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4. O TERRITÓRIO

4.2. As escolas do bairro

No conjunto da subprefeitura de SMP, a oferta escolar é predominantemente feita pela rede pública, 75% em 201716. Apesar de minoria, as escolas particulares tiveram um aumento de estabelecimentos e de matrículas a partir de 2008, apresentando um novo “nicho de mercado” que disputaria alunos com a escola pública. Este aumento é concomitante à diminuição das matrículas na rede pública, que de 29.692 matrículas em 2007, foi para 20.105 em 201517. Após a crise econômica, porém, acredita-se que esse quadro tenha sofrido outras mudanças. Ao longo da pesquisa de campo não foram encontradas famílias com crianças e jovens matriculados em instituições particulares.

As regras que regulam o sistema de matrícula em escolas públicas determinam que, em primeiro lugar, a matrícula deve ser feita pela setorização, isto é, pela proximidade da escola em relação ao endereço de residência do estudante18. Dessa forma, em contextos de forte segregação social, como o município de São Paulo, “o perfil socioeconômico dos estudantes seria reflexo do território onde a escola está localizada” (MACHADO, 2017, p. 124). Pesquisas na subprefeitura de São Miguel Paulista, porém, apontam a existência de mecanismos de realocamento escolar (BATISTA, CARVALHO-SILVA, 2013), estratégia de

15 Pensar o sentimento de pertencimento do bairro foi discutido muitas vezes durante as reuniões do Plano de Bairro. Apesar de reunir as pessoas associativamente ativas do território, moradores de todas as áreas do bairro participam desse projeto. O contato com outros moradores e as visitas nas diferentes igrejas confirmam esse sentimento de pertencimento, como veremos adiante.

16 Nesta contagem foram consideradas as escolas federais, estaduais e municipais do ensino fundamental e médio. Dados coletados a partir das tabelas disponibilizadas pela Secretaria de Desenvolvimento Urbano da

Prefeitura de São Paulo, disponíveis em:

<https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/urbanismo/dados_estatisticos/info_cidade/edu-cacao/>. Acessos em 22 de abr. de 2019.

17 As informações completas sobre estabelecimentos e matrículas estão disponíveis no site Infocidade da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano da Prefeitura de São Paulo: http://infocidade.prefeitura.sp.gov.br/index.php?cat=8&titulo=Educa%E7%E3o. Acesso em 04 de maio, 2017. 18 No município de São Paulo, a matrícula escolar ocorre a partir das escolas localizadas em um raio de 2 km do CEP declaro pela família.

mudança de instituição escolar que possibilita a escolha de estabelecimento; revelando outra faceta das desigualdades educacionais dentro do próprio setor público, como evidenciado por Alves, Batista, Ernica, (2012) e Machado (2017) sobre o processo arbitrário de decisão da direção das escolas.

O realocamento ocorre no interesse da família em matricular as crianças e jovens nas escolas públicas que consideram mais adequadas, e/ou evitando escolas com reputações de “problemáticas”. Durante a pesquisa de campo, informantes e entrevistados apontaram três estratégias de realocamento: o cadastro de um CEP mais próximo à escola que deseja, a partir de um comprovante de renda emprestado; a tentativa de contato direto com a coordenação ou direção da escola que deseja matricular19; e o contato direto com a Secretaria de Educação, alegando a incapacidade de uma escola de má reputação garantir a segurança física e/ou o direito pleno a educação. Essas famílias procuram evitar escolas que consideram perigosas e buscam instituições que reforçam o que valorizam na educação escolar, não se submetendo a resignação burocrática do processo de alocamento; assim, são sujeitos que escolhem.

Assim, como sinalizado por pesquisas anteriores (Cf. ERNICA, BATISTA, 2012;

ERNICA, 2013; CARVALHO-SILVA, BATISTA, 2013; ALVES, BATISTA, RIBEIRO, ERNICA, 2015) e confirmado pelo trabalho de campo, há uma hierarquização das escolas por parte dos moradores do bairro; mesmo os que não buscam estratégias de escolhas parecem perceber as diferenças entre instituições que são construídas a partir do contato com familiares e amigos, ou da experiência com os próprios filhos. As estratégias de preferência, analisadas em pesquisas anteriores em SMP e confirmadas no trabalho de campo, são: “fama” da escola em relação aos discentes, ao comprometimento do professores e a disciplina; localização de fácil acesso; evitam transferências, preferindo escolas que ofereçam toda a educação básica, do Ensino Fundamental ao Médio; valorização das instituições que oferecem atividades extracurriculares; escolas que tenham acesso a programas sociais (serviço de van escolar foi citado como um benefício que não existe mais). O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), não é um fator que aparece como componente de escolha; porém, as estratégias familiares de hierarquização/evitação possuem correspondência com os resultados do indicador.

19 Pesquisas apontam também para um sistema inverso, de escolha e seleção por parte das escolas, que priorizariam alunos com boas referências escolares e de comportamento, evitando alunos com o perfil oposto. Para aprofundamento, ver: ALVES, BATISTA, RIBEIRO, ERNICA, 2015.

Notas do Ideb20 Ensino Fundamental - Anos Finais

2011 2013 2015 2017

Escola Benevides 4,3 3,2 4,1 *

Escola Maria Amélia 5,1 5,2 4,9 5,5

Escola Macaé Evaristo 5 4,9 4,8 5,3

* "Escola sem Ideb ou sem cadastro no Censo da Educação Básica 2017". A Escola Nísia Floresta também não participou nesses anos do indicador.

