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2. RELIGIÃO: O PENTECOSTALISMO EM SUAS CARACTERÍSTICAS E CONTEXTOS

2.1. Ondas pentecostais

A expansão evangélica ocorreu, principalmente, a partir da década de 1970 com mudanças ocorridas no interior desse segmento (FRESTON, 1993; MARIANO, 2014). Essas

mudanças, como dito anteriormente, são relacionadas a contextos externos que não se restringem a debates sobre concepções teológicas. Freston (1993), a partir de uma análise histórico-institucional, organiza a história do movimento pentecostal no Brasil em três momentos, fazendo uso da metáfora marinha de ondas, em que o pentecostalismo se renova com rupturas e continuidades em relação ao movimento anterior, relacionando-se ao contexto político-social.

A primeira onda pentecostal, denominada clássica, é marcada pela chegada ao Brasil da Congregação Cristã em 1910 e pela Assembleia de Deus em 1911. É caracterizada pelo anticatolicismo e pelo forte sectarismo e asceticismo contra as coisas do mundo, na linguagem nativa. Desde sua chegada e até os dias atuais, o perfil social majoritário dessa vertente são pessoas de renda mais baixa e de baixa escolaridade, distinto da maioria do público do protestantismo histórico8(ALMEIDA, 2015).

A segunda onda teve início na década de 1950 e é marcada pelo evangelismo de massa trazido por missionários norte-americanos, com grande foco na cura divina, principal diferença teológica em relação à onda anterior. Ao falar das características dessa onda, Mariano (2014) afirma que, “com mensagens sedutoras e métodos inovadores e eficientes, atraíram, além de fiéis e pastores de outras confissões evangélicas, milhares de indivíduos de estratos mais pobres da população, muitos dos quais migrantes nordestinos” (p.30). Essa expansão se origina em São Paulo e cresce, principalmente, nas regiões periféricas em períodos de migração. Apesar de controvérsias entre pesquisadores desse movimento sobre as causas e motivos da expansão nesses contextos (MARIANO, 2011), há o consenso de que essa religiosidade possui mais adesão nos segmentos mais pobres e menos escolarizados.

A terceira onda, designada como neopentecostal, tem início na década de 1970 e trouxe grandes novidades em relação aos movimentos anteriores. Ricardo Mariano (2014), em densa pesquisa sobre esse movimento, nos fala de suas características: em comum às ondas anteriores, essa onda faz uso dos meios de comunicação de massa e prega a cura a divina; entre suas principais novidades, estão: 1) a ênfase à guerra espiritual contra o Diabo; “2) a pregação enfática da Teologia da Prosperidade; 3) a liberalização dos estereotipados usos e costumes de santidade” (p.36).

8 As principais igrejas protestantes históricas no Brasil são: batistas, presbiterianos, metodistas, congregacionais, luteranos e anglicanos.

A Teologia da Prosperidade (TP) compreende a prosperidade da vida como uma dádiva de Deus, sendo que o sujeito deve manter a ascese e buscar meios de prosperar na vida (MARIANO, 2014). É importante ressaltar, porém, que a prosperidade não está relacionada sistematicamente à esfera econômica, mas a uma lógica que regula comportamentos cotidianos em diferentes esferas da vida e que podem ou não influenciar dimensões econômicas. Teixeira (2013), analisa que a TP na Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) estaria mais relacionada a concepções de sacrifício, perseverança e aprendizado, na qual haveria

“(...) a produção de uma pedagogia da prosperidade. Segundo essa pedagogia, a prosperidade permanece na lógica da conquista, porém essa conquista deve ser apreendida a cada dia. Seu aprendizado se dá por meio de um conjunto de dispositivos educacionais, são eles, cultos, campanhas especiais, reuniões etárias, livros, cursos específicos e programas de televisão, configurando um importante circuito de atividades que passam a gerenciar a vida e os corpos” (TEIXEIRA, 2013, p.15).

Destarte, a TP pressupõe uma orientação dos sujeitos em relação ao futuro, em que a regulação das ações no presente tem em vista ganhos futuros, não apenas de âmbito espiritual, mas também secular. A escolarização também pressupõe orientação para o futuro ao ser um investimento de longo prazo, valorizando a gestão das atividades cotidianas e práticas racionalizadas (LAHIRE, 1997; LAREAU, 2007); poderíamos, então, nos questionar se TP favoreceria os investimentos educacionais, ou comportamentos valorizados na escola?

