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4. O TERRITÓRIO

4.3. As igrejas do bairro

4.3.5. Igreja Pentecostal Ministério de Cristo

A Igreja Pentecostal Ministério de Cristo (MDC) é uma igreja local de São Miguel Paulista. A sede está localizada no bairro de Ermelino Matarazzo, onde ocorrem a maioria dos eventos e dos cultos, mas há também uma outra igreja localizada no Alto Harmonia que atende majoritariamente o público desse bairro. A MDC é originária da divisão de uma outra igreja pentecostal, a Maravilha de Jesus, próxima à sede em Ermelino. Os frequentadores atuais da igreja migraram, em sua maioria, da igreja Maravilhas de Jesus. A própria MDC também sofreu divisão em 2017, após a separação do pastor Jonas e do pastor Alves; esse último, atual líder da igreja Raridades de Cristo também na Vila Harmonia. A divisão da igreja é vista com desconfiança pelos moradores do bairro e por outros líderes religiosos, principalmente pelo fato do pastor da MDC, Jonas, ingressar na política e se candidatar como deputado estadual em 2014, compreendido como afastamento das funções religiosas.

O pastor fundador, Jonas, é o líder máximo da igreja e conta com um conselho para as tomadas de decisão – presidente (o próprio pastor líder), vice-presidente, secretário e tesoureiro. O pastor também participa da Convenção Geral das Igrejas Evangélicas do Brasil, Cogieb, uma convenção interdenominacional que promove aos afiliados “cursos, palestras, apoio jurídico e social específicos a igreja evangélica Brasileira” 25.

A MDC não possui muito contato com outras denominações do território. Segundo o líder da Vila Harmonia, a relação é amigável, mas se restringe a raros convites para ministrar em outras igrejas evangélicas. A Igreja Católica, porém, não possui essa proximidade. Casado com uma mulher que antes era ativamente religiosa no catolicismo, o líder da Vila Harmonia conta que as diferentes concepções de religiosidade e de vida antes da conversão da esposa foram motivos de algumas discussões.

Os frequentadores da sede da MDC são, na maioria, vindos da região de Ermelino Matarazzo, onde a igreja está localizada, recebendo uma média de 100 pessoas nos cultos dominicais. A igreja da Vila Harmonia conta apenas com uns 20 integrantes assíduos que se organizam em caronas para ir à sede da igreja. Tanto pelas vestimentas mais formais, ou com roupas de marca, quanto pela posse de carro (grande quantidade no culto de domingo) se percebe uma diferença social entre os frequentadores da Vila Harmonia e os demais que

frequentam a sede; percepção que é reforçada ao conversar com uma frequentadora moradora do bairro Tatuapé que não vai aos cultos da Vila Harmonia por saber que esse bairro é pobre, o que lhe daria insegurança. Observando, porém, no próprio interior do território estudado, os frequentadores da MDC residem no Alto e Médio Harmonia. Além do líder de célula que é motorista, sabe-se de frequentadores que são vendedoras, autônomos, desempregados.

O contato com a MDC se deu por um informante que conhece o líder de célula desde sua juventude; assim foi possível fazer uma entrevista com ele e presenciar algumas atividades da igreja: um culto, uma reunião de célula e um ensaio de louvores.

O líder de célula Gustavo, cresceu no próprio bairro da Vila Harmonia e é o 10º filho de um total de 11. Seus pais não completaram os estudos básicos e sua mãe é semianalfabeta, trabalhando ao longo da vida como doméstica; seu pai foi funcionário público, trabalhando como zelador de creche. Gustavo e seus irmãos, por sua vez, completaram seus estudos nas escolas públicas da região; ele fez toda a educação básica na escola Benevides, instituição do bairro que afirma ter sido melhor e mais familiar no seu tempo do que é hoje. Após a educação básica, também fez curso técnico de construção civil, mas não trabalha na área; hoje é motorista. Em seu grupo social e religioso não é comum o acesso ao ensino superior.

