Igreja Batista de São Miguel Paulista

A Igreja Batista é uma denominação histórica, internacional, não pentecostal. Ela não possui nenhum líder, mas não é ausente de hierarquias; pastores e igrejas locais precisam ser filiados a outras instâncias. No caso da igreja de São Miguel, o pastor precisa ser filiado à Ordem dos Pastores Batistas do Brasil – Extremo Leste, e a igreja é filiada à Convenção Batista do Estado de São Paulo e essa é integrante da Convenção Batista Brasileira; ainda há a União Batista Latino Americana e à Convenção Batista Mundial22. As igrejas se organizam de maneira congregacional: a partir da mobilização da própria comunidade e possuem relativa autonomia.

A Batista de SMP começou com o auxílio da Batista da Penha, também na Zona Leste, a partir de um casal que chegou de Pernambuco e começou a organizar reuniões com mais algumas famílias em sua própria casa. Construída em seu primeiro local em 1948 a região ainda não era urbanizada; hoje está localizada a três quadras da estação de trem, na região central. Assim como recebeu o auxílio de uma igreja Batista mais antiga para a sua formação, a igreja de São Miguel ajudou a organizar 20 igrejas, na região leste da capital e também fora dela.

A Batista de SMP é uma igreja com capacidade para umas 300 pessoas, contando com 270 membros, mas com uma média de 180 participantes ativos, segundo o pastor; uma igreja grande comparada com a maioria das igrejas visitadas. No terreno da igreja há, além do espaço de culto, diversas salas para a realização de atividades da igreja, como sala para berçário e para crianças (mobiliadas como sala de educação infantil), cantina, salas para ensaios musicais e artísticos etc.

A maioria dos frequentadores não moram próximos à igreja, como o próprio pastor, que me afirmou que o público reside em um raio de até 15 quilómetros do local. Dessa forma, muitos se dirigem à Batista de São Miguel de carro ou de transporte público, o que não é o caso das poucas famílias residentes da Vila Harmonia. O Centro de SMP, local da igreja, é

22 _{Todas as informações sobre a hierarquia e funcionamento das Igrejas Batistas no Brasil foram coletadas por} entrevista com o pastor da Igreja Batista São Miguel. Segundo ele, atualmente no extremo leste da cidade de São Paulo há 51 Igrejas Batistas filiadas.

uma área comercial e possui poucas residências, o que justificaria a vinda de pessoas de áreas mais distantes, muitas em transportes particulares.

Apesar da Batista de São Miguel não ficar no território estudado há pessoas da Vila Harmonia que a frequentam e que fizeram o convite para conhecê-la. Foram realizadas quatro idas ao culto, uma entrevista com o pastor responsável e outras conversas com frequentadores da igreja. Essa é uma das poucas igrejas em que foi possível entrevistar o pastor que, entre receptividade e desconfiança, contou sobre sua trajetória escolar e religiosa e permitiu a presença da pesquisadora no culto.

Uma maior presença feminina é claramente perceptível nos momentos de culto, como nas demais igrejas, e com muitas pessoas de origem nordestina. Segundo o pastor, não há membros (ex)viciados em drogas, como visto em outras igrejas visitadas. Assim, os frequentadores da Igreja Batista parecem se distanciar de trajetórias marcadas pelos grandes problemas sociais dos territórios mais pobres da região, que são desfavoráveis à educação

A trajetória de sucesso do pastor Maurer está estreitamente ligada ao seu envolvimento com a Igreja Batista. Seus pais estudaram até o primário, mas formaram todos os filhos na educação básica em escolas públicas; de quatro filhos, apenas Maurer e uma irmã possuem ensino superior, em Teologia e Administração, respectivamente. Ele chegou sozinho em São Paulo saindo de uma zona rural do Rio de Janeiro em 1980, aos 20 anos, com o objetivo de trabalhar e converteu-se a denominação, abandonando a tradição católica da família, após dois anos na capital paulista a convite de um amigo. Lá se envolveu em diversos projetos e próximo a ocasião de seu batismo ele consegue comprar uma casa em São Miguel Paulista para a sua mãe, mudando-se para o local em 1987, já casado e mantendo-se aí até os dias atuais. O curso de teologia exigido para assumir cargos de liderança dentro da igreja Batista foi realizado com o auxílio da igreja da Penha, outro bairro da Zona Leste, que pagou 50% do curso e curso e posteriormente o reconhecendo como pastor; sua chegada à igreja de SMP ocorre apenas em 2011, com um realocamento local. Após alguns anos na capital paulista, Maurer conseguiu abrir seu próprio negócio de embalagens, sendo sua renda exclusiva por 16 anos; hoje é apenas um complemento da renda enquanto não é efetivado em período integral na igreja.

escolar e que aparecem com frequência como preocupação entre os moradores da Vila Harmonia.

