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5. BLOCO DE CONSTITUCIONALIDADE BRASILEIRO: A APROXIMAÇÃO DA

5.2 Componentes do bloco de constitucionalidade no Brasil

5.2.3 O Ato de Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT)

Apesar de parecer óbvio, o STF já expressou, como se verá, sobre a índole constitucional do ato disposições constitucionais transitórias (ADCT). O ADCT consta vinculado ao texto da constituição, mas possui numeração própria, ou seja, são normas contidas fora do corpo normativo (títulos), o que ocasionou a declaração do tribunal.

A separação do corpo constitucional seria decorrente, segundo Kley Couri Raad414, em

estudo sobre o tema, diante da especificidade das matérias tratadas, mas ressalta que o ADCT e a constituição são editados de forma simultânea e estão vinculados:

Em se tratando de Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT – editado simultaneamente com o texto constitucional em vigor, é, perfeitamente correto concluir que nele foram concentradas as matérias que, por sua natureza discrepante do que disciplinado no corpo permanente, foram ressaltadas dessa disciplina.

Sobre a natureza jurídica do ADCT, o STF afirmou que: “O Ato das Disposições Transitórias, promulgado em 1988 pelo legislador constituinte, qualifica-se, juridicamente,

como um estatuto de índole constitucional”415. Em sequência, o tribunal afirma que “a

estrutura normativa que nele se acha consubstanciada ostenta, em consequência, a rigidez

peculiar às regras inscritas no texto básico da Lei fundamental da república”416, concluindo

que o ADCT também estar na mesma escala hierárquica das demais normas constitucionais.

Ivo Dantas417, assim como Uadi Bulos, expressamente aduzem que as ADCT são,

invariavelmente, normas constitucionais. E o primeiro traz o julgado da ADIN 833-1 DF do STF para frisar que a numeração distinta não implica na autonomia da ADCT em relação ao corpo normativo da constituição, mas apenas em uma técnica legislativa para evitar que haja o

corpo permanente da constituição normas como sua eficácia exaurida418.

Pelo epíteto de normas transitórias, dá a entender que tais disposições têm uma limitação no tempo para produzir efeitos. Todavia, o termo “transitória” deve ser interpretado no sentido de normas que amenizam ou regulam a passagem de uma situação jurídica antes da nova ordem constitucional que está se inaugurando ou regulam situações enquanto a norma regulamentadora, prevista na CF, não é promulgada. Para Canotilho “entre a permanência

414 RAAD, Kley Ozon Monfort Couri. O ato das disposições constitucionais transitórias: natureza jurídica.

Revista Estudo da consultoria legislativa. Biblioteca digital da câmara dos deputados, Brasília, p.3, setembro

de 2005.Disponível em: http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/1381/ato_disposicoes_raad.pdf

415 Trata-se do RE 160.486 da relatoria do Ministro Celso de Mello, disponível no DJ 09.06.1995, conforme

trazido por BULOS, Uadi Lammêgo. Op.cit.p.1648 – 1649.

416 Op.cit.p.1648-1649.

417 DANTAS, Ivo. Das disposições constitucionais transitórias: uma redução teórica. Revista de informação

legislativa. Brasília, ano 32, nº126, p.142, abr/jun1995.

indefinida da disciplina jurídica existente e a aplicação incondicionada da nova normação,

existem soluções de compromisso plasmadas em normas ou disposições transitórias”419. Um

exemplo de normas que regulam a transição jurídica enquanto não se regulamenta uma nova lei está a regra do art.10,§1 da ADCT, que afirma, dentre outras normas transitórias, que enquanto não for disciplinar a licença-paternidade, essa será de 5(cinco) dias.

Há, também, normas programáticas que preveem uma conduta a ser realizada pelos Poderes, como é o caso do art.7º: “O Brasil propugnará pela formação de um tribunal internacional dos direitos humanos”.

Ainda, o ADCT também abarca normas constitucionais com eficácia exaurida. A norma está vigente e não é transitória, mas a sua eficácia já atingiu o fim pretendido, não lançando mais efeitos sobre outros fatos. Como exemplo, há o art.2º que regulou o plebiscito realizado no país que decidiu sobre a forma (república ou monarquia constitucional) e o sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo) ou o art.13 que criou o estado do Tocantins.

