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Escolarização pessoal e familiar – “Pra mim, naquela época, eu achava que fazer uma faculdade estava muito longe pra mim, não era fácil Não é fácil

Expectativas de futuro

5.2 Família B – Mãe Sônia

5.2.4. Escolarização pessoal e familiar – “Pra mim, naquela época, eu achava que fazer uma faculdade estava muito longe pra mim, não era fácil Não é fácil

que nem é hoje”

As falas da Sônia sobre escolarização – pessoal, familiar e dos filhos – pareciam ser ditas com a preocupação de não cometer nenhum “erro” diante da pesquisadora; no começo de nosso encontro ela verbalizou esse receio e valorizou, ao longo de toda a sua narrativa, a educação escolar.

Sônia é a única da sua família que completou o ensino superior. Ela não sabe falar sobre a escolarização dos seus pais, mas sabe que sua mãe era alfabetizada. Seus padrinhos não estudaram, contudo o padrinho é alfabetizado e a madrinha “sabe pegar qualquer tipo de ônibus”. Apenas sua irmã mais nova também completou o Ensino Médio, os demais interromperam a escolarização em etapas anteriores que a Sônia não sabe identificar. Assim como ela, os outros filhos adotivos da sua madrinha também completaram o Ensino Médio no período adequado, estudando nas escolas públicas de São Miguel Paulista. Sônia não sabe ao certo, mas acredita que seus sogros não estudaram; Arnaldo possui o Ensino Médio também estudando na escola do bairro e em outras escolas do Centro de SMP. Pelo o que ela conta, o

marido não gostava muito de estudar e teria ingressado no ensino superior na vida adulta pelo exemplo da sua companheira que também já tinha esse nível de escolarização e por encontrar um estímulo para isso no seu atual trabalho; Arnaldo trabalha como porteiro em um clube da Polícia Militar que lhe dá acesso a diversos equipamentos e espaços de atividade físicas. Com essa oportunidade, somada a sua paixão por futebol, ele decide se matricula no curso de Educação Física de uma universidade particular de grande abrangência na região, no Centro de SMP.

Ao ser questionada sobre a formação escolar da sua família Sônia reflete sobre a mudança da realidade educacional do país da época em que ela estava na idade escolar em relação aos dias de hoje, com a universalização do acesso ao ensino público.

“Hoje, pra nós, uma graduação é como se fosse Ensino Médio, não é? Há pouquinho tempo, tipo, na minha época... Na época deles [geração da sua madrinha], quem tinha a 8ª série já era grande coisas, né? 3º ano, na minha época, 3º ano já era grande coisa. Hoje você fala que tem uma graduação, é nada, não é? Graduação hoje, qualquer pessoa faz. Então, pra eles, quem tinha a 8ª série já era uma grande coisa já”.

Sônia, então, compreende uma desvalorização do diploma de ensino básico após a expansão do ensino superior, em que nem ela e nem Arnaldo conseguiram bons postos de trabalhos com o diploma de ensino médio. Foi a partir de suas formações profissionais, em estética e pedagogia, que ela conquistou maior estabilidade profissional e financeira. Apesar de ela comentar que “qualquer pessoa faz” graduação, o acesso a esse ensino ainda é raro nos meios aos quais ela circula.

O discurso de valorização da educação escolar da Sônia não parece ser apenas para não “errar” perante a pesquisadora; ela conta que quando criança era considerada “CDF”35

pelos seus colegas de sala, sentava-se na frente e não podia faltar. Sônia conta que a morte da sua mãe “bagunçou” um pouco a sua cabeça e que ela ia melhor antes de morar com a sua madrinha, mas ela não consegue lembrar muito desse período, pois tinha menos de dez anos de idade; sua lembrança da escola era de que a comida era boa. A dor da perda da sua mãe e da separação das suas irmãs é algo que marca sua narrativa de escolarização, “tinha época que eu chorava... isso bagunçou um pouco a minha cabeça, até na escola”. Sônia, então, demonstrando certa melancolia, afirma sempre ter sido muito caseira, apegando-se a escola,

como se as suas responsabilidades escolares fossem um lugar seguro, a qual ela também era reconhecida. Assim, Sônia conta de episódios em que brigava com a sua madrinha quando ela não podia ir em alguma reunião escolar dela, ou de quando acontecia alguma coisa em que ela precisava faltar.

Esse seu grande interesse pela escola durou todo o período do seu Ensino Fundamental, quando estudou na escola Benevides; nessa época a escola não oferecia o Ensino Médio e ela foi matriculada em uma instituição pública no Centro de SMP, transferência comum entre os adultos do bairro que também estudaram na Benevides. Essa mudança foi algo bem visto por ela na época que já na adolescência diferenciava a escola do bairro das demais escolas do Centro, “Eu tinha muita vontade de estudar lá pra cima, (...) é que assim, o pessoal aqui de baixo tinha vontade de estudar lá pra cima; eu mesma tinha, eu lembro que tinha”. Apesar de estar em uma escola que considerava melhor, menos “bagunçada” que a Benevides, no Ensino Médio Sônia passou a ter mais autonomia e saia da escola após o intervalo para ficar com o seu namorado que já não era mais estudante. Ainda que tenha deixado de ser considerada CDF, ela afirma que nunca deixou de cumprir com seus compromissos escolares: saía mais cedo, mas não faltava e completou a escolarização sem interrupções.

Logo que terminou o Ensino Médio Sônia teve seu primeiro filho:

“Pra mim, naquela época, eu achava que fazer uma faculdade estava muito longe pra mim, não era fácil. Não é fácil que nem é hoje que tem financiamento, tem mais cursos técnicos, tem mais faculdade, tem a distância... Hoje tem bem mais... Hoje tem CIEE36 que você pode ser estudante e trabalhar meio período... Antigamente não tinha essas coisas, não tinha. Então, fui cuidar de criança. Eu terminei o Ensino Médio grávida e fui cuidar do meu filho, fui ser mãe, dona de casa.”

