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Religiosidade – “É que quando a gente tem filhos a gente começa a ter um pensamento diferente, a gente começa a ter medo de umas coisas, a gente

Expectativas de futuro

5.2 Família B – Mãe Sônia

5.2.2. Religiosidade – “É que quando a gente tem filhos a gente começa a ter um pensamento diferente, a gente começa a ter medo de umas coisas, a gente

sabe que tem que levar nossos filhos no caminho certo”

Sônia não soube me dizer especificamente em que sentido a mulher que lhe criou é sua madrinha, se é de batismo católico32 ou apenas de consideração. A madrinha é religiosamente

32 Sônia comenta que não sabe direito, mas acha que ela é sua madrinha de crisma, um ritual de confirmação católica que ocorre após o batismo e a comunhão; mas, como veremos, a Sônia não chegou a fazer a primeira comunhão, ritual anterior ao da crisma.

católica e tentou inseri-la no catolicismo no período em que a entrevistada era criança e adolescente, porém sem sucesso. A entrevistada chegou a começar o catecismo duas vezes, mas desistiu; ela conta que já naquela época não gostava de santos e imagens religiosas – crítica comum dos evangélicos em relação aos católicos – e fala com alívio de não ter passado pelos rituais sagrados do catolicismo, “Eu nunca gostei, nunca, nunca! Não fiz nada, graças a Deus”.

Foram suas irmãs mais próximas – que moraram com ela e a mãe – que lhe apresentaram as igrejas evangélicas quando Sônia tinha por volta dos 22 anos de idade, quando já era mãe de duas crianças. A sua irmã mais velha já frequentava a Congregação Cristã do Brasil, mas era considerada chata por Sônia que a julgava como a “dona da verdade” ao proferir seu discurso proselitista. Essa irmã começou a ir à igreja após sofrer com a separação do esposo que a traia, encontrando refúgio na igreja, como a própria Sônia pontua. A entrevistada começou a se tornar mais disposta ao discurso religioso após sua irmã mais nova também passar a frequentar igrejas evangélicas.

Ela sabe dessa influência das irmãs que foram companhia e estímulo para seguir na religiosidade, porém, Sônia pontua que seu real interesse religioso ocorreu com a preocupação da criação moral dos seus filhos:

“é que quando a gente tem filhos a gente começa a ter um pensamento diferente, a gente começa a ter medo de umas coisas, a gente sabe que tem que levar nossos filhos no caminho certo, você tem que procurar um caminho que eles possam crescer corretamente, entendeu?”

Assim, sua busca por uma igreja começou quando ela já era mãe de dois filhos, a Thais com cinco anos e o Rodrigo com sete. De início ela frequentou uma igreja pentecostal na região central de SMP, levando também sua irmã e cunhado, depois começou a frequentar a cada sábado uma nova denominação, buscando um local a qual ela se sentisse bem, acolhida espiritualmente. A permanência na Congregação como a sua denominação ocorreu logo depois que a sua irmã que também morou na Vila Harmonia por um breve tempo deixou o bairro; ou seja, sem a insistência da irmã para que ela a acompanhasse nessa igreja. Ao narrar que recusava os convites das irmãs e de que considerava a irmã que já frequentava a Congregação como a “sabichona”, ela ri ao perceber que é a mesma relação que ela possui com sua filha.

Quando seus filhos eram pequenos, Sônia deixou de frequentar por duas vezes a igreja, desanimada porque “não acontecia nada”. Foi após o nascimento do terceiro filho que

ela voltou a frequentar a igreja e não parou mais de ir, preocupando-se com a educação moral dos filhos.

“Ai eu tive o Felipe e depois [de] muito tempo, muito tempo, muito tempo, ele cresceu e um dia eu parei e [pensei] “não, não posso ficar sem ir na igreja”; porque depois eles ficam grande e eles não querem ir mais, aí é difícil de voltar; depois de grande, de adolescente é muito difícil levar pra igreja.”

