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traficante, que foi isso, foi aquilo Tudo o que acontece não é por acaso: algum propósito tem Os planos de Deus é perfeito”

A Júlia não cresceu em um contexto religioso; sua mãe-vó frequentava terreiros de umbanda ou candomblé, mas ela mesma disse que não ia. A primeira a se converter no evangelho foi sua mãe biológica que conseguiu, depois de muito tempo, também levar a mãe- vó e depois a Júlia. Todas elas transitaram por denominações evangélicas no interior do território pesquisado, sendo a Igreja Nascidos para Vencer a denominação que as três mulheres participaram com mais assiduidade; a Júlia se batizou ali.

Ela sempre falava da igreja do George com muita alegria e carinho; lamenta o seu fechamento e diz orar para a volta dos pastores no território. Por diversas vezes ao longo das entrevistas, Júlia trazia de maneira espontânea o quanto gostava e lhe fazia bem essa igreja. Ela começou a frequentá-la após seis meses de sua abertura no bairro; antes, transitou por outras igrejas evangélicas do território, sendo uma Assembleia de Deus a denominação que

39 Durante o intervalo entre duas das entrevistas, a cozinha da Júlia tinha sido inteiramente reformada por Jonas, com móveis que a família tinha recebido de doação de conhecidos do bairro.

ela mais participou. Contou não se sentir muito bem nessa AD, insinuando que as pessoas ali estavam mais preocupadas com coisas pessoais e materiais – foi citado as pessoas muito preocupadas com a roupa, em conhecer ou se aproximar de alguém do sexo oposto, ou apenas buscar a palavra em situações difíceis, abandonando a fé após a superação dos problemas. Diferentemente, a Nascidos para Vencer, apesar de pequena, teria qualidade nas relações, pessoas que estariam compromissadas em servir a Deus e que se preocupavam com os demais presentes. Ela afirma isso contando que foi pouco acolhida pela AD no período em que teve uma gravidez interrompida; situação que seria muito distinta da igreja do George.

Esse acolhimento e conforto propiciado no interior da denominação aumentaram a autoestima da entrevistada que diversas vezes durante a conversa dizia com orgulho da sua personalidade reconhecida por seus familiares, amigos e líderes da igreja: ser uma pessoa empática, com carisma e alegria, sendo sempre capaz de ajudar com alguma palavra de conforto; já foi considerada uma missionária por orar pelas pessoas e por sempre falar de Deus, contando que a melhor gratificação é levantar pessoas que estão “desviadas”. É por ter esse dom, como ela chama, que se tornou evangelista na Nascidos para Vencer.

Essa denominação também tem grande importância na vida da Júlia por ter sido no período em que a frequentava que seu marido largou os vícios de álcool e drogas, convertendo-se ao evangelho e frequentando a igreja Nascidos para Vencer junto com a família, por três anos. A conversão de Júlia ao evangelho parece estar muito relacionada a essa sua batalha de viver esse relacionamento, dando-lhe suporte emocional nos conflitos cotidianos e colaborando para que ela mantivesse a fé de converter também Jonas e, assim, tornarem-se uma família estruturada, como ela pontua. Desse modo, Júlia compreende que a conversão de seu esposo era uma missão que Deus destinou a ela e, hoje, após a superação dos vícios, assume esta narrativa como a trajetória de sucesso familiar, concretizada por meios sagrados. Jonas, mesmo após a conversão, não é tão assíduo como a Júlia, que nunca falta, mas ele a acompanha na maioria dos cultos.

Após a saída dos pastores fundadores do bairro, Júlia se tornou a principal responsável em assumir a igreja Nascidos para Vencer, sendo intermediada pelos pastores à distância; posto esse que a fez se sentir muito honrada. Porém, em menos de um mês a igreja fechou e seus frequentadores, inclusive a Júlia e seus familiares, começaram a frequentar outras igrejas do bairro. Júlia conta que o pastor George indiciou aos seus fiéis a frequentarem a Igreja Tempo de Avivamento. Essa indicação pode estar relacionada tanto a uma proximidade entre os dois pastores, quanto a uma afinidade teológica, em que ambas, segundo a pesquisa de

campo, são as igrejas que mais se aproximam do discurso da Teologia da Prosperidade. Júlia, porém, não aceitou a indicação alegando ser uma igreja longe, na qual teria muitas dificuldades de locomover toda sua família.

No momento da última entrevista Júlia estava frequentando uma igreja evangélica local, Manancial de Cristo, bem próxima a sua residência e que não fez parte da pesquisa do campo religioso. Ela não soube precisar por quanto tempo ficou sem ter uma nova igreja para frequentar após o fechamento da Nascidos para Vencer, mas afirmou ter frequentado esporadicamente uma AD do território e que cogitou a acompanhar a sua mãe biológica na Amor e Prosperidade com Cristo, da pastora Rose. Ao relatar da sua ida na Manancial de Cristo afirmou que “tinha que ser uma que o Jonas fosse também”, pois ele não a acompanhava com entusiasmo e assiduidade aos cultos das igrejas as quais ela transitou. Tal situação dá ênfase na importância da localidade próxima para a participação do esposo na vida religiosa, pois ambas as igrejas, Manancial de Cristo e Nascidos para Vencer, ficam bem próximas de sua casa. Ela também me afirmou que quando começaram a frequentar a nova denominação não conheciam nenhum fiel dali.

