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Silvia não nasceu em uma família religiosa; seus pais não costumavam frequentar igreja. Ela, por sua vez, disse que na juventude quis conhecer coisas novas e passou por algumas crenças: centro de umbanda/candomblé, Seicho-no-ie, Igreja Batista, Assembleia de Deus, Presbiteriana. Ela não se adaptou em nenhuma. Na Congregação Cristã do Brasil ela já tinha ido acompanhando uma cunhada, mas assim como nas outras, a princípio não se interessou.

O envolvimento com a Congregação aconteceu aos 19 anos; segundo ela, revelado em sonho. Nesse sonho ela via a Congregação do Brás, a maior da cidade de São Paulo, onde ocorria um ritual que ela achava muito bonito e a emocionava. Ela conta desse sonho para a cunhada que lhe diz que esse lugar é a Congregação do Brás, levando-a até lá. Desde esse dia, Silvia diz ter se encontrado na denominação, sentindo-se bem lá, o que a fez se batizar pouco tempo depois.

Naquela época ela morava no Jd. Dos Campos e frequentava a Congregação do Jd. Dos Ipês, sendo essa a sua “comum”28. Ninguém em sua família, exceto sua cunhada que a

levara, era religioso. Sua mãe foi contra a conversão da Silvia, chamava-a de beata por sua assiduidade aos cultos. Hoje, com a Silvia já adulta, a mãe não se opõe e até mesmo vai em alguns cultos, possuindo outros filhos que também se converteram ao evangelho.

O marido de Silvia também é batizado na Congregação Cristã do Brasil. Quando eles se conheceram ele ainda frequentava centro de candomblé, contexto religioso em que cresceu, por ter toda a família envolvida. Foi no próprio centro que ele afirma ter sido prenunciado que deixaria os terreiros e viraria evangélico. Antes de se batizar na Congregação, frequentou outras denominações, as quais disse não ter se adaptado; a própria Congregação não lhe agradou a princípio, pois achou muito estranho os homens se cumprimentarem com beijo e abraço. Foi acompanhando um amigo que ele começou a se aproximar e se envolver mais da denominação.

Quando Silvia e Edilson se conheceram apenas ela era batizada. Mas, segundo o casal, a igreja foi importante para a união dos dois, uma vez que ambos afirmam ter recebido sinais divinos que os aproximaram da Congregação e que juntaram o casal. O grupo da igreja também foi muito importante para a festividade e a alegria dos recém-casados. Na tradição da Congregação não há cerimônias de casamento na igreja, mas é comum um evento de celebração entre parentes e amigos; Silvia e Edilson não tinham condições financeiras na época de arcarem com os gastos desse evento, mas com uma “vaquinha” entre os “irmãos” da igreja foi possível ter um vestido de noiva e alguns preparativos da festa. O que evidencia a rede de proteção emocional e material no interior da Congregação.

Hoje, o casal costuma frequentar os cultos da igreja da Vila Harmonia, indo aos domingos e, se possível, também durante a semana na segunda-feira e na quarta-feira. Quando podem, afirmam também ir em Congregações de outros bairros. Silvia ainda considera por carinho a Congregação do Jd. Dos Campos sua “comuna”, indo algumas vezes para lá (15 minutos de ônibus) e mantendo contato com os frequentadores dessa outra região. Apesar de possuir uma vida religiosamente ativa, indo aos cultos semanalmente e conhecendo a maioria dos frequentadores da igreja, Silvia não parece possuir relações com vínculos fortes com seus pares da Congregação, sua relação com eles se limita aos rituais religiosos.

Mesmo assim, a religiosidade é muito presente na vida da Silvia. Ela possui cabelos bem cumpridos, usa apenas saias e vestidos abaixo do joelho e não possui roupas que mostram os ombros e o colo; assim como é recomendado pela doutrina. Ela também costuma carregar o véu utilizado nos cultos em sua bolsa junto com a Bíblia, pois sempre os usa quando vai orar. Por essas características, diz ter sofrido muito bullying na faculdade, inclusive de professores.