Em relação a sua trajetória religiosa, assim como outros informantes, conta ter crescido em uma família católica não praticante, considerando o catolicismo como parte da cultura brasileira: “A gente diz que é católico quando ainda não tem uma religião”. Sua aproximação com o pentecostalismo começou na infância, levado por irmãos mais velhos que conseguiram mudar o quadro religioso de toda a família, atualmente evangélica. Gustavo conta que na adolescência parou de frequentar a igreja, convertendo-se apenas quando mais velho, aos 26 anos. Sem falar de uma mudança específica de sua vida que o impulsionou a se converter e se tornar mais ativo religiosamente, o líder narra sua inserção como se estivesse relacionada a maturidade, implicada em uma regulação moral cotidiana associada a renúncias, como as baladas e o consumo de álcool. Reconhecido por seu autocontrole e engajamento na igreja Gustavo foi convidado pelo pastor fundador para ser líder de célula da Vila Harmonia e tesoureiro da denominação.

Gustavo possui em sua fala um discurso bem marcado para a ascese, em que a regulação moral seria importante não apenas no âmbito religioso, mas para diversas situações da vida, como nas relações familiares e de trabalho. Assim, o líder defende que os ensinamentos bíblicos devem ser buscados em diversos contextos, não apenas o religioso, o que traria vantagens do comportamento ascético em outros espaços sociais.

A prática do testemunho se torna muito importante para esse processo de mudança de comportamento e possível produção de disposições, como apontado por Souza (2012) sobre a exemplaridade no interior das igrejas pentecostais. Gustavo conta que há dois tipos de testemunho, o que conta algo positivo da vida da pessoa e colabora “encorajando” os demais na mudança de comportamento e na assiduidade da fé; e o “tristemunho” (sic), que conta o que está acontecendo de ruim, prática não encorajada pelo líder de célula que acredita que esse tipo de narrativa é melhor em situações privadas, a qual os demais integrantes podem tentar colaborar de forma mais personalizada.

Por considerar o ascetismo como prova do comprometimento com a igreja, afirma que o maior desafio da instituição está em atrair os jovens, que estariam menos propensos a aceitá-los. O que reforça a hipótese da adesão concomitante a um processo de maturidade, como o da própria trajetória de Gustavo.

A igreja também não oferece atividades diversas além do culto e dos encontros de célula que ofereçam uma opção de lazer e um meio de reforçar as disposições ascéticas. Os frequentadores da MDC são pessoas acima dos 30 anos de idade e a partir dos cultos e das reuniões de células conseguem estabelecer uma rede de confiança e amizade com os demais fiéis, com apoio mútuo da autorregulação e da disciplina, como foi presenciado na reunião de célula na casa do casal que tentava se livrar do vício do álcool.

Na igreja sede, durante os cultos há um espaço para a “escolinha”, espaço onde as crianças ficam brincando e fazendo atividades com temáticas religiosas, monitoradas por mulheres da igreja que se revezam entre os cultos. Foi nesse espaço que foram encontrados os materiais para atividades infantis da Assembleia de Deus, produzido por sua casa publicadora. Nesse momento em que estão reunidas as crianças de até 12 anos de idade, há práticas e lógicas de socialização e de organização com afinidades às lógicas escolares: estimula-se o letramento a partir dos livros e atividades religiosas; há brinquedos, livros e demais materiais disponibilizados de maneira organizada e que devem ser respeitados; diferentes crianças dividem os mesmos materiais; valoriza-se um certo ordenamento do corpo, quieto e silencioso. Dessa forma, a “escolinha” da igreja incentiva disposições duráveis e que possui

afinidades com a escola de formação básica.

Ao ser questionado sobre o tema da educação no interior da igreja, Gustavo compreende que a escola é a prioridade na vida dos jovens, mas não a aponta como um processo longo de aquisição de saberes, assumindo um discurso vago de sua importância. O estudo e a aquisição de conhecimentos a longo prazo não fazem parte das trajetórias dos frequentadores da igreja e nem dos seus líderes, o que parece justificar a resposta de Gustavo. Apesar disso, parece que a maioria dos frequentadores completaram a educação escolar básica (ninguém cursou ou está cursando o ensino superior) e todas as leituras presenciadas foram fluentes. Enquanto líder, Gustavo possui abertura e confiança com algumas famílias para aconselhar sobre a educação escolar e moral de crianças e jovens, mas o mesmo não soube indicar famílias disponíveis que contemplassem o escopo da presente pesquisa.

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