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4. O TERRITÓRIO

4.3. As igrejas do bairro

4.3.10. Igreja Evangélica Pentecostal Céu da Glória

A Igreja Evangélica Pentecostal Céu da Glória é uma igreja pequena, local, fundada pelo casal de pastores líderes Silvio e Amanda, moradores da Vila Harmonia. É uma igreja pequena no Médio Harmonia, com menos de 30 frequentadores entre jovens e adultos.

A Céu da Glória se diferencia das demais igrejas evangélicas visitadas por ser a única que contém instrumentos de percussão como o pandeiro e o atabaque. Como apontado pela bibliografia sobre as diversas influências religiosas no pentecostalismo, a igreja ao mesmo tempo que recrimina as religiões afro brasileiras em seu discurso, faz uso de instrumentos e ritmos comuns a essas crenças (MARIANO, 2014).

Não foi possível se aproximar muito dessa igreja e de seus membros, apenas uma ida ao culto precedida por uma rápida conversa com o pastor Silvio sobre as intenções da pesquisa. Os informantes do bairro não são próximos aos frequentadores, mas, principalmente, os líderes religiosos receberam a pesquisadora com muita desconfiança; situação distinta de todas as demais igrejas visitadas que viam na pesquisadora uma potencial futura evangélica.

Devido ao pouco contato, não se sabe quais as condições sociais dos líderes e dos frequentadores da igreja, porém acredita-se que não façam parte da franja superior do bairro: tanto pela leitura silábica dos pastores, quanto pelos testemunhos presenciados – um frequentador ex preso por assassinato e o comentário da pastora de ex viciados em drogas e ex prostitutas – contextos que se distanciam das igrejas que atendem moradores do Alto e Médio Harmonia.

Em relação a ascese, a líder da Céu da Glória afirmou aconselhar os jovens a se manterem longe das drogas, da prostituição, a estarem em casa depois das 22 horas, a evitarem bailes funk, a serem heterossexuais e a manterem o compromisso com o casamento, focando principalmente na mulher como responsável pela união familiar. A escola é obrigatória para os jovens e caso os líderes religiosos saibam do descaso escolar, afirmam chamar os responsáveis para conversar. De maneira geral, pela quantidade de atividades oferecidas aos jovens – canto, instrumentos e teatro – e pela aproximação entre eles (pareciam ser bem unidos) a igreja parece propiciar momentos de lazer e amizade integradas à vida religiosa, o que não estimularia e atualizaria as tendências indesejáveis que são contrárias aos preceitos religiosos, incentivando os sujeitos a manterem esse núcleo social religioso (SOUZA, 2012), ao mesmo tempo que controlam suas atividades externas: onde vão e que horas devem voltar. Assim, a regulação moral e o incentivo à ascese, com a promoção de disposições duráveis, ocorre também pela regulação social.

Como as demais igrejas locais que atendem um público majoritário do Médio e Baixo Harmonia, a Igreja Céu da Glória parece oferecer mais um suporte de evitação de piores condições sociais, constantemente presentes no território, do que promovendo um ethos com afinidades às lógicas escolares. A condição de exclusão social estável dessa população que vive em situação de alta vulnerabilidade social impossibilita que consigam agir diante do futuro, na qual a participação religiosa colabora na evitação das “más disposições” (SOUZA, 2009).

4.4 Considerações

A pesquisa de campo das igrejas foi uma etapa essencial para compreender como a religiosidade opera naquele território, contrastando com o debate levantado pela literatura e, posteriormente, compreendendo como as famílias entrevistadas se relacionam nesse contexto religioso. Ademais, para responder a questão levantada, nessa etapa da pesquisa foram analisadas a relação da escolarização com as igrejas a partir de quatro pontos: o discurso religioso dos pastores e o da denominação; a escolaridade dos líderes religiosos; a escolaridade dos fiéis; e as práticas oferecidas pelas denominações, como elas mobilizam saberes escolares ou se organizam com uma lógica escolar.

A literatura sobre religiosidade evangélica pontua principalmente as grandes denominações e foca no discurso institucional, pouco revelando como a religiosidade opera nas diferentes classes e frações de classe. Em todas as igrejas visitadas, a regulação moral está mais relacionado a um comportamento de evitação das “coisas do mundo” e que são muito comuns à muitas trajetórias ali (vícios, crime, sexualidade etc.), do que um comportamento prospectivo, que se aproxime de práticas que visam um bem futuro. Nas igrejas de SMP, apenas as denominações Nascidos para Vencer e a Tempo de Avivamento possuem um discurso que remete a ideia de prosperidade futura, mas os testemunhos dos fiéis – momento em que aparecem seus problemas e são religiosamente importantes para a identificação e atualização da fé – revelam que esse discurso institucional possui seus limites em contextos de pobreza. Como apontado por Teixeira (2013), o discurso da prosperidade das igrejas estão mais relacionadas a uma ideia de sacrifício, perseverança e aprendizado dos ensinamentos de Deus, na qual as temáticas variam conforme o público da igreja: trabalho e bem-estar familiar aparecem mais nas denominações que atendem os grupos mais bem posicionados do bairro; superação de vícios são mais comuns nas igrejas que recebem as pessoas em situações de alta vulnerabilidade.