Na Vila Harmonia há uma escola estadual, Maria Victoria Benevides (Benevides), localizada na rua de acesso à estação de trem, no Alto Harmonia, criada em 1988 que atende desde o Ensino Fundamental I até o Ensino Médio. Apesar de oferecer toda a educação básica e estar no território, a escola Benevides não é bem vista por muitos moradores do bairro que se queixam da falta de infraestrutura e do comprometimento dos profissionais e alunos: a escola tem histórico de ser um lugar onde há venda de drogas; há casos de violência entre os alunos; informantes comentam que “por qualquer motivo não tem aula” e que alunos do Ensino Médio noturno não frequentam às sextas-feiras, o que seria aceito pela direção e pelos docentes, que acabam por não ministrar a aula quando há poucos alunos; a estrutura é precária e faltam equipamentos – os equipamentos de informática foram roubados em um assalto em 2017 e não tinha sido reposto até 2019. A partir desses casos, de maneira geral, é comum entre os informantes o discurso de que grande parte desses problemas está no próprio corpo discente da escola que não sabe valorizar o ensino.

Assim, estando em um território mais vulnerável que as escolas do centro, a escola Benevides é percebida por algumas famílias como extensão da rua, não garantindo a educação de qualidade a qual se propõe e tampouco parece ser um lugar seguro. Soares et. al. (2008) e Ernica e Batista (2012), entre outras pesquisas sobre hierarquias e desigualdades escolares no setor público, apontam que as escolas em territórios de alta vulnerabilidade, como a da Vila Harmonia, “tendem a ter uma população discente composta de crianças e jovens com baixos recursos culturais familiares e residentes no entorno da escola” (ERNICA, BATISTA, 2012, p. 654), sendo caracterizadas por sua homogeneidade. Dessa forma, as escolas “são um 20 Consulta aos dados do Ideb em: <http://portal.inep.gov.br/consulta-ideb>. Acesso em: maio de 2019.

microcosmo do território de alta vulnerabilidade social, concentrando dentro de si os seus problemas, que se manifestam intensamente por vezes em proporções de difícil controle” (Ibid). Assim, os males da rua que deveriam ser evitados também estão na escola, dominando suas relações; ou seja, sem que a instituição aja sobre elas e impondo outro ordenamento das relações sociais e dos comportamentos, o que é percebido pelos moradores do bairro que preferem evitar a escola do território.

Além da escola do bairro, a população local também utiliza, principalmente, três outras escolas do centro de SMP, localizadas a menos de um quilómetro da estação de trem que liga os bairros Vila Harmonia e Centro. A escola municipal Maria Amélia Pereira (Maria Amélia) possui o Ensino Fundamental I e II. Ela é considerada uma das melhores instituições de ensino pública da região, sendo destacada por alguns informantes pela preservação da estrutura física e do comprometimento dos docentes. Durante o campo, soube- se de crianças que foram diretamente alocadas para a Maria Amélia após o término da pré- escola e também de famílias que buscaram meios de garantir a matrícula dos filhos nessa instituição.

Na mesma calçada da escola Maria Amélia, há a Escola Estadual Nísia Floresta, apenas com Ensino Médio, sendo muito comum a matrícula de alunos nessa instituição após a conclusão do ensino fundamental na escola vizinha. Com uma reputação melhor que a escola do território, que oferece toda a educação básica, a escola Nísia Floresta é reconhecida por alguns informantes como uma instituição que “já foi melhor”. Alguns desses sujeitos contam que essa escola oferecia uma educação muito boa, em um passado não muito distante, sendo disputada por muitas famílias da região. Hoje, tal cenário teria mudado devido a uma desvalorização da educação por parte das famílias, dos alunos e dos próprios professores. Como veremos no relato de uma mãe, a escola também recebe alunos em condição de liberdade assistida21 e já teve situações de violência armada; o que colaboram para a

desvalorização do seu prestígio.

21 Liberdade Assistida é a condição do adolescente infrator que possui certa restrição de direitos e recebe acompanhamento sistemático pela Vara de Infância e Juventude, sem impor o afastamento do convívio comunitário. Mais informações em: <http://mds.gov.br/assistencia-social-suas/servicos-e-programas/servico-de- protecao-social-a-adolescentes-em-cumprimento-de-medida-socioeducativa-de-liberdade-assistida-la-e-de- prestacao-de-servicos-a-comunidade-psc>. Acesso em: 02 de maio de 2019.

Uma outra instituição que apareceu com frequência em relatos de informantes é a Escola Municipal Macaé Evaristo, que oferece desde o Ensino Fundamental I até o Ensino Médio. Por atender toda a educação básica parece ser priorizada nesse sentido, evitando a burocracia do processo de matrícula após a conclusão do ensino fundamental. Por outro lado, a mãe Silvia que foi entrevistada aponta como característica negativa o fato de o ensino médio ser oferecido apenas no período noturno nessa escola, o que estaria relacionado a ideia de perigo e de bagunça.

Além da escola Benevides de educação básica, o território conta com duas creches que foram conquistadas após a atuação em conjunta da sociedade civil da região, do Fórum dos Moradores da Vila Harmonia e Adjacências e de uma Organização da Sociedade Civil (OSC) que atua na região (TORRES, MACHADO, 2016). Além dos estabelecimentos de ensino escolar propriamente dito, há na Vila Harmonia uma organização da sociedade civil local que por meio de parcerias oferece aulas esportivas e de teatro para a comunidade, principalmente infanto-juvenil; o Centro para Crianças e Adolescentes (CCA) localizado no mesmo terreno da Igreja Católica, desenvolvendo diversas atividades contraturno com crianças de 6 a 14 anos de idade; e a OSC que atua no território, desenvolvendo atividades culturais, sociais e até mesmo de ensino para diversas faixas etárias. É nesse último espaço que há uma biblioteca Figura 1 - Escolas do bairro

comunitária que também realiza projetos autônomos e em parceria com a escola estadual do bairro, Benevides.

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