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4. O TERRITÓRIO

4.3. As igrejas do bairro

4.3.8. Igreja Pentecostal Amor e Prosperidade com Cristo

A Igreja Amor e Prosperidade com Cristo é uma igreja local, fundada por um casal de moradores, Kauã e Rosemeire (Rose) da Vila Harmonia em setembro de 2009. O casal de futuros pastores, após 18 anos como fiéis da igreja neopentecostal Renascer em Cristo e com uma passagem curta, mas mais ativa na direção da igreja Manacéis, começam a organizar reuniões na própria casa para ensinar a Bíblia, abrindo posteriormente uma igreja com 20 cadeiras no Médio Harmonia. Com o crescimento do ministério, em 2013 conseguiram mudar a igreja para um salão no Médio Harmonia com espaço para 100 cadeiras.

Durante a realização da pesquisa de campo o casal de pastores se separou e Kauã se mudou para o Maranhão, deixando os 3 filhos (10, 16 e 19 anos de idade) e a direção da igreja sob a responsabilidade da ex esposa. O contato com a igreja ocorre a partir da apresentação de um informante nascido e crescido no bairro que conhece a pastora Rose desde a infância. Apesar de se demonstrar receptiva e ser muito simpática, a pastora sempre se esquivava de uma aproximação, permitindo a entrevista após consecutivas idas ao culto (sete vezes). Além de pastora, Rose também é vendedora de cosméticos, roupas e lingeries, justificando a venda desse último produto ao valorizar o prazer sexual após o casamento.

A pastora diz se sentir recriminada por seus pares religiosos, principalmente por ser mulher e por atender pessoas em situações de alta vulnerabilidade social. Ela comenta a existência de disputa religiosa entre os pastores do bairro que encarariam a igreja como negócio e se aproveitariam dos fiéis; diferente dela que, apesar de morar no Alto Harmonia no conjunto residencial e se distanciar das condições sociais da maioria dos frequentadores da igreja, conta com orgulho de na sua posição não possuir nenhum carro, apesar de revelar o “sonho” de possuir esse bem material. Essa recriminação parece também existir entre fiéis de outras denominações; uma informante da Congregação Cristã do Brasil, igreja contrastante com a Amor e Prosperidade com Cristo em público e na maneira de se fazer o religioso, chegou a recriminar em uma conversa o quanto achava errado uma pastora se apresentar a Deus com roupas justas, batom vermelho, brincos grandes e falando gíria, como Rose ministra seus cultos.

Nascida em 1974 no interior de Pernambuco, filha de doméstica e de pai que trabalhou na manutenção de paralelepípedos na rua, Rose estudou até a 8ª série, tendo que interromper os estudos para trabalhar e ajudar na renda da família. Aos 17 anos chegou em São Paulo com uma irmã e uma tia e se estabeleceu na Vila Harmonia, região que posteriormente também se estabeleceram seus pais após a filha conseguir lhes comprar uma residência. Durante sua vida na capital paulista tentou retomar os estudos, matriculando-se em supletivos em escolas públicas do bairro, mas não conseguiu completá-los devido à falta de tempo que dividia entre trabalho e dedicação familiar. Rose que não cresceu em família religiosa, conhece a Reviver em Cristo em São Paulo, dois anos após sua chegada à capital paulista e em três meses se batiza.

A Amor e Prosperidade com Cristo possui uma grande quantidade de fiéis, comparada às demais igrejas locais do território, chegando a mais de 70 adultos em um domingo uma média de uns 40 frequentadores nos cultos diários. A maioria são moradores do Baixo Harmonia, alguns nas áreas de ocupação recente do bairro. Há muitos frequentadores jovens, com menos de 40 anos de idade; os mais velhos são minoria, outro contraste em relação às demais igrejas. Todos parecem se conhecer e mantêm relações de amizades e parentesco. Rose conta que a igreja recebe pessoas que estão envolvidas com o tráfico, usuários de droga, ex-prostitutas, alcóolatras, a qual afirma ser “um ministério de ajuda”. Em relação a isso, há uma grande quantidade de pessoas transitórias – participam por um período da igreja e depois saem, podendo retornar ou não –, que buscam o ministério em um momento de dificuldade da vida:

“(...) situações de desemprego, drogas, as vezes problema de casamento... aí tudo isso junta e eles acha que não vai vencer, aí que que acontece? Procura mais uma vez nosso ministério e a gente recebe de braços aberto, abraça, senta, educa novamente, faz todo aquele projeto do início e a gente começa a fazer tudo de novo. Aí eles se afirmam novamente. Aí quando, do nada, some de novo.”

Assim, há um forte incentivo ao autocontrole e a disciplina para se manter afastado dos males que são frequentes na realidade dos frequentadores (vícios, envolvimento com o tráfico, brigas familiares). Com cultos diários, práticas de vigias (oração na casa de fiéis) e via redes sociais (grupos de WhatsApp) os comportamentos ascéticos são incentivados e atualizados; a pastora com frequência evidencia em púlpito o que considera desvios dos fiéis, chegando até mesmo a expô-los diante dos demais presentes.

