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A implementação de políticas de avaliação baseadas nos resultados dos alunos tem sido objeto de controvérsia em termos teóricos e práticos, mas o seu interesse político permanece atual em termos (inter)nacionais. As finalidades, processos e instrumentos usados na avaliação docente refletem uma visão positivista na medida em que se baseavam no modelo processo-produto e na eficácia da escola e do professor (Fernandes, 2008). Contudo, a área de investigação que enfatiza o desempenho do professor medido em função dos resultados dos alunos (Peterson & Kauchak, 1982; Rivkin, Hanushek & Kain, 2005; Rocko, 2004; Martins & Walker, 2006) também revela dificuldade em explicar os fatores que diferenciam a qualidade dos docentes e sua relação com os resultados obtidos pelos discentes. Como corroboram os resultados de estudos já realizados nos anos oitenta, que apontam para a ausência de relação estatística entre as duas variáveis: o desempenho do professor e a aprendizagem dos alunos (Coker, Medley & Soar, 1980). O interesse por esta temática encontra, também, eco na investigação sobre formação de professores e modelos diferenciadores do mérito, baseados em recompensas monetárias e incentivos profissionais, individuais ou coletivos. Os estudos incluídos nesta subsecção baseiam-se, sobretudo, na investigação sobre a eficácia pedagógica do professor (Medley & Coker, 1987; Scheerens, Hendricks, Luyten, Sleegers & Steen, 2010; Weisberg, Sexton, Mulhern & Keeling, 2007) e também relacionam eficácia da escola, pedagógica e resultados dos alunos (Teddlie et al, 2003; Kupermintz, 2003).

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Eficácia pedagógica ou valor acrescentado do professor. A qualidade do professor tem

impacto nos resultados dos alunos, embora a relação entre caraterísticas do professor e resultados escolares tenha tido um sucesso parcial na investigação em educação (Scheerens et al, 2010). No entanto, os resultados salientam que os professores “marcam a diferença” no desenvolvimento dos alunos (Wright, Horn & Sanders, 2007; Weisberg et al, 2007), e isso repercute-se na forma como se organizam os modelos de avaliação, particularmente, no que respeita aos critérios de contratação e seleção local de professores em alguns países. O entendimento acerca da qualidade do desempenho profissional perspetivado do ponto de vista da eficácia pedagógica tem orientado processos de recrutamento de professores em modelos descentralizados. Os resultados da investigação apresentada por Scheerens et al (2010) sobre descentralização, autonomia das escolas e prestação de contas evidenciam que os países europeus em que as escolas/Diretores têm autonomia para contratar docentes estes apresentam, em geral, um nível mais elevado de desempenho profissional. Parte-se do pressuposto que os Diretores das escolas sabem selecionar os bons professores e concebe-se o desenvolvimento profissional direcionado para a aprendizagem de conteúdos e técnicas de ensino.

Outros entendimentos acerca da qualidade do desempenho profissional docente são facultados por estudos americanos. A política educacional nos EUA, desde há décadas, que se tem baseado no pressuposto que a eficácia pedagógica é igual de professor para professor e que os docentes são recursos permutáveis, podendo ser facilmente substituídos, o designado efeito de indiferenciação - Widget Effect (Weisberg et al, 2007). A eficácia do professor é vista, assim, como uma constante e não uma variável. A indiferenciação da docência tem conduzido à negação de fraquezas e potencialidades, apesar dos docentes percecionarem diferenças profissionais na promoção da aprendizagem dos alunos. Somente em situação de exclusão da carreira, a escola focaliza a atenção na eficácia pedagógica do professor. No relatório, intitulado The widget effect. Our national failure to acknowledge and act on differences in teacher effectiveness (Weisberg et al, 2007), examina-se o design e a implementação de modelos de avaliação docente e seu papel no reflexo e reforço do designado efeito de indiferenciação. Fenómeno caraterizado pela indiferença da escola face aos desempenhos diferenciados dos professores em sala de aula. Os dados apresentados resultam dum estudo que pretendeu identificar conceções de avaliação subjacentes ao discuros de professores e avaliadores, ilustrativas do efeito de indiferenciação das práticas docentes (Widget Effect - WE) e demonstrar como este fenómeno está subjacente às políticas de avaliação docente. A investigação quantitativa ocorreu em doze distritos de quatro

131 Estados americanos (Arkansas, Colorado, Illinois e Ohio) e contou com a participação de: a) quinze mil professores; b) mil e trezentos Diretores, que responderam a um inquérito por questionário; e c) oitenta Direções Regionais de Educação, sindicatos de professores, decisores políticos e advogados, que participaram na construção dos designs avaliativos.