Afora essa preocupação com os filhos, Sônia não possui uma narrativa de trajetória de sucesso após a sua adesão na igreja, como é comum no meio evangélico. Essa narrativa que pouco ou quase nada exalta de conquistas após a conversão, graças recebidas por aceitar a Deus, talvez se dê porque ela é a única na família que segue a doutrina evangélica; seu esposo nunca frequentou e o seu filho mais novo que vai aos cultos o faz porque Sônia o obriga. A falta de interesse de Arnaldo em conhecer a igreja e tornar-se evangélico é motivo de discussão do casal, na qual Sônia admite “não saber lidar”, insistindo constantemente para que ele a acompanhe. Além do princípio proselitista em que os fiéis tentam converter novos indivíduos ao evangelho, o interesse da Sônia que seu marido se converta também está relacionado a regulação do papel masculino na família, em que o homem evangélico aparece nos discursos religiosos como um bom pai e um bom esposo, sendo presente no lar e na criação dos filhos; queixa que Sônia possui do marido por ser ela a principal responsável pela organização da rotina e da educação escolar e moral familiar.

Sônia lamenta desde o dia que nos conhecemos o fato de não ser batizada. Segundo a doutrina evangélica, a pessoa precisa estar casada para morar junto com alguém, caso contrário, estaria “vivendo no pecado”. Ela não é casada no civil com o Arnaldo, o que a impossibilita de participar dos principais rituais da igreja, sendo algo de grande frustação para ela. De certa forma, ela não se sente pertencente ao grupo da Congregação; quando fomos conversar com o cooperador da igreja ela não se sentiu autorizada em falar com o líder religioso, pedindo para que a Silvia (mãe A da pesquisa) nos apresentasse. Apesar de ir semanalmente na igreja (mais de uma vez por semana), obrigando seu filho mais novo também a comparecer semanalmente no culto de jovens, Sônia se considera “meio devagar” para orar, sentindo-se cobrada por Deus em suas noites de insônia. Suas práticas religiosas se limitam as idas aos cultos e ao canto de hinários em sua casa, acompanhado via mídia social. Sua religiosidade aparece bem marcada no seu discurso e comportamento ascético, seguindo a

doutrina da igreja que recrimina o consumo de álcool, cigarros e outras drogas, ter tatuagens, ouvir músicas seculares etc.

Apesar do seu ascetismo e da estratégia de inserir os filhos nas atividades da igreja quando eles eram pequenos, apenas o caçula Felipe, 10, frequentava também a igreja no momento da pesquisa. No dia em que o acompanhei em um culto de jovens, enquanto a sua mãe procurava preocupada um sapato fechado para ele ir à igreja – pois não pode se apresentar a Deus de chinelo – ele chegou a sussurrar perto da pesquisadora que não queria ir, demonstrando achar chato. Apesar disso, ele possui amigos homens na igreja que o levam para casa de carro todo final de culto – a família da Sônia comprou um carro apenas no final da pesquisa, sendo algo raro para a família o uso desse meio de transporte até então –, assim, a igreja também é um espaço de socialização e lazer para Felipe, que chegou a cogitar a participar da orquestra da Congregação, mas não se interessou pelo aprendizado musical em si.

O filho mais velho, Rodrigo de 20 anos, assim como o Felipe, também frequentava a igreja quando mais novo, mas deixou de ir quando conquistou autonomia de dizer quando não queria ir mais, por volta dos 13 anos de idade. Sônia conta que quando pequeno ele gostava bastante, “até chorava porque ele queria ir na Congregação”, mas depois que entrou na adolescência perdeu o interesse e nunca mais voltou. Como veremos no tópico sobre a educação moral dos filhos, apesar de não frequentar mais a igreja, Rodrigo se tornou um jovem que “não dá trabalho”, internalizando (ou dissimulando) práticas ascéticas valorizadas pela Sônia.

Thais, a filha do meio, foi a única que seguiu por mais tempo e de forma assídua a doutrina evangélica. Ela acompanhou a mãe na Congregação Cristã até por volta dos seus doze anos de idade. Nessa época, a família se mudou para a Vila Xavier morando em um terreno que dividia com uma amiga de infância da Sônia (uma casa em cada andar), na qual os filhos dessa amiga tinham quase a mesma idade da Thais e do Rodrigo. A Thais, então, começa a frequentar uma Assembleia de Deus com essa amiga e com outras jovens do bairro. Essa AD possuía muitas atividades para o público jovem, mas ainda é uma denominação ascética, sendo bem vista, até certo ponto, por Sônia: “ela foi pra Assembleia, que tinha um monte de menina da idade dela, lá eles tem dança... É mais diferente que a Congregação, a Congregação é mais tranquila”. Foi a partir dessa igreja que Thais conheceu seu primeiro namorado, um menino também da AD um pouco mais velho que ela, “de boa família”. Sônia sempre brigou muito com a filha, como se fossem irmãs, como a mãe fala, mas foi no período

