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2. RELIGIÃO: O PENTECOSTALISMO EM SUAS CARACTERÍSTICAS E CONTEXTOS

2.3. Sociabilidade pentecostal e rede de proteção social

Também relacionada ao asceticismo, a forte sociabilidade no interior das denominações evangélica é outra característica do pentecostalismo em meios populares apontada na literatura. Na busca da aproximação com Deus e do afastamento das “coisas do mundo” (seculares) as igrejas promovem intensos programas de socialização, com cultos frequentes e outras atividades com momentos de lazer e amizade, as quais, por serem junto aos pares, não atualizam ou estimulam as tendências indesejáveis que são contrárias aos preceitos religiosos, o que também permite e incentiva os sujeitos a manter esse núcleo social religioso (SOUZA, 2012).

Além da frequência aos cultos, muitas denominações possuem atividades como o ensinamento da Bíblia, escolas dominicais, vigias de oração, visitas a casas de fiéis, grupos de

música, teatro etc. Assim, as próprias denominações suprem seus fiéis com lazer, competindo “com outras atividades no uso do tempo livre” (ALMEIDA, 2004, p.21). Tal característica justificaria a alta frequência e participação dos fiéis nas atividades religiosas nesse segmento, em comparação aos católicos. Confirmando essa literatura, Scott e Cantarelli (2004) analisam jovens de três diferentes movimentos religiosos em camadas populares, tendo como representantes do movimento pentecostal jovens integrantes da Assembleia de Deus (AD), da primeira onda pentecostal. Diferentemente dos presbiterianos (protestantes históricos) e dos católicos de um mesmo bairro, os jovens da AD afirmam não se envolver em atividades de lazer que não estejam no escopo religioso e declaram que seus amigos são também da igreja; o que é confirmado pelos demais jovens dos outros movimentos que reafirmam terem dificuldades de aproximação com os assembleianos.

Mariano (2014), a partir de Max Weber, e Mariz (2006), ao olharem para a vida coletiva em comunidades religiosas, afirmam que esse incentivo à sociabilidade mais restrita é necessário para a plausibilidade do discurso religioso, que se vê ameaçado pelo pluralismo de valores, principalmente os relacionados aos modos de vida modernos e seculares.

Destarte, a forte sociabilidade entre os pares religiosos, somada ao asceticismo, possibilitaria que disposições duráveis fossem criadas a partir da perspectiva da doutrina, na qual a conversão à religiosidade evangélica implicaria a adesão a um estilo de vida (NOVAES, 1985; MARIANO, 2014; SCOTT, CANTARELLI, 2004). Dessa forma, em um contexto de interação face a face, o sujeito é incentivado e recompensado pelo âmbito social religioso com exemplos presentes e tangíveis, que atualizam a disposição de seguir os preceitos religiosos, ascéticos, manifestos em todas as ondas pentecostais.

Jessé Souza (2012), em pesquisa em meios populares, analisa a prática do testemunho10 como chave nessa relação, em que “a exemplaridade é a forma reflexiva do habitus” (p.343), impulsionando disposições de autocontrole, com disciplina e com pensamento prospectivo. No testemunho, a prosperidade do outro mostra o resultado possível de que apostas são viáveis, o que é fundamental para empreender esforços, compreendidas enquanto potencialidades objetivas (BOURDIEU, 2007).

Mais uma vez, essa literatura está mais atenta a grandes denominações, com estruturas capazes de fornecer tais atividades para seu público, suprindo o lazer dos fiéis e estreitando

10 O testemunho é a prática de declarar, afirmando sua fé, um bom acontecimento que tenha ocorrido; entendido pela comunidade de fé como uma prova da presença de Deus na vida do fiel.

seus laços. Tais denominações teriam grande capacidade de mover ações que corroboram com a pedagogia da prosperidade, analisada por Teixeira (2013) na IURD, e atividades que se assemelham às atividades escolares, como grupos divididos por faixas etárias e gênero que se propõe ao estudo da Bíblia ou de outras atividades de aprendizado – musicais e artísticas. Como também veremos adiante, na pesquisa de campo, as diferenças de tamanho das igrejas e a consequente capacidade de mobilizar ações para fortalecer a instituições e oferecer atividades aos fiéis inferem tanto na capacidade dessas igrejas atraírem seu público e a estreitar os laços entre os irmãos de fé, quanto na proximidade do discurso religioso e de suas práticas com as lógicas escolares.