Por frequentar espaços de discussões educacionais e sociais, Silvia se depara com certa frequência com discursos que se opõe às doutrinas religiosas, principalmente as de religiões evangélicas. Percebe que as pessoas a olham, mas ela evita entrar no assunto, afirmando que a religião é de cada um, que acredita no que lê na Bíblia e evita julgar, apesar de se sentir julgada. “Porque depois que eu entrei na faculdade, a gente começa a ter um olhar diferenciado, né? Não fica aquela coisa muito fechada, né? E outra, Deus prega o amor, se Ele prega o amor como eu vou me afastar dessas pessoas?”. Assim, Silvia tenta circular por esses dois mundos distintos, que muitas vezes se contrapõem, sem se sentir em contradição, distanciando-se na sua vida profissional e, de certa forma, também na vida familiar de discursos da sua igreja que são contrários aos comportamentos liberais defendidos nos meios acadêmicos e educacionais.

É por ter “esse olhar diferenciado” que Silvia possui uma visão de mundo e uma interpretação da religiosidade diferentes de alguns líderes religiosos da Congregação e do seu próprio marido. Na educação das filhas, Silvia não impôs as recomendações de vestimentas da doutrina; conversa sobre o respeito à homossexualidade e às diversas formas de existir no mundo, o que não é compartilhado por seu esposo.

As filhas acompanhavam a mãe nos cultos quando eram crianças e frequentavam o grupo da Mocidade, voltado para as crianças e jovens solteiros. Hoje, porém, quase não vão; devido ao princípio da Congregação de evitar o proselitismo, Silvia afirma não insistir para suas filhas irem aos cultos, mas as convida. Para ela, a salvação divina é individual e não diz respeito à denominação que frequenta, confiando na educação moral de amor e respeito que passou para as filhas e não as obrigando a seguirem os preceitos da doutrina, como as restrições de vestimentas. Diferente do presenciado em outros contextos familiares pentecostais, na família de Silvia não há restrições ao uso do álcool; ninguém da família também sofre com esse vício. Ela afirma, até em tom de brincadeira, que uma das filhas adora beber vinho.

Assim, ao falar da ascese no interior familiar, diz não proibir nada em nome da doutrina, mas que apenas educa conforme seus valores e, principalmente, em vista da segurança física das filhas; preocupação que é decorrente do seu medo da violência e das drogas do bairro. Assim, por mais que as filhas não estejam inseridas na religião familiar, Silvia criou estratégias de educação e controle social que permitiu a construção de valores e, principalmente, as afastou dos perigos da rua; estratégia comum em meios populares. Além dessa preocupação sistemática e consciente de Silvia, Jéssica e Natália são “nascidas no evangelho” (FERREIRA, 2017), o que reforça esse investimento ao serem socializadas dentro de um lar ascético.

A Congregação Cristã do Brasil do território é uma das igrejas mais ascéticas e seus fiéis são reconhecidos por isso até pelos não pentecostais. Dessa forma, é comum a vigilância e a fofoca no interior do bairro que deslegitimaria a fé e compromisso das pessoas batizadas. A família de Silvia já foi motivo dessa situação duas vezes: uma por seu esposo ser capoeirista, o que seria mal visto por ter relação com a cultura afro-brasileira e a sua religiosidade (contexto narrado por outra informante); e a segunda, Silvia recebeu ligação de uma “irmã” da Congregação para contar que seu marido foi visto no Centro de SMP com uma mulher mais nova, que, na verdade, era a sua filha. A vigilância, nesses casos, corrobora a percepção da Silvia de que a crença é algo individual e que a salvação não depende apenas de alguns comportamentos ascéticos, mas de um conjunto de valores não necessariamente religiosos. Com essa perspectiva respeita a crença das filhas e acredita, pela educação familiar, que criou boas pessoas.

5.1.3. Relação com o território – “as pessoas começaram a me chamar pelo

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