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3. DISPOSIÇÕES ESCOLARES EM CLASSES POPULARES

3.2. Mulheres das classes populares

A existência desse breve tópico se deu pela necessidade de pensar as particularidades de mulheres em classes populares, que costumam ser as principais responsáveis pela organização familiar e que possuem diversas dificuldades para exercerem esse trabalho em condições de vulnerabilidade social, sendo expostas e vítimas de diversas violências. Trajetórias marcadas por esses riscos, implicam em como essas mulheres compreendem e agem em relação a organização familiar, a educação dos filhos e as expectativas que criam em relação ao futuro.

Como apontado pela literatura da sociologia e da sociologia da educação, apesar dos avanços de igualdade de gênero, as mulheres são as principais responsáveis pela organização da vida doméstica. Sarti (1994), ao ter como objeto de estudo famílias de classes populares, aponta como nesses meios o trabalho feminino está mais atrelado ao trabalho doméstico que é concomitante a ideia de maternidade, conferindo a identidade feminina. “Assim, o trabalho da mulher está subsumido no desempenho do papel de mãe/esposa/dona-de-casa: que seja meio período, que seja em casa, que não afaste a mãe das crianças, reiterando a associação entre trabalho feminino e desordem familiar” (SARTI, 1994, p.140-141).

Destarte, o sonho do matrimônio é um projeto que se constrói cedo, tornando-se uma oportunidade de saída da casa dos pais para formar sua própria família nuclear. Adolescentes dos meios populares encontrariam também na maternidade um meio de reconhecimento social, sendo “uma alternativa viável para lidar com uma série de problemas e situações desfavoráveis presentes em seu contexto sócio-afetivo” (DIAS; TEIXEIRA, 2010, p. 127).

Apesar dessa expectativa do matrimônio, pesquisas com mulheres de classes populares como as de Souza (2009), Sarti (1994), Carvalho-Silva (2018) e Pinto et. Al. (2011) apontam como é comum experiências de violência domésticas das mais diversas formas, que podem deixar marcas físicas, mas principalmente emocionais. Souza (2009) aponta que a falta de referências de amor masculino e de relacionamentos não violentos potencializam as possibilidades de as novas gerações manterem a mesmas trajetórias de violências de sua mãe ou avós. Esses homens violentos, abusivos e com problemas de vícios aparecem na figura de pai, padrasto, tios, marido ou namorado.

a única provedora do domicílio, Pinto et al. (2011) apontam que a conciliação entre o trabalho doméstico e o trabalho remunerado gera mais dificuldades para essas mulheres garantirem a subsistência da sua família. Por terem de dividir o tempo entre esses dois trabalhos e possuindo poucas ou nenhuma alternativa de apoio para o cuidado dos filhos, essas mulheres ainda encontram dificuldades de conseguirem trabalhos bem remunerados ou estáveis, o que cria uma maior instabilidade social.

“A sobrecarga de papéis assumidos pelas mulheres frente às dificuldades sociais, econômicas e de violência experimentadas por elas expôs uma face perversa da condição feminina, sobressaindo, por um lado, a baixa autoestima, as frustrações, os medos e anseios e, por outro, a coragem e a perseverança na luta pela sobrevivência” (PINTO et. al., 2011, p. 169)

Em momentos de dificuldades, materiais e/ou imateriais, a rede de apoio estabelecida entre outros familiares, amigos e vizinhos pode ser decisiva para que essas mulheres consigam superar suas adversidades. Dependendo do contexto familiar – distância, conflitos – a rede de apoio entre vizinhos e conhecidos do bairro pode ser mais estreita do que uma relação de sangue, havendo relações de confiança e de responsabilidade mútua (SARTI, 1994). Essas redes de apoio podem se tornar peças chaves para a administração da rotina familiar e essenciais em momentos de dificuldades de manterem as condições básicas de reprodução da família.

