• Nenhum resultado encontrado

Expectativa de futuro

5.5. Família E – Mãe Tereza

5.5.4. Educação dos filhos e dos sobrinhos

A Tereza não completou sua escolarização, assim como as pessoas com as quais convive: seus familiares também não concluíram a educação básica e na igreja, seu principal local de sociabilidade, trajetórias de sucesso escolar ou de ascensão social via escola não são presentes. Distante da cultura escolar e vivendo em precárias condições de moradia, perguntas do roteiro semiestruturado da entrevista sobre sua participação na educação escolar das crianças pareciam não fazer sentido para a entrevistada que respondia de forma direta e simples. Ademais, demonstrando desconfiança em relação ao meu interesse pela sua trajetória e pela escolarização das crianças, Tereza respondia sempre de maneira genérica e positiva, tentando não demonstrar falhas na sua criação.

Ao ser questionada sobre quem é o principal responsável pela educação e cuidado das crianças, Tereza afirma primeiramente que ela e o esposo são responsáveis; mas posteriormente admite que ela é quem organiza e administra as atividades e os cuidados das crianças. É ela que leva as filhas e a sobrinha na escola e no posto de saúde quando estão doentes. Afora essa organização da vida diária, Tereza não realiza ou organiza atividades que visam promover alguma habilidade ou conhecimento dos filhos e da sobrinha. Também não

demonstra, como em outras narrativas familiares, uma preocupação sistemática com os “perigos da rua”, como o tráfico e o uso de drogas, com as crianças brincando com certa liberdade pelas vielas dessa área da ocupação. Ela fala, de maneira genérica, sobre a preocupação que tem com as amizades de influência negativa das crianças. Assim, por sua trajetória e condição de alta vulnerabilidade social, Tereza não possui condições de planejar o futuro e, de assegurar esforços educativos, mesmos os típicos dos meios populares.

Escolarização

A filha Lúcia, 8, que está no 2º ano do EF e a sobrinha Larissa, 11, que está no 6º ano estudam na escola Benevides e anteriormente fizeram a pré-escola na EMEI do bairro, sendo transferidas automaticamente pela Secretaria de Educação após a conclusão da pré-escola. A Cecília, 6, está na mesma EMEI e os gêmeos de 9 meses ficam em casa com a mãe. Lúcia também faz parte de um projeto de uma OSC em um bairro vizinho no contraturno da escola, que promove atividades culturais e artísticas para crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social de SMP. Tereza soube desse projeto, pois um sobrinho já fazia parte, conseguindo matricular uma das filhas; a sobrinha Larissa está na fila de espera.

Com respostas diretas, Tereza me disse que considera a escola muito boa e não soube me dizer nada em específico que considera positivo na escola Benevides. Afirmou ir às reuniões e que gosta da professora. Quando há tarefas escolares para casa é ela quem ajuda as crianças no espaço da cama, que serve para descanso, lazer, socialização e estudos. Ao se questionar se tem algo que não gosta da escola, ou que acha ruim, ela fala da falta de segurança nos momentos de entrada e saída em que não há vigia para averiguar quem entra e quem está levando as crianças48; por isso, ela as leva e busca no portão. A escola em si, no seu interior, não é perigosa.

Questionada sobre que tipo de conhecimento a escola deve passar Tereza afirma apenas que a “escola precisa ensinar”. Insisti se esse ensino estava relacionado aos conteúdos, ou se também deveria ensinar alguns valores e outros conhecimentos; pergunta esta que não

48 Logo no início da pesquisa de campo em 2017, na Vila Harmonia, duas meninas de três anos desapareceram e foram encontradas mortas, também tendo sido estupradas. Elas moravam bem próximas da casa da Tereza e foram vistas ali antes de desaparecerem. O crime abalou bastante a comunidade, principalmente quem conhecia a família das vítimas; trazendo também uma maior preocupação para as mães e pais com filhos pequenos.

parecia fazer sentido para ela que me respondeu apenas concordando que a escola deve ensinar tudo isso. Devido a sua distância com a cultura escolar, Tereza não possui conhecimento dos conteúdos que são passados na escola e não percebe como algo negativo a sobrinha que está no 6º ano ainda não ser alfabetizada, como se é esperado para esta etapa da educação.

