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4. O TERRITÓRIO

4.3. As igrejas do bairro

4.3.4. Assembleia de Deus – Ministério de Belém – Setor

A Assembleia de Deus (AD) é também da primeira onda pentecostal, uma das primeiras denominações desse movimento a chegar no Brasil. A AD possui estrutura internacional, mas fragmentou-se em diversos ministérios (Belém, Brás, Madureira etc.) nas últimas décadas que, apesar da autonomia dos templos, mantêm a identidade e a doutrina assembleiana; dessa forma, a Assembleia de Deus é tão plural quanto o próprio meio pentecostal (ALMEIDA, 2015). Com essa diversidade denominacional que mantém a identidade assembleiana, a AD é a maior denominação evangélica apontada nos últimos Censos.

instruções da sede em SMP que fica no centro do bairro, que por sua vez recebe as diretrizes da sede central no bairro do Brás, Centro da cidade, de maneira que todas as ADs Ministério de Belém pregam as mesmas coisas, usando os mesmos materiais. No território também há mais seis outros ministérios da Assembleia de Deus, mas que parecem não se relacionar entre si.

Essa estrutura centralizada se mantém também na formação dos líderes religiosos, existindo alguns institutos de ensino da AD oferecendo cursos de teologia em ensino superior reconhecidos pelo Ministério da Educação24, que são obrigatórios para a consolidação da carreira ministerial. Os cursos oferecidos seguem uma lógica semelhante às etapas da educação escolar, com cursos técnicos, cursos médios, bacharelado e possibilidade de especialização. Assim como a Igreja Batista, a Assembleia de Deus também tem a escolarização como meio legítimo de formação profissional de seus líderes.

Também no âmbito educativo essa denominação possui a Casa Publicadora da Assembleia de Deus (CPAD), que publica literatura diversa sobre o universo religioso, além de materiais didáticos para os cursos dentro do meio evangélico (esse material foi encontrado em outras igrejas visitadas não assembleianas), como a escola dominical e o estudo da palavra que conta com livretos com instrução teórica e exercícios para serem feitos fora da igreja.

A Assembleia de Deus, assim, possui em sua estrutura um incentivo à cultura letrada e legitima a escolarização como meio de aquisição de saberes ao exigir de seus líderes uma formação de nível superior; possuindo, dessa forma, lógicas que se aproximam às lógicas escolares.

O contato com a AD – Ministério de Belém ocorreu a partir de um informante frequentador que apresentou a pesquisadora ao líder religioso, evangelista Daniel, cargo mais baixo que o de pastor, que lhe permite ministrar cultos, mas não exige a formação em teologia. Daniel foi receptivo e afirmou já ter recebido uma outra pesquisadora anteriormente, não se sentindo constrangido ou desconfiado com a entrevista sobre sua trajetória escolar e religiosa.

24 O reconhecido pelo MEC é recente e de ensino superior, sendo do Ministério de Madureira, mas em uma busca rápida pelo Google se encontra diversas páginas ligadas a Assembleia de Deus que oferecem cursos, não reconhecidos pelo MEC, sobre teologia.

Daniel é natural do interior de Pernambuco, onde foi católico praticante até os 18 anos de idade, em uma época e região em que os evangélicos eram perseguidos. Segundo conta, sua conversão ocorre na busca de coerência entre o seu modo de vida e os preceitos bíblicos, já afirmando sua posição com a religiosidade católica que possui menos restrições morais.

Em Pernambuco, estudou até a 3ª série, aos 12 anos de idade, interrompendo a escolarização para trabalhar na pecuária e complementar a renda da família após o falecimento do pai. Daniel se descreve como autodidata e valoriza o conhecimento ao contar que se sentiu motivado a retornar os estudos após ver uma reportagem de uma mulher idosa se matriculando no ensino superior. Ele completa o Ensino Médio já em São Paulo, por volta dos 33 anos. Com o término da escolarização a vida profissional de Daniel melhorou, mas contou que continua trabalhando com serviços: já foi faxineiro, repositor de supermercado, faz serviço elétrico e no momento da entrevista trabalhava com “marketing de rede”, fazendo publicidade de produtos em rede sociais. Aos 44 anos, Daniel está desde os 22 na capital paulista, sempre na Zona Leste, mas um pouco afastado da Vila Harmonia. A carreira religiosa começa a partir da admiração que tinha de seus líderes religiosos, iniciando suas atividades na direção do culto de jovens. Ao ser reconhecido por seus pares começou a assumir outros grupos e a se envolver mais na carreira de pastorado. Está na AD da Vila Harmonia há 4 anos após uma realocação de líderes que ocorreu na região que, segundo o entrevistado, ocorre conforme o perfil dos líderes e dos bairros. Daniel demonstra admiração pelas autoridades religiosas (da sede no Brás, internacionais, etc.) que parecem ter muito conhecimento, o que lhe motiva a seguir nos estudos religiosos, fazendo cursos dentro da AD, e mantendo o desejo de estudar filosofia ou fazer a especialização em escatologia. Essa admiração pelas autoridades religiosas também aparece ao legitimar a formação de seus professores que seriam todos “doutores”, enfatizando também a formação de outros pastores: advogados, engenheiros, professores universitários etc. Títulos que vão de encontro com a imagem midiática dos evangélicos percebidos como “ignorantes” e “alienados” (sic), a qual ele tenta se desvincular.

