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Escolarização pessoal e familiar – “A educação estourou minha bolha”

nome; eu comecei a escutar a história daquelas pessoas”

5.1.4. Escolarização pessoal e familiar – “A educação estourou minha bolha”

Silvia é a única da sua família a ter ensino superior. Seus pais não frequentaram muito a escola; ela acredita que tenham estudado até o 4º ano. Trabalharam desde a infância, a mãe como doméstica e costureira e o pai na metalúrgica. Ela e seus irmãos completaram a

escolarização básica em São Paulo em escolas públicas do bairro Jd. De Campo, Zona Leste de São Paulo, onde moravam com a família.

Edilson, seu esposo, completou a escolarização básica e, motivado pela esposa e pela filha mais velha que estava no 1º ano de direito em uma faculdade particular em SMP, matriculou-se em administração na mesma instituição em 2018. Porém, priorizando a escolarização da filha na administração da casa, trancou a matrícula após o primeiro semestre.

Silvia fala de maneira muito positiva da sua escolarização, fazendo sempre oposição com a imagem negativa que possui das escolas atuais, nas quais não haveria respeito pelos professores e valorização da educação. Ao contrário, em seu tempo, os professores eram vistos como “heróis”, “tanto é que eu sempre quis ser professora por conta disso, por conta dos meus professores, né? É gostoso isso...” (trecho da entrevista). Foi por valorizar a educação que continuou os estudos até completar o Ensino Médio, período difícil devido à dupla jornada de escola e trabalho; lembra que nos períodos de prova tinha que estudar no ônibus.

Silvia gostava da escola e foi boa aluna mesmo precisando trabalhar concomitante aos estudos do EM, formando-se na idade adequada. Ela é de uma geração e de uma origem social em que o diploma do EM não é algo comum, mas seus pais, mesmo com baixa escolarização e vivendo em condições financeiras precárias, conseguiram formar todos os seus filhos na educação básica. Logo após a conclusão, ela prestou o vestibular em faculdades particulares, mas devido ao trabalho apenas conseguiu ingressar no ensino superior já adulta, casada e com as duas filhas pequenas. Ela foi a única entre seus irmãos que demonstrou esse interesse pela escolarização.

A entrevistada conta que sempre teve vontade de retornar aos estudos, mas se casou e dedicou os primeiros anos de matrimônio ao lar e à família. Em casa, para ter uma renda, começou a cuidar de outras crianças junto com suas filhas, aumentando seu interesse em ser professora. Segundo conta, Silvia só foi realmente atrás desse sonho após uma ida à igreja em que o cooperador falou algo que ela sentiu que se direcionava a ela:

Aí foi em 2009, acho que em 2008... é em 2008 eu levei elas [as filhas no culto de jovens], aí Deus enviou a palavra na boca do irmão Pedro, “Hoje eu vou separar as 99 ovelhas e vou falar só com uma. Apesar de ser uma reunião de jovens, eu vou falar com uma serva minha. Há anos atrás você tinha um desejo de fazer faculdade; eu não falei porque ainda não era tempo,

mas hoje eu vou cumprir o desejo do seu coração: pode fazer faculdade que Eu estarei contigo”

Após esse culto, entrou no recém comprado computador e disse que faria a primeira faculdade que aparecesse. A escolha de uma faculdade particular e do curso de pedagogia se dão pelo motivo em conjunto da facilidade de acesso, considerando as universidades públicas difíceis de passar no vestibular e sendo o curso de pedagogia um dos mais fáceis; em outro momento da entrevista ela revela que desejava cursar direito, curso que hoje a sua filha faz. A facilidade de acesso, porém não anula o orgulho que sente de si por ter passado em uma prova após 15 anos fora da escola, sem se preparar para ela. Na época, uma vizinha chegou a lhe falar que Silvia não tinha méritos, porque em faculdades particulares todos seriam aceitos; mas isso não abalou sua autoestima, principalmente por depois saber que um outro jovem do bairro que também fez a prova não foi aprovado, mesmo logo após ter concluído a educação básica; o que acabou por não deslegitimar seu mérito.

A questão financeira para continuar com os estudos ainda era uma preocupação pra Silvia que ganhava muito pouco cuidando de umas cinco crianças em casa. O que lhe permitiu continuar os estudos e, posteriormente, ter sido sua oportunidade de emprego, foi sua inserção no projeto de assistência familiar que ocorria na OSC local. Por essa ação socioeducativa ela conseguiu concluir seu estágio obrigatório da faculdade, inserindo-se mais no território que até então ela pouco conhecia, por receio, apesar de morar há mais de dez anos ali. Passados os dois anos de contrato de estágio da Silvia, a OSC em parceria com a prefeitura de São Paulo, cadastra a biblioteca comunitária no território, a qual ela é convidada para coordenar o espaço; função que ocupa até o momento da entrevista. Em seu relato, a OSC foi essencial para a sua formação, dando suporte não apenas financeiro, a partir da vaga de estágio, mas também emocional, apoiando-a nos estudos e nos cuidados com as filhas.

A sua formação superior (em pedagogia e a pós-graduação em psicopedagogia), a sua inserção na OSC local e as consequentes formações as quais Silvia teve oportunidade nesse espaço (circulando em ambientes de discussões com acadêmicos de universidades prestigiosas, assistindo, inclusive, a debates com pesquisadores de instituições nacionais e, eventualmente, de centros importantes do exterior), são muito valorizadas por ela, que afirma algumas vezes que “o estudo estourou a minha bolha”, ampliou sua visão de mundo. Esse seu modo de pensar que teria mudado após a escolarização aparece em sua narrativa também quando ela quer se diferenciar de um discurso religioso que não concorda, sabendo que sua igreja possui restrições morais e interpretações – principalmente relacionado à sexualidade –

que são consideradas intolerantes no debate público e nos espaços acadêmicos/educacionais; compreendeu também, a partir da sua própria formação em pedagogia, que as festividades de tradição católica no calendário escolar são partes de uma cultura e que não haveria problema suas filhas participarem, caso quisessem. Assim, Silvia está inserida em dois contextos que se contrapõem, a igreja e o trabalho, sendo os dois importantes para definir sua identidade e sua posição social. Para tentar conciliá-los, ela constrói uma narrativa de si que valoriza uma visão de mundo que se aproxima mais dos debates acadêmicos/educacionais, sem que isso afete sua crença individual. Essa situação, como veremos adiante, é essencial para a relação que Silvia construiu com suas filhas e que impactam como elas se colocam em seus espaços educativos, sociais e familiar.

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