Apesar da distância com as lógicas escolares e da falta de referências da educação escolar como uma etapa importante e viável para a aquisição de melhores e mais estáveis posições no espaço social, Tereza reconhece a importância da educação como algo necessário para a vida. Demonstra isso ao comentar com pesar de suas filhas mais velhas em que ambas não completaram a educação escolar; fala da filha viva de maneira negativa por suas escolhas de não estudar e não trabalhar.

Regulação social e moralidade

Apesar da Tereza dizer que tem medo do momento da entrada e da saída da escola pela falta de vigia de adultos nesse momento, o que estaria relacionado a um “perigo da rua”; ela não possui um controle sistemático do local e das pessoas que seus filhos convivem no dia a dia, em que eles brincam com certa liberdade nas vielas próximas a casa onde moram. Ao ser questionada sobre as amizades das crianças, afirma que não limita ou proíbe nenhuma amizade, mas diz “ficar de olho” e que conversa para que elas evitem determinados comportamentos: uso de palavrão e consumo de drogas. Ao ser questionada especificamente sobre a preocupação com as drogas ela hesita em responder, chegando a afirmar “sim” e depois “não”; responde ao final, de maneira confusa, que conversa aconselhando que amigos de verdade não oferecem drogas. É só nesse momento que ela conta, com bastante receio, que perdeu uma filha de 15 anos assassinada pelo marido viciado em drogas.

Assim, Tereza se preocupa com essas questões que são comuns no contexto em que vive, mas se vê impotente diante de ações que possam evitar tais trajetórias. A prática religiosa, hoje feita por todos os adultos da casa, que colabora para que os indivíduos mantenham um comportamento ascético, afastado da imagem do delinquente ou de viciado em drogas, é o principal meio que Tereza encontra de educar as crianças a partir de uma perspectiva moral, influenciando-os também pelo comportamento e discurso ascético dos adultos da família. Para ela, os ensinamentos bíblicos são os mais importantes para a vida,

porém ela não soube me elaborar em que sentido seria positivo – comportamental, de entendimento de mundo –, apenas concordando com o que a pesquisadora falava. Diante da proximidade de trajetórias de vícios, violências e de riscos sociais diários, conseguir que as crianças mais novas a qual Tereza é responsável internalizem o asceticismo religioso, evitando essas trajetórias, já aparecem para essa mãe como uma conquista de trajetória de sucesso, na qual a educação escolar não aparece como um projeto muito viável, ou importante para a constituição dessa honradez. A conquista de comportamentos e condições dignas, moralmente não reprováveis, parecem receber a melhor aposta no apoio da igreja, que diariamente atualiza por meio de exemplos palpáveis os comportamentos que devem ou não ser evitados. Não garante, porém, a aquisição de disposições rentáveis no espaço de educação escolar, na qual a posição de classe e as referências familiares de escolarização são determinantes.

Expectativa de futuro

Tereza e sua família parecem viver riscos diários que ameaçam sua sobrevivência, marcados pela precária condição de moradia e a instabilidade de emprego que prejudicam o acesso a outros direitos: saúde, educação, saneamento básico, lazer, alimentação. Nessas condições, o planejamento para um futuro distante parece inviável. Tereza até pensa no futuro, desejando que as crianças, seus filhos e sobrinha, completem a educação escolar, trabalhem e não se envolvam com drogas; porém não possui condições objetivas para agir em relação a essas expectativas.

A escolarização – projeto longo e acumulativo – não aparece como aposta palpável de investimento, intensificado pela falta de exemplos de trajetórias escolares positivas. Apesar da Tereza fazer um esforço em responder de forma positiva sobre a sua relação com a educação dos filhos e da sobrinha, suas respostas curtas e sem elaboração evidenciam sua distância com a cultura escolar que parece não fazer sentido no contexto de alta vulnerabilidade social em que vive.

Outline

Documentos relacionados