A filha Luana, 17, foi nomeada obreira na Nascidos para Vencer por ser muito ativa na organização dos cultos; ela começou a frequentar a igreja junto com a mãe no início dessa

A Igreja Manancial de Cristo já estava no território no início da pesquisa de campo em 2017 e está localizada no Médio Harmonia em um quarteirão de divisa com as recentes ocupações do bairro. A denominação é dirigida por um casal de pastores, na qual a mulher assume as principais funções da organização já que o esposo também trabalha como motorista de Uber. Ao longo da pesquisa de campo a igreja ampliou sua organização e estrutura: pintou e reformou a entrada; a Júlia contou que estão organizando grupos de louvores e um espaço específico para as crianças, algo novo na denominação. Acredita-se que seus frequentadores possuam baixa escolaridade e vivam em situações de alta vulnerabilidade social, tanto pelo erro ortográfico do nome da igreja em sua fachada (inicialmente escrito “manacial”, sem o “n”), quanto por alguns testemunhos que a Ana contou: fiéis ex-usuários de drogas, ou na tentativa de abandonar, e pessoas que já cometeram assaltos e assassinatos.

denominação, período esse em que ela estava com 11 anos e ainda estava sendo alfabetizada40. A concretização da sua alfabetização é vista pela mãe como uma intervenção de Deus, após orações. Luana continua acompanha a mãe em seus compromissos religiosos na Manancial de Cristo, porém com menos intensidade após ingressar no Ensino Médio no período noturno, coincidindo com os horários de culto durante a semana. Apenas os filhos do meio, a Marilia, 13, e o Luan, 12, não gostam de ir à igreja, acham “chato”; as filhas Mariana, 21, a Larissa, 7, e a bebê acompanham a mãe na maioria dos seus compromissos e vão também na igreja. Segundo a Júlia, a Larissa adora louvar (cantar música gospel no altar). Em casa, na televisão aberta ou via internet (YouTube), é comum elas assistirem a pregações de pastores famosos e escutarem músicas gospels, como foi visto ao chegar em sua casa em algumas entrevistas.

Por Júlia viver com intensidade a sua fé, seus filhos, por mais que não frequentem a igreja ou recebam um investimento sistemático da mãe para se converterem, são crianças que convivem com o universo evangélico pelas falas da Júlia, pela Bíblia aberta embaixo da televisão, pelas mídias evangélicas ligadas pela casa, pela trajetória de superação do pai etc. A história de Jonas como ex alcóolatra e viciado em drogas é um testemunho que o casal conta tanto na igreja quanto em casa, servindo de exemplo para outros que buscam abandonar o vício e para que os filhos não cometam os mesmos erros. Apesar disso, Júlia assume não possuir nenhum cuidado sistemático em relação a isso, afirmando apenas que ora para que seus filhos façam “as escolhas certas”, pois possuem o livre arbítrio. Pela experiência do próprio marido e pelos testemunhos que há nas igrejas que frequentou, aceitar e acolher os filhos apesar do que considera escolhas erradas parece algo essencial para a Júlia, pois fariam parte dos planos de Deus. Assim, apesar de ela possuir um discurso de busca de conhecimento religioso constante, considerando a Bíblia a principal fonte de sabedoria, Júlia não possui meios ou estratégias sistemáticas de transmitir esses fundamentos para os filhos, nem mesmo a partir de um forte controle moral e de sociabilidade, comum na literatura sobre religiosidade evangélica.

É pensando no livre arbítrio que Júlia também me afirmou não julgar ninguém por sua religião; diz não ter medo ou receio de entrar em casa de umbandistas, como é comum entre seus pares evangélicos. Há um terreiro de umbanda próximo a sua casa e ela conhece e se

40 Como veremos adiante nos tópicos sobre escolarização, Luana sofria muito bullying na escola o que prejudicava seu desempenho escolar. A partir de um projeto da OSC no bairro a Júlia, a Luana e o Luan passaram por psicólogos que os ajudaram a enfrentar problemas pessoais e escolares, melhorando o desempenho de ambos os filhos que ainda não estavam alfabetizados.

relaciona com a dona desse espaço: “Porque religião é uma coisa, as pessoas são outra. Cada um com a sua fé, né? Cada um com a sua religião. Se Deus não fez exceção de pessoas, quem sou eu?”.

5.4.3. Relação com o território – “Nisso, graças a Deus, Deus nunca me

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