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É a avó que cuida integralmente da neta; Claudia e Barbara são beneficiadas pelo programa Bolsa Família e a mãe usa o benefício para seus gastos, o que não é o certo, segundo Angelina, que acredita que a sua filha deveria usar esse dinheiro para custear os gastos de Barbara.

A entrevistada frequentou a escola por pouco tempo e suas lembranças desse período eram de crianças, apenas das brincadeiras. Ela tampouco conseguiu se adaptar à lógica escolar, não se alfabetizou e foi expulsa após puxar o banco alto de um colega e machucá-lo. Seus pais também não foram escolarizados. Casou-se ainda na infância. Com essa trajetória, Angelina entende que a escolarização permite melhores postos de trabalho. Na educação de sua filha, conseguiu que ela terminasse a educação básica e fizesse alguns cursos profissionalizantes, mas sente-se frustrada com as escolhas morais de Claudia. Com a neta, Angelina tenta ser diferente e busca manter um maior controle moral e social. Assim como com a filha, a avó incentiva que Barbara complete a escolarização básica, mas não parece almejar o ensino superior, mas sim conhecimentos técnicos e práticos que lhe garantam uma profissão estável; porém, no momento da pesquisa, não possuía condições financeiras para investir em cursos profissionalizantes para Barbara como pôde fazer com Claudia.

Escolarização

Barbara estudou na pré-escola e na primeira etapa do Ensino Fundamental em escolas particulares de SMP, em bairros de mais de dois quilómetros de distância da residência. Na segunda etapa do EF ela foi para a escola pública e pelo processo de setorização é matriculada em uma EMEF de um bairro vizinho, mais central de SMP. Posteriormente ela foi matriculada em uma escola estadual localizada a mais de três quilômetros da residência, via sistema de setorização da Secretaria de Educação. Bárbara ficou apenas o primeiro semestre do ano nessa escola, devido a ameaças que estava sofrendo de um rapaz interessado nela e que não aceitava seu namoro com seu atual noivo. Tal situação foi lamentada pela família que considerava a escola de boa qualidade, com bons professores, que tinha como problema apenas as más amizades, os outros indesejáveis (ZANTEN, 2010).

É a jovem quem conta para a pesquisadora sobre as escolas que estudou; Angelina, quando comenta, faz comentários genéricos e não parece acompanhar a escolarização da neta, ou saber muito sobre as instituições escolares que ela frequentou ou sobre a própria rotina escolar. Quando precisou retirar Barbara da escola em que estava sendo ameaçada ela se direcionou para a secretaria das escolas que conhecia, indo primeiramente na escola municipal do bairro, onde lhe informaram que não havia vagas, porém ela apenas oferece as etapas de EF. Segue para a escola Maria Amélia Pereira, por indicação, porém essa também não oferece o EM, etapa em que Barbara estava. Consegue finalmente a matrícula na escola vizinha, Nísia Floresta, para continuar o 1º ano. Assim, diferente da mãe Silvia vista anteriormente, Angelina não está familiarizada com as lógicas escolares, possuindo também pouco conhecimento sobre as escolas do bairro e sobre os mecanismos de matrícula, assumido uma posição passiva diante das instituições educativas.

No ano de 2018 Barbara repete, junto com mais quatro colegas homens de sua sala. Assume que não gosta de estudar e por isso teve maus resultados, além da mudança de escola em si que a prejudicou no aprendizado. Angelina concorda, afirmando que a neta é muito preguiçosa. No ano de 2019 ela fez novamente o 1º ano do EM na escola Nísia Floresta e tem se destacado como aluna. Devido às boas notas, conseguiu cinquenta porcento de desconto em um projeto que lhe daria, uma vez por semana, aulas de inglês, informática e administração. Porém, mesmo com esse desconto não consegue pagar o valor de R$180,00 da mensalidade.

Angelina não possui críticas da atual escola da neta, Maria Amélia Pereira, e tampouco parece ter algo específico a dizer; fala de maneira genérica que os professores são bons e compreende que a culpa é de Barbara de ter reprovado o 1º ano do EM por sua falta de dedicação, o que seria comprovado pelo seu bom desempenho no ano seguinte em que estaria mais dedicada.

Barbara diz pensar em fazer um ensino técnico concomitante ao 3º ano do EM, mas ela ainda não sabe em qual área teria interesse. Dessa forma, as apostas mais concretas para a escolarização estão orientadas para profissões manuais que não requerem ensino superior. Sabendo que possui um primo desembargador, a jovem fala como um sonho distante o desejo de conquistar essa profissão, afirmando quase com resignação que sabe ser necessário muito estudo para alcançar tal posto e que talvez ela não seja capaz. Assim como sua avó, Barbara não possui muito contato com essa parte da família, apenas via rede social com um primo advogado que é a sua referência de sucesso escolar e profissional.

Não possuindo familiaridade com as lógicas escolares, mas compreendo a escolarização como uma fator importante para a aquisição de melhores e mais estáveis posições no espaço social, Angelina investe para que a neta termine a educação básica e busca, por meio da suas redes de apoio, informações para que Barbara consiga fazer cursos gratuitos ou de baixo custo pelo bairro; não consegue, porém, acompanhar a educação da neta ou estimular disposições valorizadas no espaço escolar. As práticas de organizações racionalizadas, escritas, a boa postura corporal e todo um autocontrole do corpo parecem, no caso de Barbara, serem mais impulsionadas pelo seu empenho na Igreja Amor e Prosperidade com Cristo e seu consequente asceticismo, do que pela socialização familiar.

Regulação social e moralidade

Angelina e sua neta Barbara são frequentadoras assíduas da igreja e lá assumem posições de confiança. A avó não parece possuir muitas dificuldades em manter um autocontrole para o comportamento ascético, mas sua neta sim, algo que é afirmado por ambas: Angelina por temer que Barbara tenha uma trajetória similar a da sua filha Claudia; e a própria Barbara que espontaneamente fala para a pesquisadora que seu relacionamento com o noivo possui muitas brigas porque eles não seguem a doutrina como deveriam. Dessa forma, apesar de possuir uma vida religiosa ativa e se preocupar com os ensinamentos religiosos,

Barbara confessa não seguir todas as recomendações da igreja. Assim, há a crença de uma promessa de êxito caso os comportamentos forem ajustados às normas religiosas, o que impulsiona o autocontrole no ascetismo do jovem casal.

A avó, apesar de não transparecer essa preocupação por um viés religioso, é muito severa com a neta, o que é motivo de atrito entre elas:

“A Barbara é da casa pra igreja, da casa pra escola... mas também porque eu fico em cima (...) [Pesquisadora: Ela sempre foi na igreja com você?] Sempre, sempre comigo. Porque não dá pra deixar ela, como é que eu vou deixar ela? Do jeito que é jovem... eu chego e ela tá no mundo? Não... onde eu for, ela vai”

Assim, o controle se dá, principalmente, em relação a sociabilidade e a moralidade, controlando onde Barbara vai e não permitindo que saia até tarde, vigiando também para que a neta não engravide do atual noivo. “Sou e sempre fui muito severa. Com a Barbara dobra os encantos. Porque se solta o cabresto já teriam umas duas, três crianças aqui pra eu cuidar”. Ao longo das visitas na casa de Angelina em que Barbara não estava, a neta ligou para avisar onde ia e se tinha acontecido algum imprevisto para justificar a sua demora; mostrando que os meios de controle social e moral da neta tiveram os resultados esperados.

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