Em relação à liberalização dos costumes, há um afrouxamento das práticas e costumes comuns às ondas pentecostais anteriores, como a permissão da vaidade estética, dos diversos gêneros musicais religiosos e a vinculação do sexo ao prazer. Em relação à estética feminina, não há mais a orientação para que as mulheres usem apenas saias e vestidos com comprimento abaixo do joelho, ou que não deixem à vista o colo e os ombros; os cabelos podem ser cortados. Tais liberalizações continuam acompanhadas do incentivo a alguns ascetismos, como a proibição do uso de drogas, do tabaco, do álcool, do sexo não matrimonial, da pornografia, dos jogos de azar e da homossexualidade (MARIANO, 2014).

Essas características são as principais distinções desse movimento que traz certa ruptura com o sectarismo e o forte asceticismo marcado nas ondas anteriores. A principal instituição de referência nas análises acadêmicas sobre neopentecostais é a Igreja Universal

do Reino de Deus, porém há outras denominações que se aproximam dessas características inovadoras. Mariano (2014) sinaliza o processo de “neopentecostalização” (p.39), em que demais vertentes religiosas são influenciadas pela Teologia da Prosperidade e pelos rituais de sucesso da terceira onda.

Como as vertentes anteriores, esse movimento se expandiu principalmente nos grupos mais pobres e menos escolarizados da população, sendo mais expressivo nas periferias das grandes metrópoles (ALMEIDA, 2011).

Os delineamentos da organização analítica de ondas pentecostais nos é útil para compreender a complexidade e a flexibilidade do movimento pentecostal no Brasil em âmbito histórico-institucional (MARIANO, 2014). Entretanto, não é suficiente para categorizar as diversas denominações do segmento evangélico que, em constante relação com outras mudanças de âmbito socioeconômico e político, vão se transformando de forma pulverizada e diversificada, impossibilitando a generalização de um discurso evangélico.

Pesquisadores do fenômeno de expansão pentecostal apontam uma maior pluralidade religiosa, concomitante à transitoriedade entre crenças e denominações, “em que a prática dos adeptos tem sido mais transitiva e menos fiel a sistemas únicos, como se esta fosse mais alargada do que o conjunto de ideias e ritos confessado por uma só instituição religiosa” (ALMEIDA, 2004, p.15). Nesse contexto de diversidade de igrejas evangélicas e transitividade religiosa (ALMEIDA, 2015), os indivíduos seguem sua fé com menos confiança nas instituições, e/ou mais flexíveis diante dos dogmas, na qual a trajetória do indivíduo determina sua denominação e suas práticas religiosas, e não o contrário.

Em função da transitividade dos fiéis, pressupondo a disjunção entre a prática dos indivíduos e o discurso institucional, as diversas denominações e seus respectivos dogmas se influenciam reciprocamente; por amálgama vão se definindo e redefinindo. Assim, se uma classificação rígida a partir da análise de ondas pode ser problemática, a análise histórico- institucional proposta por Freston nos será útil como um guia geral.

Afora as diferenças entre as ondas e as diversas denominações existentes no pentecostalismo brasileiro, há algumas características do movimento pentecostal que são comuns a muitas instituições e que nos ajudam a compreender como essa religiosidade opera em contextos de vulnerabilidade social. Para os fins dessa análise, pontuo duas dessas características que aparecem em muitas pesquisas sobre pentecostalismo nos meios populares

e que corroboram para a formação da questão levantada da relação entre participação religiosamente ativa, evangélica, e a transformação da relação com a educação escolar e moral; a saber: 1) a luta contra o mal, que impulsiona o comportamento ascético, e 2) a forte sociabilidade no interior das denominações pentecostais e a consequente rede de proteção que parece existir em contextos de vulnerabilidade social.

Por mais que esses aspectos sejam comuns a muitas denominações pentecostais, até mesmo caracterizando-as, é importante destacar, mais uma vez, como apontado pelos estudos de Duarte (1983), que não há espelhamento dos discursos institucionais religiosos com as práticas dos fiéis, estando estes constantemente negociando suas necessidades, histórias e vontades diárias com os dogmas religiosos. Apesar da literatura apontar a adesão de um estilo de vida pentecostal concomitante a inserção da prática e da vida religiosa (NOVAES, 1985; MARIANO, 2014; SCOTT e CANTARELLI, 2004), minha pesquisa de campo, assim como outras análises qualitativas sobre o tema9, evidenciam a inexistência de vidas exemplares como o esperado pelo discurso religioso – universalista. Assim, a vida cotidiana precisa ser negociada com a vida esperada, como norma, no discurso institucional.

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