Talvez por atender um público que estaria em constante contato com os perigos e tentações considerados do Diabo, a igreja possui certa flexibilidade em relação ao discurso bíblico, comparada às demais denominações visitadas. O culto é ministrado com animação, utilizando-se de muitas gírias; com histórias pessoais dos pastores e de pessoas que estão presentes; fala-se de sexualidade, importante na vida do casal; e não há restrições de vestimentas. Em relação à ascese, no interior da igreja se é aconselhado a manter distância das drogas ilícitas, do álcool, da prostituição, do funk, ocorrendo com certa frequência testemunhos que valorizam o afastamento dessas práticas. A necessidade de ser religiosamente ativo também é sempre relembrada, em que a pastora cobra a presença dos

fiéis nos cultos diários e pede para que façam publicações de adoração a Deus nas redes sociais, prática muito adotada pela pastora para divulgar seu ministério e estabelecer contato com outros pares evangélicos fora do território.

Talvez também por ser a única igreja liderada por uma mulher, a Amor e Prosperidade com Cristo é a igreja que menos possui um discurso marcado pelas divisões de gênero. Foram presenciadas falas sobre os desejos e as necessidades femininas, marcando mais enfaticamente a obrigação masculina de ser presente no lar e de respeitar a mulher, recriminando explicitamente a agressão doméstica. Em todas as igrejas visitadas, porém, encontrei discursos enfáticos de regulação do comportamento masculino, buscando afastar os homens de práticas condenadas não só na igreja, mas na sociedade como um todo – uso de álcool e de drogas, participação de jogos de apostas, sexo extraconjugal, comportamento agressivo etc. – e aproximando-os de práticas valorizadas – trabalhador, sendo um provedor presente na vida doméstica enquanto bom pai e esposo.

Em relação ao tema específico da presente pesquisa, a pastora, que vem de uma família com baixa escolarização – pais não concluíram o Ensino Fundamental – e tampouco chegou a completar a educação básica, parece possuir uma relação distante com a cultura escolar. Contrapondo-se à pesquisadora que está cursando a pós-graduação, Rose mostra com orgulho as fotos de seus filhos espalhadas pela parede da sala de sua casa, afirmando “esses são meus diplomas”. Sobre a escolarização deles, estudaram nas escolas do centro de SMP, matriculados automaticamente via o sistema de alocamento da própria secretaria de educação. Rose parece não acompanhar de maneira sistemática a educação dos filhos, não oferecendo muitas informações; sabe-se, porém, que o desempenho escolar deles não é considerado tão bom. O filho mais velho, 20 anos de idade, relata que completou o Ensino Médio com muita dificuldade, sendo preciso mudar a matrícula para a escola do bairro de baixa reputação, Benevides, para melhorar suas notas e conseguir completar a educação básica; ele mesmo conta que considera a escola Benevides muito boa. Sua companheira não completou os estudos, saindo antes de completar o 2º ano do Ensino Médio. Nos cultos, a educação só é lembrada como a única justificativa plausível para os jovens não comparecerem à igreja.

Rose e mais um dos obreiros que costumam fazer as pregações, possuem dificuldade na leitura da Bíblia – pausada, sem entonações de acentuação e pontuação. Não parece haver nenhum frequentador com ensino superior e tampouco essa parece ser uma trajetória comum à pastora e aos demais fiéis; o diploma do Ensino Médio também é uma conquista pouco

frequente. Entre os frequentadores jovens da igreja que foram contatados, não se sabe de nenhum que faça algum curso profissionalizante, apenas a neta de uma das entrevistadas falou do interesse de fazer um curso técnico após o Ensino Médio.

Para Rose, o sucesso ou o fracasso escolar estão fortemente relacionados ao ambiente familiar que deve manter os filhos próximos através do amor e controlá-los para que não desviem do caminho considerado correto conforme os preceitos bíblicos – afastados de vícios, da violência, da prostituição. Dessa forma, a educação escolar não aparece como condição necessária para o sucesso na vida adulta, mas sim, como espaço que se contrapõe aos perigos da rua: “Porque enquanto eles estão no curso, na escola, numa faculdade, a gente sabe onde eles estão, e quando eles não estão em nenhum desses três lugares a gente não sabe onde encontrar” (trecho da entrevista com a pastora). A escola, dessa forma, está mais relacionada a um local de socialização e proteção, do que a um local de longo processo de aquisição de conhecimentos, atendendo as necessidades mais urgentes dessas famílias, como também evidenciado por Sá (2018) e Paixão (2008).

Destarte, a ênfase na educação moral tem como resultado evitar piorar as condições sociais já precárias dos frequentadores. Nesse contexto, a regulação de comportamentos e de socialização parecem ser mais benéficas que a própria escolarização, evitando trajetórias de vícios, tráfico de drogas e prostituição, trajetórias que parecem ser mais próximas aos frequentadores da igreja do que a aposta na educação escolar – um projeto árduo, longo e contínuo.

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