Diferente das referências de liderança religiosa do pastor Daniel, na Assembleia de Deus da Vila Harmonia, por sua vez, não há pessoas com ensino superior. O ensino técnico é o nível mais alto de escolarização, alcançado apenas por mulheres que são auxiliares de enfermagem. Da ocupação dos demais, Daniel citou que há pedreiros, pintores, eletricistas e desempregados. O líder nos conta que devido a pobreza e a instabilidade de emprego comum à região, a igreja se organiza, a partir de contatos com instâncias superiores e entre os próprios frequentadores, para distribuir cestas básicas, ou comprar um gás, como apontado pela bibliografia sobre as redes de proteção nos meios evangélicos. Assim, apesar da proximidade das lógicas da própria estrutura da AD com as lógicas escolares, o contexto social a qual a Assembleia visitada está inserida limita as possibilidades e expectativas escolares dos fiéis e do próprio líder religioso.

Por estar em um território próximo ao tráfico, na divisa entre o Médio e o Baixo Harmonia, Daniel conta que há pessoas viciadas e ex-presidiários que transitam pela igreja, sendo todos bem recebidos. Sem dar muitos detalhes, afirma que os frequentadores, apesar de não se envolverem, relacionam-se com pessoas viciadas e que vendem drogas, havendo uma preocupação por parte do líder em aconselhar os jovens e auxiliar famílias que não sabem lidar com os filhos:

(...) pra você lidar com o jovem hoje você precisa lidar com coisas que estão no contato do mundo dele. Como você vai mediar o jovem que está tendo amizades, por exemplo, com meninas da vida fácil que relatam pra eles coisas que são benéficas? Como você vai mediar isso? É bem complicado. Sem ferir a pessoa? Sem denegrir a imagem do amiguinho dele? Tipo, que tem gente que é assim, né, “a esse é aquele ali, esse é aquilo outro, não presta”. Pô, mas é o amiguinho dele, você não pode chegar lá e falar que o amigo dele não vale nada, né?

A moralidade aparece no discurso do livre arbítrio, assim como nas demais igrejas, em que há dois caminhos a se seguir: o do bem e o do mal. O primeiro não seria difícil de seguir se o indivíduo mantém a fé e segue a palavra de Deus. A autorregulação aparece nos comportamentos cotidianos, principalmente na valorização da família (ser melhor marido/esposa/mãe/pai/filhos), no controle do corpo e dos impulsos sexuais, dos desejos aos vícios, à agressividade etc. Esse controle do corpo também aparece nas vestimentas, nas quais os homens vão à igreja com calça e camisa social e as mulheres não são aconselhadas a cortar os cabelos, a usarem calças e shorts, sendo que as saias e vestidos devem ser abaixo do joelho.

Apesar de mudanças no seu interior ao longo dos anos, a doutrina assembleiana possui diversas restrições morais, opondo-se à cultura individualista moderna, como é próprio da primeira onda pentecostal.

As Assembleias de Deus são de abrangência internacional e possuem uma grande estrutura institucional, mas a AD – Ministério do Belém da Vila Harmonia é pequena no tamanho da igreja e na quantidade de fiéis; o que a impossibilita de oferecer atividades no seu interior além dos cultos, possuindo apenas ensaio para o coral. Dessa forma, a forte sociabilidade impulsionada pela própria instituição, afirmada nas pesquisas acadêmicas, não aparece nessa igreja; as disposições ascéticas são estimuladas por via da exemplaridade, presente nos testemunhos dos cultos, e do contexto de regulação moral e de vigilância comportamental entre os frequentadores, em que muitos ali são familiares e amigos. Assim, a sociabilidade regulada pelos valores religiosos – principalmente de evitação de práticas e comportamentos – e o apoio mútuo entre os integrantes corroboram para a formação de laços comunitários fortes, induzindo ao comportamento ascético, de autocontrole.

Apesar da estrutura das Assembleias de Deus possuir referências de cultura letrada – exigir ensino superior dos líderes religiosos, possuir uma casa publicadora de livros e materiais didáticos –, não há expectativas de Daniel em relação a escolarização dos integrantes da AD Ministério de Belém da Vila Harmonia. No relato do líder religioso a educação é valorizada sobretudo por permitir autonomia aos indivíduos, impedindo-os de serem “alienados” (sic). O ensino superior parece ser muito distante da realidade dos jovens que convivem com certa proximidade do tráfico de drogas. Assim como percebido nas demais igrejas que também recebem um público com baixa escolarização e que vivem em contextos de vulnerabilidade social, na AD a ênfase ocorre, de maneira geral, entre rua – sinal de perigo vs. Igreja/estudo – referência de segurança. Nesse contexto, a regulação de comportamentos e de socialização é uma estratégia que parece ser mais vantajosa que a própria escolarização, evitando trajetórias de vícios, tráfico de drogas e prostituição, que são comuns aos moradores do bairro e em que a própria ausência dessas situações garantem melhores posições no espaço social. Assim, a pressão cotidiana de vidas em situações de vulnerabilidade parece impossibilitar que a escola seja compreendida como um processo longo de aprendizado, em que a religião aparece mais como evitação do pior do que criaria um ethos com afinidades às lógicas escolares.

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