Assim, a literatura sobre religiões evangélicas ressalta a existência de um discurso religioso que criaria um ethos que em si tem relações que são muito valorizadas na escola. Em síntese: o ordenamento do corpo e de pulsões, reforçado pelo investimento em formas de sociabilidade entre pares que partilham o mesmo ethos; o afastamento de trajetórias que costumam atrapalhar o desempenho escolar, como os vícios, o contexto de violência e a gravidez precoce; a ascese relacionada à ideia de ganho futuro, lógica presente na escolarização; a prática de leitura; e a sociabilidade que, em contextos de aprendizagem ou de organização do grupo, tem intrínseco a ideia de respeitabilidade e pode se assemelhar à dinâmica escolar, como as escolas dominicais e os encontros musicais que se aprendem instrumentos. Porém, ao focarem nos discursos institucionais – principalmente das grandes denominações – e usando apenas secundariamente o conceito de classe, essas pesquisas não captam como a religiosidade infere na vida dos fiéis. Sendo parte da vida de sujeitos de uma classe social e com disposições próprias desses meios, a religiosidade evangélica, que é plural,

também opera de maneira plural nas diversas classes e frações de classes nas quais está presente. Essa pesquisa, então, se propôs a analisar como essa religiosidade está presente na vida de famílias evangélicas de meio populares, focando na sua relação com a escolarização.

Além das pesquisas já citadas que apontam que o asceticismo pode corroborar para uma melhora de vida em contextos de vulnerabilidade social, esses e outros trabalhos têm pontuado como a forte sociabilidade pentecostal promove o adensamento dos laços sociais, firmando uma rede de proteção, de confiança e fidelidade entre os fiéis. No interior das igrejas pode ser comum a solidariedade emocional e também material, o que produziria um efeito de proteção social em meios populares (ALMEIDA, 2011; MARIANO, 2014). Nesses meios, no interior do pentecostalismo “há circuitos de trocas que envolvem dinheiro, alimento,

utensílios, informações, recomendações de trabalho” (ALMEIDA, D’ANDREA, 2004, p.103); que como práticas assistencialistas são formadas como redes de amparo ao sanarem as necessidades mais básicas de seus fiéis (RIBEIRO, 2017).

Esse adensamento dos laços sociais é apontado por alguns autores como um dos motivos do sucesso pentecostal nos contextos de vulnerabilidade social, que

“Operando em redes alheias ou paralelas ao mercado e ao Estado, esses sistemas informais – baseados em relações face-a-face, contínuas e organizadas em obrigações recíprocas e princípios de autoridade – veiculam benefícios e provêm os indivíduos com recursos não somente afetivos ou "espirituais", mas também materiais. Enfim, a estrutura das relações sociais modela a "estrutura de oportunidades" dos indivíduos, na medida em que o capital social reside no vínculo entre as pessoas e não nas próprias pessoas”. (RIBEIRO, 2017, p.106)

Isso não significa, porém, que a participação religiosa leve a uma ascensão social mais ampla em relação aos pares não religiosos; Mafra (2009) e Almeida (2009), que se dedicam à análise do pentecostalismo em metrópoles brasileiras, afirmam que a sociabilidade no interior das igrejas é aberta – pelo próprio princípio evangélico da prática do proselitismo – ao mesmo tempo que é restrita, ao orientar o matrimônio entre pessoas da mesma denominação e criar atividades entre os pares religiosos no tempo livre. Essa restrição da sociabilidade, segundo os autores, possui pouca extensão lateral (ALMEIDA, 2009), ao impulsionar mais as relações intra-classes (MAFRA, 2009), o que limitaria as possibilidades de mobilidade social a partir do meio religioso. Contudo, criaria um certo capital social, ao produzir recursos nas relações sociais as quais os indivíduos podem acessar em situações específicas.

Esse discurso genérico deve ser confrontado com a realidade empírica da heterogeneidade do movimento pentecostal. Não são todas as denominações que possuem essa característica de adensamento dos laços sociais. Almeida (2011) pontua que os neopentecostais, por sua vez, possuem vínculos de menor densidade, com maior circulação de pessoas. Segundo o autor, apesar desse laço mais fraco comparado as religiões congregacionais11, a circulação de pessoas possibilita acessos e contatos que, “de alguma

11 As religiões congregacionais possuem entre seus integrantes vínculos comunitários, “uma associação voluntária organizada sobre fortes laços religiosos que se expandem por laços de amizade, parentesco, confiança, afeto, entre outros” (ALMEIDA, 2011, p. 134). São igrejas e modelo congregacional Assembleias de Deus, Congregação Cristã do Brasil, Deus é Amor etc.

maneira, permitem ter mais soluções para os problemas materiais de ordem quotidiana” (p.134) e, assim, aumentaria o capital social.

Apesar das ressalvas ao discurso geral que podem ser feitas ao se considerar a diversidade pentecostal, há um consenso entre pesquisadores de que a participação religiosa promove uma rede de proteção social em meios populares, tanto no que diz respeito a uma solidariedade afetiva, quanto material; essa rede variaria conforme os contextos.

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