A igreja, como vimos no capítulo sobre a religiosidade pentecostal, possui forte capacidade de socialização e de apoio emocional e material, podendo se constituir como mais uma rede de apoio na qual essas mulheres podem contar. Elas também são maioria dentro das igrejas13 e lá mantém a fé e o apoio para conseguirem também inserir seus companheiros na

religiosidade (TARDUCCI, 1994). O discurso evangélico é muito marcado pela condenação à diversos tipos de vícios, o uso de álcool, contra o adultério e, apesar de crer que a mulher deve ser submissa ao homem, também condena a violência doméstica. Assim, em contextos em que são comuns as mulheres possuírem esses tipos de relações com homens dentro da família, a igreja torna-se um local de apoio emocional que ainda permite manter a fé de alcançar uma maior união e estabilidade familiar (TARDUCCI, 1994).

13 Segundo o Censo de 2010, a mulheres representam 55,57% da população evangélica do país, de um total de 42,3 milhões de pessoas.

Um outro ponto importante da religiosidade cristã que já foi pontuado anteriormente, é a importância que a família possui nesse discurso. Nele, a mulher possui papel central na figura de administradora da família (TEIXEIRA, 2013; MACHADO, 1996; TARDUCCI, 1994), marcando também o papel que se espera da identidade feminina: “o discurso da família é o que abarca a mulher, já que não se concebe uma mulher adulta fora do matrimônio. A mulher é esposa e mãe, e também pode adquirir os papéis derivados desses, os de “viúva” ou “separada”” (TARDUCCI, 1994, p. 154). Enquanto figura central da união e do bem-estar familiar, no fundamentalismo religioso a mulher deve ser submissa ao homem: “Recomenda- se à esposa que não se queixe, não gaste o dinheiro provido pelo esposo em coisas desnecessárias, controle sua língua evitando espalhar mexericos, enfim, que mantenha com toda a diligência o asseio pessoal e do lar, aumentando assim a estima do esposo” (TARDUCCI, 1994, p. 157). Assim, segundo Tarducci (1994), a família cristã ideal possui os mesmos moldes da família nuclear burguesa do século XIX, com os homens responsáveis pela renda familiar e as mulheres dedicadas aos cuidados do lar; o esposo é o principal responsável pelas tomadas de decisões familiares. Por outro lado, apesar dessa submissão, mulheres vítimas de violências e que vivem constantes situações de vulnerabilidade encontram no discurso de fé – otimista frente às inúmeras adversidades e com exemplos tangíveis materializados no testemunho – um acolhimento e uma esperança de superação. Participar das atividades religiosas, ser reconhecida como uma “irmã”, assumir funções dentro da igreja, são outros pontos que a participação religiosa traz para a vida dessas mulheres, colaborando com sua autoestima.

“Com a sua capacidade de unificar níveis de experiência, o pentecostalismo ajuda a inserir as mulheres numa comunidade de pares já definida como aberta e solidária, mas também é certo que a solidariedade interna entre os membros se contrapõe a uma participação social mais ampla, uma vez que a oposição entre "mundo" e igreja é muito acentuada (...). No caso do pentecostalismo, a comunidade fechada ofereceria às mulheres uma forma de segurança, um microcosmos substitutivo da hostilidade do mundo.” (TARDUCCI, 1994, p. 161-162)

Assim, a forte socialização das igrejas pentecostais faz da igreja um espaço de acolhimento para a mulher fora do espaço doméstico, sendo uma possibilidade de vida pública, não no âmbito do Estado, mas na dimensão da sociedade civil na qual a religião faz parte; e que, apesar de se contrapor a cultura moderna individualizante, concepções

fundamentalistas e seculares mantém uma constante relação.

No que concerne à presente pesquisa, é importante salientar que diante dessas dificuldades às quais as mulheres de classes populares estão mais expostas, assumir total ou parcialmente a educação dos filhos com pouca presença ou até mesmo ausência da figura masculina ou de outro adulto responsável, coloca-se como um fator importante nas expectativas e ações de estratégia de educação familiar, ao influenciar as dinâmicas de renda e de organização do tempo da família, essenciais para o planejamento escolar. Sendo a religiosidade um importante fator na vida das mulheres entrevistadas, investigo como a participação e o pertencimento religioso atuam nas ações e percepções da organização familiar.

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