O seu interesse, mas, principalmente, suas condições para se profissionalizar ocorreram apenas quando seu filho mais velho estava com 13 e o mais novo tinha mais de dois anos; ela pretendia fazer um curso técnico em radiologia em uma instituição do Centro de SMP, mas admirada com uma vizinha que trabalhava toda de branco ela se interessou pela área de estética;

36 Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE) é uma associação que por meio de programas facilitam o acesso de estudantes ao mercado de trabalho. Para mais informações, acessar: < https://portal.ciee.org.br/institucional/o- que-e-o-ciee/>. Acesso em 20 de nov. 2019.

“Eu queria muito radiologia, até fui ver tudo... aí tinha até uma moça aqui de frente, aí uma vez eu vi ela chegando toda de branco, eu perguntei, aí ela “ah, é estética e não sei o que...”, só que eu não sabia o que era estética direito; mas eu achei bonito o que ela falou. Aí fui procurar, aí fui atrás, comecei a estudar; no segundo dia desisti, porque pensei “não é pra mim”, porque foi aula de anatomia, aí eu falei “não é pra mim”, comecei a chorar “não é pra mim, não é pra mim, por que que eu entrei? Eu não sei se eu tenho...”; aí quando deu o tempo de um mês certinho, aí eu falei “eu vou voltar, eu vou voltar!”, aí eu comecei a pesquisar mais, a saber direitinho e fui me interessando. Menina, amei! A aula que eu mais gostei foi anatomia.”

Como vemos nesse relato, Sônia gostou muito da área de estética e devido a esse interesse também se destacou como aluna durante o curso: não faltava, estudava fora das aulas e tirava boas notas. Ela gosta muito dessa área e após a formação nunca parou de atuar de forma autônoma.

No ano seguinte da conclusão do curso de estética, que teve a duração de um ano e meio, ela decidiu entrar em pedagogia, pois acreditava que com esse curso ela teria mais tempo para cuidar dos filhos – pensando na possibilidade do trabalho em meio período – além de nutrir a expectativadetrabalhar em uma escola privada e conseguir matricular seus filhos ali de forma gratuita. Seu esposo que a apoiou durante toda a sua formação, responsabilizando-se pelos cuidados da rotina familiar nesses períodos e quando ela era a única que trabalhava na casa, hesitou no início com a intenção da esposa em mudar de área, mas como essa formação implicava uma estratégia de escolarização dos filhos, ele aceitou posteriormente.

A facilidade de acesso ao ensino superior após os anos 2000 também aparece na fala de Sônia ao comentar do seu ingresso na pedagogia:

“A UnicSul eu já sabia de há muito tempo... E de pedagogia, na época que eu fui fazer pedagogia muita gente fazia pedagogia, muita gente. Aí eu pensei “vou fazer... que tá todo mundo gostando”. Aí já pensa que vai cuidar de criança, que é fácil, já faz isso em casa... [rindo] vai ser o de menos... e não é bem assim, né?”

Diferente do curso técnico de estética, Sônia não gostou do curso de pedagogia e cogitou desistir algumas vezes; foram suas amigas de curso que a incentivaram a não abandonar. Por não gostar da área, ela conta que não fez todas as horas exigidas de estágio e

não era tão preocupada com a frequência e boas notas como costumava ser. Seus estágios obrigatórios foram realizados nas escolas do bairro: na EMEI e na escola Benevides. Ao longo da graduação ela também conseguiu um estágio remunerado em uma escola pequena em outro bairro da Zona Leste de São Paulo, mas por não gostar da área e, principalmente, por não se entender bem com o proprietário, Sônia ficou apenas duas semanas na escola.

Quando ela se formou em pedagogia Rodrigo já tinha completado a educação básica e a Thais estava no meio do Ensino Médio, então, sua estratégia de matricular seus filhos em uma escola privada que ela trabalhasse poderia acontecer apenas com seu filho caçula, Felipe. Por indicação de uma amiga de infância, também “irmã” da Congregação, Sônia consegue um trabalho como auxiliar de sala de educação infantil em um outro bairro de SMP, mas sentindo-se humilhada pela diretora dessa escola e conseguindo uma vaga na educação infantil em outra instituição, mais próxima de sua casa, ela fica apenas 8 meses nessa primeira. Sônia também conta que sentia que a diretora não iria permitir que ela matriculasse seu filho ali. Na segunda escola ela também ficou por pouco tempo, dois meses, pois entrou em desespero com a notícia de que a sua filha estava grávida; algo que se arrepende, pois o salário colaborava com as contas da casa.

A partir da sua própria relação com a escolarização e a melhor estabilidade profissional que conquistou com seus cursos técnico e de graduação, Sônia possui uma relação pragmática com a educação escolar, percebendo-a como um meio de acesso a melhores e mais estáveis postos de trabalho. Como veremos adiante, ela cria expectativas de que seus filhos concluam o ensino superior ou técnico e tenham empregos de acordo com esses níveis de escolarização, garantindo-lhes estabilidade social. Essas expectativas também são alimentadas pela sociabilidade da comunidade religiosa, com frequentadores das melhores posições do espaço social do bairro e em que muitas das “irmãs” da Congregação Cristã são pedagogas. Porém, sem o apoio do esposo e vivendo em um contexto do território que compete com seus desejos de regulação moral e de escolaridade dos filhos, Sônia possui muita dificuldade de efetivar uma estratégia de reprodução social, ainda que a verbalize e tente traçar planos.

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