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3. DISPOSIÇÕES ESCOLARES EM CLASSES POPULARES

3.1. Estratégias educativas em meios populares

Diferentes dos meios médios e elitizados, em que é comum uma preocupação sistemática com o desenvolvimento de habilidades e desenvolvimento cognitivo, com disponibilidade de recursos financeiros para arcar com os custos de atividades extracurriculares, além da proximidade com a lógica escolar (LAREAU, 2007), os meios populares tendem a recorrer a outras estratégias de educação. Resende, Nogueira e Nogueira (2011) sustentam que, sendo pouco familiarizadas com as lógicas escolares e limitadas em oportunidades educativas, as famílias populares preocupam-se mais com outras referências na escolha dos estabelecimentos de ensino, como a facilidade de acesso, as informações e opiniões da rede de sociabilidade, a disciplina e a formação moral da escola. Assim, a reputação que uma escola tem do bairro se torna algo importante no momento da escolha de estabelecimentos (Cf. RESENDE, NOGUEIRA, NOGUEIRA, 2011; COSTA, MÁRCIO et al., 2013; ALVES, BATISTA, RIBEIRO, ERNICA, 2015).

Diante da oferta de oportunidades educacionais restritas, em instituições nas quais identificam muitos problemas, a começar pela falta de segurança e pela falta de garantias em aprendizagens, a preocupação com a proteção física e moral são critérios importantes (BATISTA, CARVALHO-SILVA, 2013; NOGUEIRA, 2013).

“A análise de suas trajetórias familiares nos mostra que a falta de proteção e cuidado é o que poria as crianças em maior risco em suas trajetórias de vida. Sendo assim, as mães se mobilizam para obter essa proteção da escola. Afinal, é o primeiro e o único serviço público ao qual as famílias têm acesso cotidianamente” (SÁ, p.261).

Nogueira (2013) e Batista e Carvalho-Silva (2013) em pesquisas empíricas em meios populares, evidenciam um discurso recorrente da imagem negativa da escola pública, sendo muitas vezes vinculada a um ambiente propício às “más companhias”, a violência e ao consumo de drogas. Batista e Carvalho-Silva (2013) e Soares, Rigotti e Andrade (2008), notam que tal vinculação negativa do ambiente escolar está relacionada à concepção do bairro em que está inserida, entendido pelos próprios moradores como local violento. Assim, as problemáticas do bairro parecem se concentrar também na instituição escolar que parece impotente diante dessas situações.

A maioria dessas famílias precisam confiar na escola por não possuírem outras alternativas de escolarização. Dessa forma, a instituição escolar pública parece ter um sentido ambíguo no discurso dessas famílias, que desconfiam e ao mesmo tempo criam expectativas de uma escola segura e que seja capaz de instruir e socializar. Pais com maiores recursos, mais engajados e participativos na escolarização dos filhos e que possuem contatos sociais que facilitam o realocamento nos sistemas públicos de ensino12 teriam maiores possibilidades

de escolher a instituição educacional que melhor contempla suas expectativas.

Temendo a violência vicinal e impossibilitadas de recorrerem a outras instituições educacionais, as famílias, então, podem vir a adotar medidas de controle dos filhos que limitam as influências que consideram negativas, expressando-se também em outras ações, tais como o controle estrito da socialização dos filhos, a regulação de sua rotina etc. (BATISTA, CARVALHO-SILVA, 2013).

Nesses contextos, então, a participação religiosa pode se tornar um mecanismo de estratégia, mesmo que inconsciente, de assegurar uma educação segura e estável, corroborando com a evitação das más influências e dos demais perigos do território, presentes também na escola. Assim, o asceticismo religioso – de proibição do uso de drogas, lícitas e ilícitas; controle do corpo, com evitação da sexualidade; e distante da cultura jovem moderna – reforçado pela forte socialização dos meios evangélicos pode surgir como uma alternativa educativa para as famílias que buscam exercer um maior controle social e moral dos filhos.

Ainda em meios populares, famílias com maiores recursos e capazes de mobilizar um projeto cotidiano e de longo prazo buscam matricular seus filhos em estabelecimentos privados. Há no mercado educacional escolas “que cobram relativamente barato, ou possuem um sistema de bolsas de estudo” (ALVES, 2010) que aparecem como alternativas de escolarização privada também para as classes populares. Pesquisas feitas no período anterior à crise econômica que se instaurou no país a partir de 2015 constataram um aumento de matrículas na rede particular de ensino, com mensalidades relativamente baratas, principalmente no sentido de migração da escola pública. Ou seja, criaram-se “nichos de mercado” da escola privada em bairros que antes tinham uma predominância do uso da rede pública, com moradores de classes populares (MEDEIROS e JANUÁRIO, 2014). Nessas

12 Para compreender as estratégias e os mecanismos de realocamento nas instituições públicas, ver: RESENDE, NOGUEIRA, NOGUEIRA, 2011; COSTA, Márcio et al., 2013; ALVES, BATISTA, RIBEIRO, ERNICA, 2015.

pesquisas aparece o consenso entre as famílias investigadas de que as instituições particulares assegurariam demandas básicas de organização, proteção física e educação moral; condições nem sempre garantidas nas escolas públicas. Assim, quando a renda familiar aumenta há uma propensão para a saída do sistema público e a busca pelo sistema privado.

Um dado relevante trazido por Nogueira (2013) sobre o aumento do interesse das classes populares na matrícula em escolas privadas é a “associação feita, por um grupo razoável de famílias, entre ambiente controlado e mantenedora religiosa, com destaque para os colégios de orientação evangélica” (p.124). O que não significa, necessariamente, que a confissão religiosa da escola seja a mesma seguida pela família. Fernanda Souza (2012), ao analisar famílias de uma escola católica do Rio de Janeiro, aponta uma idealização da escola que envolve formação de valores e crenças, o que seria mais determinante do que a própria religião em si. “Neste sentido, verifica-se que o aspecto religioso se confunde com os valores, apesar de se constituírem em itens diferentes” (p.120). Enquanto para as famílias as escolas religiosas criam a expectativa de uma educação pautada nos valores morais, para as religiões elas aumentam seu poder de disseminação e fixação de valores e crenças, em contexto no qual isso é objeto de disputa com outras instituições religiosas e com o próprio conceito de educação.

As religiões evangélicas, como vimos, são predominantes nos grupos de baixa renda e escolaridade; essas classes sociais, de acordo com a literatura da sociologia da educação, possuiriam lógicas distantes das escolares, com dificuldades de mobilizar recursos e capitais e de lidar com as expectativas da instituição educativa. Porém, essa religiosidade também é marcada pelo seu forte ascetismo, pela sociabilidade e pela prática de leitura; características que parecem impulsionar para um ordenamento do corpo, uma gestão das atividades cotidianas e uma projeção de futuro; afastando também trajetórias que dificultam a permanência e o aprendizado escolar, como o envolvimento com drogas e a gravidez na adolescência. Questões estas valorizadas também no espaço educativo. Retomo, então, a questão da pesquisa: a religiosidade evangélica ativa em meios populares transformaria os modos de se relacionar com o sistema de ensino, entendidos como comportamentos, práticas e ambições escolares?

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