Os resultados do estudo, efetuado por Weisberg et al (2007), revelam que todos os distritos de Arkansas, Colorado, Illinois e Ohio possuem modelos de avaliação docente embora divirjam em termos de metodologia e frequência. Contudo, as limitações dos modelos são similares em todos os Estados, nomeadamente: a) lacunas em facultar informação correta e credível acerca da prática pedagógica do professor, reforçando e mantendo o efeito de indiferenciação (WE); b) não investimento dos Diretores na avaliação docente, decorrente da ausência de significado atribuído a processos avaliativos formais- administrativos e a observações pontuais do ensino; e c) indiferenciação nos resultados finais, uma vez que todos os docentes são avaliados com classificações de Bom ou Elevado. Em modelos de avaliação baseados em escalas binárias (Satifaz/Insatisfaz), mais de 99% dos docentes obtém a classificação de Satisfaz. Noutros distritos, que usam várias escalas classificativas, 94% dos docentes recebe uma das classificações de topo e menos de 1% obtém Insatisfaz. Conclui-se que os modelos de avaliação que utilizam uma maior amplitude na escala de avaliação classificam, também, a maioria dos professores na categoria de topo. Por conseguinte, o sistema falha na identificação das necessidades de desenvolvimento profissional do professor, 73% dos inquiridos refere que a recente avaliação não identificou áreas de crescimento profissional e 45% salienta que recebeu apoio nos domínios identificados no processo de avaliação.

O desinvestimento na supervisão de professores principiantes evidencia-se na ausência de feedback e acompanhamento pelos avaliadores, apesar de a literatura salientar as dificuldades destes profissionais nos primeiros anos de ensino. No entanto, esta prática deficitária não parece repercutir-se nas classificações, na medida em que 66% dos professores obtém Satisfaz nas recentes avaliações. Conclui-se que as classificações elevadas atribuídas aos professores principiantes podem revelar a desatenção da escola e as baixas expetativas face ao seu desempenho em sala de aula, gerando desfasamentos entre práticas e classificações auferidas. A que acresce uma perda de oportunidade da escola na promoção do crescimento profissional. Relativamente às classificações positivas obtidas pelos professores experientes, esta prática é lida como inflacionada, uma vez que 57% dos docentes e 81% dos Diretores refere a existência de desempenhos deficitários na classe docente. Questão recorrente e não consensual na educação fundamentada, por uns setores,

132 como consequência de processos formais limitadores da exclusão dos docentes da carreira, e por outros, que alegam proteção mínima contra despedimentos arbitrários. A manutenção no sistema de professores com desempenho deficitário pode ainda ser explicada como uma consequência do acompanhamento reduzido ou da recusa dos Diretores em prestar apoio a docentes contestatários. Em suma, os professores identificados como ineficazes raramente são excluídos da carreira, o que pode revelar um sintoma duma crise mais vasta: a dificuldade da escola em atribuir significado à informação recolhida e avaliar com rigor o desempenho docente.

Os modelos de avaliação centrados na prestação de contas enfatizam o “valor acrescentado” dos professores para a produtividade educacional, baseando-se na investigação que procura mapear a relação entre eficácia do professor e competências dos alunos, como ilustra o estudo realizado por Kupermintz (2003). As potencialidades e limitações na avaliação docente, decorrentes da utilização do programa Value added assessement system, construído na Universidade de Tennessee nos anos oitenta, são objeto do estudo efetuado por Kupermintz (2003). O programa foi implementado em vinte e um Estados americanos e teve como suporte um programa estatístico, que mede os resultados dos alunos e o impacto do professor e da escola nas aprendizagens escolares. Os resultados destacam a atratividade política de modelos de valor acrescentado na avaliação de professores. Contudo, embora a abordagem apresente benefícios técnicos, quando associada a programas estatísticos sofisticados, capazes de mobilizar fontes de dados múltiplas e longitudinais, estes representam apenas uma componente da formação dos julgamentos interpretativos, num modelo de avaliação por mérito. A débil articulação entre as teorias estatísticas e as teorias da educação constitui uma das grandes limitações do programa.