Diante das funções distintas que podem conter as normas do ADCT, como visto

acima, Ivo Dantas420 classifica que seriam três as funções do instituto: a) aplicação de novo

direito; b) regular a situação de determinadas normas de direito público e c) estabelecer normas referentes a situações que serão objetos de legislação infraconstitucional posterior.

Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino chamam a atenção de que as normas contidas na ADCT são formalmente constitucionais e que somente no caso de ter ocorrido a situação nela prevista – eficácia exaurida – haveria a perda da sua força normativa. Sobre a possibilidade de o ADCT ser parâmetro, os autores mencionam que:

É importante ressaltar que, embora de natureza transitória, os dispositivos da ADCT são formalmente constitucionais, ou seja, têm o mesmo status jurídico e idêntica hierarquia às demais normas da Constituição. Por essa razão, sua observância por

todas as instâncias de poder é obrigatória, o que enseja, por exemplo, a declaração de inconstitucionalidade de quaisquer normas infraconstitucionais com eles incompatíveis. Outrossim, a modificação de qualquer dispositivo do ADCT somente poderá ser feita por meio de aprovação de emendas à Constituição, com estrita observância do art.60 da Constituição Federal.421

Em análise sobre recurso extraordinário em ação rescisória422 em que se discutia a

norma do art.58 da ADCT, que trata sobre benefício previdenciário, o Ministro Carlos Britto, em seu voto, lembrou que seria, atualmente, norma de eficácia esvaída ou exaurida:

419 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. Op.cit.p.379. 420 Op.cit.p.142-143.

421

PAULO, Vicente e ALEXANDRINO, Marcelo. Direito constitucional. São Paulo: método, 2011, p.36.

422 Brasil, Supremo Tribunal Federal, AR 1390, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado

(...) esse artigo do ADCT, esse dispositivo, segundo a classificação que venho propondo desde 1993, nasce com sua eficácia diferida ou protaída, porque se refere a um marco temporal definido, que seria a edição dos planos de custeio e benefício,porém, hoje se classifica como norma de eficácia exaurida ou esvaída, não há como restaurar a aplicabilidade deste dispositivo que se esvaiu no tempo.

Na ADI2501/MG423, o STF também deixou expresso que normas da ADCT com

eficácia exaurida não podem ser paradigma de controle.

Sobre o fato de ser parâmetro de controle, não há dúvida, como já frisado inicialmente, que o ADCT possa ser utilizado, uma vez que a doutrina e a jurisprudência posicionaram-se sobre sua natureza de norma constitucional. Paradoxalmente, apesar de ser norma constitucional e, portanto, estar incluída no nosso bloco de constitucionalidade, há normas do ADCT, como assentou o STF, que não podem ser invocadas como parâmetro de controle.

É uma situação interessante, no mínimo, estar-se diante de uma norma que não obstante ser formalmente constitucional não tem a aptidão para ser parâmetro de controle constitucional. A razão, como já exposta pelo STF, é se encontram com sua eficácia exaurida, pois foram fixadas para vigorar em determinado lapso temporal ou regular certa situação fática de caráter pontual e momentâneo. Como ressaltou o ministro Celso de Mello na ADIN 595, a alteração da norma (no caso, da eficácia da norma) resulta na descaracterização da sua qualidade de parâmetro constitucional:

A superveniente alteração/supressão das normas, valores e princípios que se subsumem à noção conceitual de bloco de constitucionalidade, por importar em descaracterização do parâmetro constitucional de confronto, faz instaurar, em sede de controle abstrato, situação configuradora de prejudicialidade da ação direta, legitimando, desse modo - ainda que mediante decisão monocrática do Relator da causa (RTJ 139/67).

De fato, as normas do ADCT que são de eficácia exaurida (pois há outros tipos, como as normas programáticas) não têm mais força normativa subordinante, ou seja, capaz de impor a sua observância compulsória para outros diplomas normativos ou para os atos estatais, por isso não podem ser invocadas para parâmetro de controle, apesar de constarem formalmente na constituição.

Não obstante, a existência de normas de eficácia exauridas na ADCT é de se notar, destarte, que fazem parte do bloco de constitucionalidade, possuindo supralegalidade constitucional.

423 Brasil, Supremo Tribunal Federal, ADI 2501, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno,

julgado em 04/09/2008, DJe-241 DIVULG 18-12-2008 PUBLIC 19-12-2008 EMENT VOL-02346-01 PP-00074 RTJ VOL-00207-03 PP-01046