Assim o discurso normativo das igrejas de impulso para a vida ascética foi visto em todas as denominações, mas o incentivo ao autocontrole varia conforme o contexto dos fiéis e até mesmo do líder religioso. A luta contra o mal, interna ao sujeito, apenas parece ter capacidade de autorregulação com efeitos duráveis nas igrejas com fiéis que já se encontram em uma posição social mais estável, sem viver constantemente riscos comuns ao território, como a relação com drogas, vícios etc. Nas igrejas que atendem os moradores do Baixo e do

Médio Harmonia, a participação religiosa, através de cultos, atividades internas, e seu consequente controle moral e de sociabilidade, aparecem como alternativa, ou estratégia de evitações dos perigos que o bairro apresenta, principalmente do uso de drogas. São essas igrejas que costumam ter cultos mais frequentes e outras atividades que acabam por promover a socialização mais intensa entre os frequentadores; como é o caso da Amor e Prosperidade com Cristo que possui cultos diários.

A maior transitoriedade entre os fiéis – entre denominações ou com períodos de afastamento da religiosidade – também apareceu na pesquisa de campo com maior frequência nas igrejas que recebem os fiéis em situações de alta vulnerabilidade social, a qual muitas das narrativas estão relacionadas a dificuldade de se adequar ao comportamento ascético. Como aponta Duarte (1983), nos grupos populares a religião não representa “uma totalização a priori”, em que as dificuldades de sobrevivência diária não os inspirariam a seguirem o modelo de sujeito ideal que “lhes desvela a cada momento muito cruelmente sua ilusão e falsidade” (p.61).

Em todas as denominações visitadas o discurso ascético também está relacionado a uma regulação dos papéis no interior familiar, definindo práticas e relações do que é ser um bom marido, uma boa esposa e bons filhos e filhas. Os filhos devem respeito e obediência aos pais; a esposa deve ser submissa ao marido, respeitando suas decisões e agradando-o no ambiente doméstico; e para os homens, propõe-se uma masculinidade ascética, que os afaste das “coisas do mundo” e os aproxime do ambiente familiar. A regulação masculina dos corpos e pulsões é a mais presente no discurso de todas as igrejas, inclusive nas denominações que atendem o público mais bem posicionado socialmente do território. Apesar disso, há pouca adesão de homens nas igrejas; em todas elas o público feminino era a grande maioria. Como veremos nas entrevistas com as famílias, muitas mulheres possuem a fé, ou até mesmo acreditam que possuem a missão, de converter seus esposos no evangelho e, assim, com a masculinidade regulada, conquistariam uma maior estabilidade familiar.

Sendo a maioria das igrejas do bairro pequenas e locais, elas não contam com muita estrutura para oferecer atividades que promovam uma forte socialização evangélica e acabam também por se distanciar do que a literatura traz como lógicas religiosas que possam ter afinidades com as lógicas escolares. São poucas delas que conseguem promover aulas artísticas, como o aprendizado de um instrumento, ou que possuam a prática de leitura litúrgica fora do contexto de culto. A capacidade de oferecer tais atividades é maior nas

grandes denominações que contam com um suporte institucional para oferecer material, espaço, apoio financeiro etc. Todas elas possuem a prática da leitura da Bíblia, mas a distância dos líderes religiosos e dos fiéis com a cultura letrada é reveladora ao nos depararmos em muitas denominações com leituras silábicas.

Os líderes religiosos de grandes igrejas, que exigem uma certa formação para o cargo de pastor (Igreja Batista e Assembleia de Deus), trazem um discurso da importância da educação não apenas para a profissionalização, mas também para a aquisição de conhecimentos gerais: Maurer da Batista, pontua isso ao valorizar a própria função do pastorado, citando disciplinas seculares que muitas vezes aparecem no debate público em embates com a religiosidade evangélica, como a sociologia; Daniel da AD comenta da importância da escolarização para não ser “alienado”. Porém esse discurso também encontra barreiras ao se deparar com a realidade dos fiéis e até mesmo do pastor que, como na Assembleia de Deus, vivem em um contexto em que o diploma escolar não é comum; ele traz vantagens no mercado de trabalho, com maior estabilidade, mas o ensino superior, um projeto longo e árduo, não parece ser uma realidade próxima.

Assim, como apontado pelas análises de classe social de Jessé Souza (2009; 2012), a religiosidade evangélica opera de distintas maneiras de acordo com as posições de classes de seus fiéis. No próximo capítulo, analiso como as famílias entrevistadas se relacionam com a educação escolar, investigando em que medida a vida religiosa ativa pode produzir ou reforçar comportamentos análogos à escolarização. Com a pesquisa de campo das igrejas, essa análise considera como essas famílias vivem a religiosidade e a relação com a educação escolar se atentando tanto a denominação a qual fazem parte, quanto a posição social que ocupam no território.

5. ENTREVISTAS

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