Apesar de Maurer afirmar que os fiéis da sua igreja são “gente simples”, o que seria uma característica do bairro, a Igreja Batista possui frequentadores com melhores condições sociais em relação ao público das igrejas do Vila Harmonia. Segundo o pastor, a maioria dos fiéis concluíram no máximo o Ensino Médio, havendo apenas alguns com ensino superior:

tem professores, tem pessoas advogadas, tem psicólogo também; mas assim, se for comparar com a igreja da Penha, a Igreja Batista da Penha, que hoje ela tá com 2 mil membros, né, o padrão é um pouco mais alto lá: lá tem juízes, tem gente com mais escolaridade, tá. Mas é uma característica aqui do bairro de São Miguel mesmo.

O ensino superior também é valorizado por esse pastor que conquistou seu título por esse meio, fazendo seu curso em teologia em uma faculdade da própria instituição Batista. É a partir desse diploma que Maurer legitima sua função de pastor e desdenha das igrejas pentecostais, as quais não seriam sérias na ideia do que é ser um líder, o que passa, obrigatoriamente, pela educação escolar:

Tem que ter uma formação teológica, psicológica, emocional, né, para lidar com vidas, para lidar com pessoas. Não desmerecendo nenhuma igreja que não faz isso, mas... eu creio que devia ser imprescindível um curso que você vai ver sociologia, psicologia, filosofia, as próprias doutrinas bíblicas mesmo bem aprofundadas pra lidar com pessoas.

Devido a essa formação exigida, não é de se estranhar que os líderes religiosos da Batista de São Miguel e os demais convidados façam uma leitura fluente da Bíblia; algo mais incomum nas igrejas da Vila Harmonia.

Em relação à ascese, Maurer me afirmou que a igreja não proíbe nada, mas aconselha que se siga o que está na Bíblia, entendendo-a como um livro que contém muitas metáforas. Em relação a isso, como pastor, orienta os fiéis de acordo com a interpretação que considera correta; assumindo, porém, que há famílias da Batista de São Miguel que adotam um estilo de vida mais ascético, a partir de uma leitura literal da Bíblia. Talvez receoso por um julgamento da pesquisadora, o pastor evitou falar ao longo da entrevista sobre o que a doutrina espera dos fiéis, mas a partir da nossa conversa, das idas aos cultos e dos materiais disponíveis online

sobre a igreja sabe-se que a igreja condena os vícios, prega a importância do trabalho e da união familiar, em que a mulher é a principal responsável pelos cuidados do lar.

Há diversos grupos de atividades e encontros no interior da igreja, a maioria dividido por faixa etária e por gênero. Assim como na Congregação Cristã do Brasil, há uma maior diferenciação entre as mulheres casadas ou solteiras, com grupos específicos destinados a esses públicos, algo que não ocorre para os homens. Esses grupos reforçam a socialização da igreja e parecem corroborar para a regulação moral, principalmente os relacionados aos papéis de gênero devido as separações dos grupos entre homens e mulheres. Essa importância da socialização na participação religiosa também é apontada pelo pastor Maurer; ele conta que após os cultos a lanchonete da igreja se torna um local de encontro entre os fiéis, que nesse momento conseguem formar as redes de amizade e estabelecer, assim, um outro conforto tão importante quanto o espiritual. Assim, a Igreja Batista investe na sociabilidade entre seus membros.

As atividades propostas pela igreja também possibilitam que os participantes desenvolvam habilidades e conhecimento: o aprendizado de um instrumento musical ou do canto, participando da banda da igreja; o estudo da Bíblia e o ensino de inglês, em um projeto desenvolvido pelo pastor Maurer de leitura da Bíblia na língua estrangeira, incentivando esse aprendizado. Todas essas práticas possuem afinidades com as lógicas escolares: letramento; respeitabilidade; ordenamento do corpo nos cultos e nas atividades; práticas de ensino que envolvem leitura, concentração e disciplina, como no caso do aprendizado de instrumentos.

Afora essas práticas que possuem afinidades com as lógicas escolares, foi presenciado em culto um discurso de um pastor convidado sobre como a igreja pode ser positiva para o desempenho escolar, no sentido de promover disposições para apresentar seminários e possuir a postura e o interesse esperados no âmbito escolar. Exemplificou com a história de uma mulher, filha de pastor, que completou seus estudos com esmero e hoje vive com o marido na Espanha. Dessa forma, a própria igreja se considera um meio de se aproximar das lógicas escolares.

Assim, conforme aponta a bibliografia, a Igreja Batista, uma denominação protestante histórica, valoriza a educação escolar e o conhecimento que se materializa na formação teológica dos líderes religiosos. Seus fiéis também parecem ter um perfil de maior estabilidade social que lhes permite projetar o futuro e perceber a educação como um longo

processo de aprendizagem. Como apontado por Lehrer (2004), em grupos religiosos marcados por maiores benefícios escolares – doutrina que não se opõe a educação secular e que possui frequentadores mais bem posicionados no espaço social – os investimentos em educação também tendem a ser mais fortes.