fomenta “a inclusão de novos referenciais valorativos e novos princípios, (...), dando-se dimensão perspectiva para a

eficácia constitucional”137. Ou seja, o bloco de constitucionalidade permite que haja um

resgaste a fundamentação valorativa das normas, pois fora da constituição escrita, encontram- se leis ordinárias de matéria constitucional (como entre nós a lei eleitoral). Tais leis são ditas,

em vista disso, materialmente constitucionais138.

Essa reaproximação com o valor axiológico das normas, produzido pelo bloco de