No entanto, permanece o interesse nos Estados Unidos da América (EUA) em desenvolver modelos de valor acrescentado para avaliar o impacto dos professores e das escolas nos resultados dos alunos (Weisberg et al, 2007). Estes modelos baseiam-se em fatores preditivos para determinar os resultados a obter pelos alunos em testes estandardizados, de forma a avaliar o impacto do professor. Posteriormente, correlacionam os resultados dos alunos com a avaliação docente efetuada pelo Diretor. No entanto, estes modelos aplicam-se a uma minoria de professores, em particular, os que lecionam disciplinas sujeitas a exames nacionais finais, sendo menos credíveis na diferenciação de docentes, em níveis intermédios da escala de avaliação. Sugere-se, assim, a utilização conjugada com um modelo compreensivo de avaliação docente, apesar desta opção se

133 revelar mais dispendiosa, morosa e necessitar de articulação com a estrutura organizacional da escola (Federação de Professores de Cincinnati, citada porWeisberg et al, 2007).

Em Portugal, os efeitos da avaliação docente nos resultados dos alunos foram investigados por Martins (2009). O estudo diferenciou dois grupos. O primeiro esteve exposto a uma versão simplificada do modelo de avaliação (DR nº2/2008), implementado em escolas das regiões autónomas da Madeira e Açores e o segundo grupo participante no estudo não esteve exposto ao modelo de avaliação, uma vez que pertencia ao ensino privado. Os resultados indiciam que a focalização no desempenho do professor parece ter originado um aumento das classificações dos alunos.

Outra abordagem complementar à temática da avaliação centrada na eficácia provém da investigação que relaciona avaliação, eficácia do professor e da escola. A comparação dos modelos de avaliação em cinco países (Hong Kong SAR - administração chinesa, Holanda, Reino Unido, EUA e Chipre, em função da eficácia educacional e melhoria da escola foi apresentada por Teddlie et al (2003). Enquanto conceptualmente estas variáveis estão interligadas (Hendriks, Doolard, & Bosker, 2002; Muijs & Reynolds, 2001, citados por Teddlie et al, 2003) a sua existência nas escolas é variável, estando algumas das ligações omissas, em certos países. A investigação procurou descrever: 1) foco da avaliação docente ou eficácia do professor, caso não exista história de avaliação docente no país; 2) políticas e práticas de avaliação; e 3) integração da avaliação docente na melhoria e eficácia da escola. Os dados confirmam a débil articulação entre eficácia do professor, avaliação docente e melhoria da escola. Estas conclusões relevam dos seguintes fatores: a) falta de investigação sobre a articulação destas temáticas; b) desarticulação entre políticas educativas e investigação educacional; c) práticas desarticuladas entre os três domínios, embora os resultados da investigação sobre a eficácia pedagógica sejam visíveis na construção dos indicadores e referentes da profissionalidade docente; d) diferentes entendimentos acerca da conceção de bom professor; e e) autonomia das escolas relativa à avaliação de professores e não adesão/desconhecimento das construções teóricas evidenciadas pela investigação.

Síntese

As finalidades, processos e instrumentos adotados nos modelos de avaliação de professores têm-se baseado na investigação sobre a eficácia pedagógica e no modelo processo-produto. Embora alguns estudos tenham identificado ausência de relação estatística entre desempenho do professor e aprendizagem dos alunos, tal facto não tem demovido o interesse investigativo e político por esta temática controversa, extensível à realidade

134 portuguesa. A abrangência de investigações sobre o impacto positivo/negativo, (in)direto, de modelos de avaliação baseados na eficácia pedagógica ou valor acrescentado dos professores inclui diferentes abordagens e resultados, tais como: a) papel negativo dos modelos de avaliação no reflexo e reforço do fenómeno da indiferenciação pedagógica (Widget Effect) dos professores; b) limitações dos modelos de avaliação no processo de supervisão, nomeadamente, na identificação de necessidades de desenvolvimento profissional em professores principiantes e experientes; c) lacunas do sistema em avaliar com rigor e excluir docentes com desempenhos deficitários; d) débil articulação na aplicação de modelos de avaliação baseados na prestação de contas, que enfatizam o valor acrescentado dos professores para a produtividade/eficácia educacional e melhoria da escola; e e) influência de pressupostos de eficácia pedagógica nas decisões de seleção e contratação de docentes, em escolas descentralizadas.

A investigação tem confirmado que os professores “marcam a diferença” no desenvolvimento dos alunos, no entanto, as conceções subjacentes ao conceito de qualidade do profissional em educação divergem em termos epistemológicos e ontológicos, exigindo uma visão plural dos modelos de avaliação em uso. Como salienta Kelchtermans (2009), na atual conjuntura política, social e económica dominada por lógicas gerencialistas, as escolas estão sujeitas a inúmeras pressões para demonstrar à tutela ministerial e à sociedade em geral, eficácia organizacional e pedagógica, garantindo que os recursos financeiros investidos foram corretamente utilizados e que reverterão em resultados educacionais adequados.