da adolescência, enquanto Thais estava na Assembleia de Deus que começaram os piores conflitos entre elas. A princípio, Sônia não gostava muito da AD porque essa igreja já tinha falado mal da Congregação para a sua filha; porém, o maior atrito se deu quando a Thais se batizou na igreja sem pedir sua permissão. A preocupação de Sônia se deu principalmente por ela ser menor de idade, o que exigiria o consentimento dos responsáveis para a tomada dessa decisão que Sônia considera muito importante e na qual, de certa maneira, ela reprova a denominação escolhida pela filha. A avó da Thais, por sua vez, discordou do batismo religioso da neta por ela ter entrado em um rio com um homem mais velho durante o ritual, recriminando o ato por uma via moral, na qual mulheres não deveriam ficar próximas de outros homens, principalmente mais velhos e dentro de um rio. Após o conflito familiar, Sônia também foi falar com o pastor da AD para pontuar seu descontentamento. Um outro conflito familiar que surgiu a partir da frequência da filha na AD, próximo ao episódio do batismo, ocorreu quando Thais ficou noiva de seu namorado,

“Ah, ela chegou [e] falou que ia ficar noiva, que o [namorado] ia comprar as alianças; fez um noivado sem eu saber! Diz o pastor que abençoou, eu não sei o que aconteceu direito. Eu fiquei nervosa que ela se batizou, fui até conversar com o pastor que eu achei errado o que ele fez, ele batizar... eu não sei direito o que ele fez no noivado que eu fiquei muito nervosa na época.”

No período desses acontecimentos, Thais estava com uns 15 anos e tinha acabado de ingressar no Ensino Médio da escola Macaé Evaristo. Segundo Sônia, as amizades que a filha fez na escola começaram a influenciá-la de maneira negativa, incentivando-a a mentir para os pais e a abandonar os preceitos religiosos. Por fim, ela deixou de frequentar a igreja aos 16 anos, deixou o namorado da igreja e, segundo a Sônia, “começou a dar muito trabalho”. Logo após a conclusão do Ensino Médio, Thais conheceu um jovem via redes sociais, começaram a namorar e ela engravidou; situação que desestabilizou a Sônia que esperava para o futuro da filha uma trajetória mais próxima dos preceitos evangélicos, já que a própria Thais é batizada. Apesar de os filhos não demonstrarem no momento da entrevista um interesse pela religiosidade evangélica, Sônia acredita que o futuro deles é na Congregação: “Mas tem promessa na vida deles [P: como assim promessa?] De eles serem músicos, os dois [Rodrigo e Felipe], e ela [Thais] organista33. [P: E como foi revelada essa promessa?] Em oração, em

oração... teve uma oração aqui em casa e foi revelado”. Ainda que Sônia fique muito frustrada com as escolhas de vida dos filhos, culpabilizando também seu esposo por não assumir o papel de bom pai e bom esposo, ela mantém a fé que “no tempo de Deus” seus filhos se insiram na religiosidade evangélica.

É importante notar que a única igreja do território estudado que Sônia frequentou é a Congregação Cristã do Brasil, uma igreja que é reconhecida pelos moradores como uma denominação distinta – a mais ascética e com um público mais bem posicionado socialmente no bairro –, as demais igrejas pentecostais a qual ela transitou foram todas do Centro de São Miguel Paulista. Assim, a distinção centro-bairro, na qual o primeiro aparece como melhor em diversos momentos, manifesta-se também na fala de Sônia na sua trajetória religiosa, buscando distinguir-se de uma possível imagem negativa associada ao bairro Vila Harmonia.

Ela também demarca bastante a diferença da Congregação com as demais denominações que não seriam tão sérias e não estariam, de fato, trazendo a palavra de Deus. A força espiritual da sua igreja estaria no fato de todas as Congregações ocorrerem no mesmo horário e seguindo a mesma lógica, a qual Deus estaria atuando simultaneamente em todas. Ela também desvaloriza outras igrejas, especificamente a Amor e Prosperidade com Cristo e a pastora Rose, que permitiria uma mulher ministrar, ainda uma mulher que “usa uns brincões, batom vermelho, fala gíria ali na frente”, o que não seria a forma adequada de se apresentar a Deus. Nesse sentido, caracteriza essas igrejas como bagunçadas, diferente da Congregação que seria discreta, ordenada, limpa, como também o é a música dos hinários; características que também marcam a sua intenção de distinção social no bairro.

5.2.3. Relação com o território – “porque tem bairro que te levanta, né? Que te

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